Eduardo Mossri em cena de “Boa Noite Boa Vista” – Foto: Divulgação
Mais do que nunca é fundamental discutir a questão da imigração, sobretudo diante de episódios trágicos como a guerra na Ucrânia e o refúgio de milhares de afegãos fugidos do Talibã. Este é justamente o tema escolhido pelo ator e autor Eduardo Mossri como ponto de partida para o solo “Boa Noite Boa Vista”, com direção de Antonio Januzelli, que estreia no Sesc Pompeia no dia 17 de janeiro.
O trabalho encerra uma trilogia de solos teatrais estrelada por Mossri sobre imigração, interculturalidade e a valorização dos direitos humanos. A sequência é composta ainda pelos bem-sucedidos monólogos “Ivan e os Cachorros” (2012), da inglesa Hattie Naylor, e “Cartas Libanesas” (2015), do paulista José Eduardo Vendramini, que foram apresentados em diversos festivais no Brasil e no exterior e concorreram a prêmios como Shell, APCA e Aplauso Brasil.
A dramaturgia de “Boa Noite Boa Vista” surge da experiência vivida pelo próprio Mossri, que, em 2020, viajou a Roraima com apoio do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados do Brasil para conhecer de perto a vida de imigrantes, em sua maioria venezuelanos, que deixaram sua terra-natal fugindo da grave crise socioeconômica e política enfrentada pelo país nos últimos anos.
Na ocasião, o ator tinha acabado de encerrar sua participação na novela “Órfãos da Terra” (2019), de Duca Rachid e Thelma Guedes, da TV Globo, que também tratou dessa questão.
O solo ainda é motivado pelas comemorações aos 75 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 2023. Esse documento é fundamental para nos lembrar sobre os horrores ocorridos durante a 2ª Segunda Guerra Mundial para que algo assim não se repita no futuro.
“A julgar, infelizmente, por esse movimento atual e mundial de força retrógada e antidemocrática, a necessidade de reavivar os direitos essenciais a todos os seres humanos se faz ainda mais vital, como: o direito à vida, à liberdade, à segurança pessoal, o direito de não ser mantido em escravidão ou servidão, nem submetido a tortura”, diz Mossri.
Apoiada em um encontro entre os relatos de imigrantes, as reflexões de Mossri sobre essa questão da imigração e a recriação poética das histórias, a dramaturgia surge com o intuito de lançar um olhar sensível para as milhares de pessoas que são obrigadas a saírem de seus países e enfrentam a xenofobia e condições precárias para tentarem sobreviver em sua nova terra.
Estruturalmente, a dramaturgia segue um caráter de saga, jornada, uma grande viagem que tem como guia esse narrador que conta e que recria, que narra e revive, em um refinado jogo de épico e dramático. Para tal, o texto é dividido em três camadas: o diário de bordo, a recriação das histórias vividas e as histórias criadas com o público.
O ator, em um palco totalmente vazio, recebe esse público e estabelece desde o início uma relação franca e direta com a plateia, baseando-se em uma presença viva de convívio mútuo, um “eu, nós, aqui e agora”. O que permitirá desenvolver o conceito de “peça-conversa”, que por vezes conta, por outras vive, para em seguida ouvir esse público, numa profunda comunhão.
O convite à imaginação é um forte aliado dessa encenação, sob o comando do diretor Januzelli, em mais um trabalho que faz uso do “laboratório do ator”, como busca de uma memória original. Abrindo mão de qualquer efeito espetaculoso, o intérprete se concentra no uso da palavra e de sua imediata corporificação, dividindo-se entre os inúmeros personagens, variando músicas e modulações vocais, sem nunca perder de vista a comunicação com o outro.
Sesc Pompeia – Rua Clélia, 93, Água Branca, SP.