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Luciana Brito Galeria abre programação de 2023 com mostras de Afonso Tostes e André Sousa

Afonso Tostes, Sem título, 2022 – Foto: Estúdio em Obra

Duas exposições individuais inauguram a programação 2023 da Luciana Brito Galeria. Pela primeira vez na galeria, o mais novo artista representado Afonso Tostes apresenta “Ajuntamentos”, com um conjunto de obras inéditas. Já na Sala Modernista, a galeria traz “Pince-nez”, primeira mostra individual do artista português André Sousa no Brasil, como parte do programa “Artista Visitante”.

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“Ajuntamentos” – Afonso Tostes

A madeira representa um elemento importante na investigação de Afonso Tostes. No início, ser via como material barato e fácil de encontrar, uma vez que ele utilizava as madeiras encontradas pela cidade. Com o tempo, a madeira foi encontrando um lugar fundamental no desenvolvimento da pesquisa, não apenas por sua representatividade formal, mas também pelas suas características tridimensionais e possibilidades quando relacionadas ao espaço. Para “Ajuntamentos”, sua primeira exposição na Luciana Brito Galeria, o artista reúne cerca de dez obras inéditas em  madeira, entre esculturas e pinturas-objetos, resultado de seu mais recente trabalho em estúdio.

Apropriando-se de pedaços de troncos encontrados, o artista produziu cinco grandes esculturas que fazem uma alusão às arvores em seu estado natural. Na exposição, elas ocupam a superfície do espaço expositivo, assim como num jardim de árvores em desequilíbrio. Cada peça se apresenta posicionada sobre sua própria base, mas de maneira instável, como se com  esse gesto fosse possível reviver ou remontá-la – uma lembrança fragmentada do que um dia  já foi. Essa estrutura é apoiada por peças esculpidas, chamadas pelo artista de “bengalas”, ou  seja, peças que se mostram frágeis visualmente, mas que carregam em sua poética o apoio e a  segurança no próprio desequilíbrio dos troncos.

Nas paredes do mesmo espaço, Afonso Tostes reúne outras cinco pinturas da série “Reforma”  (2022), produzidas a partir do pó de madeira, resultado do lixamento das esculturas. As diversas  cores presentes nessa série são provenientes das madeiras lixadas e trabalhadas na construção  das esculturas. A estrutura geométrica dessas obras segue a mesma poética recente presente  nas novas esculturas de troncos, a partir de um processo experimental realizado pela primeira  vez. Além disso, uma outra grande escultura, “Varal” (2022-2023), está localizada na área externa à sala. Trata-se de uma instalação que foi pensada durante uma viagem pelo Brasil, inspirada nos varais das comunidades ribeirinhas das quais visitou. Esse “varal” funciona como uma linha do tempo em construção, que vai reunindo pequenos objetos representativos dos processos de pesquisa do artista.

“Pince-nez” – André Sousa

A pesquisa de André Sousa explora os artifícios da pintura num campo expandido da prática artística. “Pince-nez”, sua primeira exposição individual no Brasil, reflete a essência da pesquisa do artista português nos últimos anos, principalmente por meio da instalação site-specific homônima, peça chave da mostra. A obra foi pensada para a sala de estar da antiga residência, travando um diálogo direto com a arquitetura modernista de Rino Levi. O título “Pince-nez” foi inspirado neste objeto marcante utilizado pelo personagem Quaresma no romance “Triste Fim de Policarpo Quaresma”, de Lima Barreto. Na obra, tão necessário quanto antiquado, o pince-nez caracteriza simbolicamente o personagem, que vive o dilema de uma cultura em decadência.  André Sousa estabelece uma relação entre essa transição de paradigmas e as movimentações nomáticas ou migratórias, lembrando a importância da sociedade junto aos fornos comunitários das aldeias (também do interior de Portugal), que se esvaziavam rumo às grandes cidades. “Pince-nez” (2022-23), localizada próxima a lareira da Sala Modernista, carrega justamente a subjetividade de espaço comunitário e agregador, convocando línguas mortas, borboletas e pétalas de flores raras.

Ao adentrar a Sala Modernista, o visitante logo se vê envolvido em uma grande tenda de tecido, presa a partir dos dois lados opostos e erguida pelo seu centro. Num primeiro momento, o material leve de algodão 100% contrasta com a arquitetura robusta e formalista do projeto de Rino Levi. A estrutura funcional da tenda (abrigo e proteção) toma o lugar da edificação Modernista da casa, devolvendo o jardim à floresta e fazendo da lareira, uma fogueira a céu aberto, ou mesmo aludindo ao forno comunitário.

Por sua transparência e movimento, o longo tecido que paira sobre as cabeças logo convida os  visitantes a uma interação com os jardins de Burle Marx. Com quase dez metros de comprimento, a peça foi toda pintada e costurada a mão por André Sousa, em seu estúdio em Portugal: elementos abstratos e figurativos, que convivem em harmonia e atravessam os conceitos abordados por sua pesquisa, como símbolos geométricos, objetos diversos (tabuleiros de xadrez),  paisagens e elementos naturais (floresta, cascata e o fogo).

“Pince-nez” reúne ainda um conjunto de cinco pinturas de menor dimensão inéditas, que ao mesmo estilo da instalação, receberam camadas bem aquosas de tinta acrílica. O imaginário das pinturas da grande instalação da tenda é complementado com as paisagens naturais da série “Rede” (2022), mito-paisagens com redes esticadas entre árvores.

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