O ator mineiro Tulio Starling, 32 anos, está em dose dupla no cinema com os longas “O Pastor e o Guerrilheiro”, com direção de José Eduardo Belmonte, e “A Porta ao Lado”, dirigido por Julia Rezende. Ambas as produções concorreram a prêmios na 50ª edição do Festival de Cinema de Gramado.
Formado em Artes Cênicas pela Universidade de Brasília (UNB), com passagem pela Agrupação Teatral Amacaca (ATA), de Hugo Rodas, Starling é integrante do elenco de peso do Teatro Oficina, companhia dirigida pelo lendário José Celso Martinez, onde atuou nas peças “Macumba Antropófaga” (2017), “Bacantes” (2017), “O Rei da Vela” (2018) e “Roda Viva” (2018-2020).
“O Oficina é um terreiro, de verdade. O tempo, o espaço e a compreensão do trabalho se dão numa dimensão de terreiro, de um terreiro de teatro. É uma roda viva, não para, tem sempre o que comer, o que captar. E isso não é gratuito. É uma criação coletiva de 63 anos. Muita gente botou o coração em chamas ali e muita gente bota. Eu botei e sigo pela órbita. Tenho muito orgulho de saber pisar para encontrar os caminhos de encantar o fogo daquela pista”, diz.
Com uma participação importante na 1ª fase da novela “Pantanal”, onde deu vida a Chico, um lavrador que perde suas terras e decide fazer justiça com as próprias mãos, filho de Gil (Enrique Diaz) e Maria Marruá (Juliana Paes), Starling arrancou elogios dos diretores e elenco da trama global, mas seus trabalhos não param por aí. O ator tem no currículo obras de destaque do audiovisual brasileiro, como “Faroeste Caboclo”, do diretor René Sampaio (2013), “Anna”, longa de Heitor Dhalia, lançado no Festival do Rio (2019), “Feras”, série dirigida por Teo Poppovic (2019), “Hit Parade”, série onde foi protagonista, lançada pelo Canal Brasil e dirigida por Marcelo Caetano (2020), entre outros trabalhos de destaque.
Como próximos passos, o ator estreia as séries “Dois Tempos”, da Star+, sob direção de Vera Egito, com previsão de lançamento para 2023, e “Musa Música”, série Globoplay e Gloob, dirigida por Marcus Figueiredo, com estreia também para 2023.
Leia a seguir o delicioso papo que RG levou com o ator via Zoom.
Como nasce o ator Túlio Starling?
Nasce do acaso de encontrar um curso de teatro, no caso na escola em que eu estudava em Belo Horizonte, quando eu tinha 13 anos. A ideia sempre foi me divertir com isso. Se você vai trabalhar ou não com isso é uma coisa circunstancial. No curso, logo de cara eu me apaixonei e nunca mais parei de fazer. Com 15 anos eu vou para Brasília e continuo fazendo teatro, e lá já tenho uma possibilidade de me profissionalizar atuando na cena cultural da cidade. Fiz diversas peças com diferentes diretores. E nisso eu fico até entrar na UNB, com 19 anos. Então antes de entrar na universidade eu já ganho uma grande experiência trabalhando, de contracenar com pessoas bem mais velhas, de cena, de tudo. O fato de eu chegar com essa bagagem fez com que fizesse mais sentido para mim toda a literatura teórica das artes cênicas. Antes de entrar na UNB eu já havia feito um curta-metragem documentário, depois eu fiz outro curta do Bruno Torres, que se chama “A Noite do Testemunho”, que foi quando eu tive a oportunidade de ter contato com festival de cinema, fomos premiados inclusive. Até que eu tive uma oportunidade importante que foi o “Faroeste Caboclo”, meu primeira longa-metragem. Uns dois ou três anos depois, fiz com o Márcio Cury, diretor e dramaturgo, lá em Brasília, meu primeiro protagonista em “Campo Santo”, filme que infelizmente não foi lançado, falando de fomento cultural. Com 27 anos eu me mudo para São Paulo, onde fui fazer o Teatro Oficina, meses depois apareceu a chance de eu entrar em “Bacantes”, o que foi um degrau e tanto para a minha carreira. Fiz também “O Rei da Vela”, importantíssima, a remontem dessa peça depois de 50 anos. E fui intercalando com mais produções em audiovisual, séries e filmes, como “Feras”, da MTV, hoje disponível o Globoplay, e “Ana”. Depois fiz outros filmes, veio a novela “Pantanal”, e outras coisinhas que eu ainda não posso falar porque não foram lançadas.
Como pintou o convite para “Pantanal”?
Eu tinha feito um teste para outro personagem, que acabou não rolando, aí eu pensei “que pena”, porque foi uma novela que eu revi quando reprisou em 2008, aí apareceu a chance de fazer uma participação bacana na novela. Quando eu li sobre o papel achei que era ainda mais legal que o outro personagem, porque é pontual e acontece nos foi primeiros capítulos. O personagem [Chico] ajuda a contextualizar não só a história da Maria Marruá, que é a mão da Juma, como a temática central da novela, que eu acho que é a relação do ser humano em sociedade com a natureza na trajetória de todos os personagens. Nós estamos falando de uma família cujo direito à terra lhe é negado. E eu acho que foi importante para mim, já era em 1990, quando a novela foi escrita, em 2008, quando foi reprisada, e mais atual do que nunca em 2022, quando os conflitos pela terra cresceram muito, segundo estatísticas.
E como você sentiu a receptividade do público com o seu personagem, que deu o que falar?
Foi, né? Primeiro que é nos dois primeiros capítulos de uma produção superaguardada, então os primeiros capítulos são aquela coisa, todo mundo vai ver e tal. Eu gostei da repercussão, eu nunca tinha feito TV aberta, então eu nunca tinha tido contato com esse alcance, que é a TV aberta. Eu acho que eu, a Juliana Paes e o Enrique Dias conseguimos dar a força que o conflito pedia, assim como o Glicério do Rosário, o Adriano Pertermann e o Jorge Florêncio também.
Vamos falar dos filmes “O Pastor e o Guerrilheiro” e “A Porta ao Lado”.
Vou começar por “A Porta ao Lado”. É um filme dirigido pela Julia Rezende, que no elenco tem eu, a Letícia Colin, a Bárbara Paes e o Dan Ferreira. Conta a história de um casal, que é a Letícia e o Dan, que ganham inusitadamente um casal vizinho do apartamento deles. Logo de cara a gente percebe que os dois casais têm diferenças grandes sobre estilo de vida, na forma como pensam, na visão de mundo. Esse casal vizinho tem um relacionamento aberto. O filme usa dessa situação central dos dois casais para fazer uma reflexão sobre amor e solidão dentro da contemporaneidade. O filme fala sobre a complexidade de se ter um relacionamento monogâmico e aberto. Sobre esse contrato que a gente faz com uma pessoa de só sentir atração por ela para sempre. Os quatro têm crenças muito bem colocadas no início do filme, e que as situações vão questionando essas crenças, e você vai vendo todos os personagens entrando em contradição. Então a gente tem contato com as coisas que cada um diz para fora do seu casamento, o que diz dentro do casamento, e as coisas que cada um não diz. O filme traça essa cilada para cada um dos quatro personagens.
Sobre “O Pastor e o Guerrilheiro”, é um filme que tem três protagonistas, Johnny Massaro, Cesar Mello, Julia Dalavia,, e eles estão inseridos em dois tempos históricos, em 1973 e 1999. Meu personagem é da fase de 1999, ele é o interlocutor da Juliana, o amigo, o parceiro. Eles são dois universitários, estudantes da UNB, e a Juliana acha um livro que é um relato sobre a Guerrilha do Araguaia, onde o protagonista conta sua experiência tanto na guerrilha como quando preso, onde foi torturado pela ditadura militar e onde ele tinha um companheiro de cela, que era um pastor. Eles têm tempo de refletir sobre a humanidade, a sociedade, cada um da sua perspectiva. Ambos os personagens têm a sede da justiça social, de reparação histórica. Eles enxergam a possibilidade da revolução de uma maneira totalmente diferente. A gente vê muito no filme coisas que remetem ao ano de 2022. É um filme que eu tenho muito orgulho de ter feito porque é um filme que fala muito com o agora no nosso País.
Como você vê a arte nos dias de hoje?
Eu acho que a cultura é a maior riqueza deste País, e muitas vezes as pessoas não entendem o que é cultura. A cultura é o fazer artístico de um povo, é a produção imaterial de um povo, seus costumes, tradições a partir de seus fazeres culturais, a partir de sues ritos. E, às vezes, especialmente nos último anos, o tema cultura ficou esvaziado e retido em uma discussão muito mal informada e vazia e superficial acerca de políticas públicas de fomento à arte. Muitas pessoas nem sabem, por exemplo, o que é renúncia fiscal, quando criminalizam a Lei Rouanet, e elas nem compreendem o prejuízo que o País tem quando a gente deixa de ter o Ministério da Cultura, e quando a gente desarticula uma série de políticas públicas de incentivo e fomento à cultura, que foram lutas histórias e uma conquista do povo brasileiro. Quando a pessoa não tem acesso à edução pública de qualidade ela não tem acesso ao complemento, que é a atividade cultural. Porque não é só aprender um conteúdo, é entender o que você tem a ver com isso. Dentro do mercado das artes, quando falamos de uma profissionalização, que pode ser expandida para muito mais pessoas, poderia haver muito mais pessoas praticando seus fazeres com a arte. Eu acho que tem um mercado grande dentro do que os streamings abriram para nós, que foi importante para resistirmos a esse governo que é um verdadeiro desmonte da cena cultural, muitas pessoas conseguiram se manter, principalmente aqueles que estão inseridos no eixo Rio-SP. Ao mesmo tempo isso tudo [streaming] é muito novo, então é importante que se tenha um diálogo entre as várias categorias de trabalho, plataformas e produtoras, para que se chegue a condições mais equânimes de trabalho. Fazer arte no Brasil é compreender tudo isso que está em jogo. É compreender esse desejo inegociável de fazer arte e ao mesmo tempo perceber que o estado precisa voltar a ser fomentador de várias políticas públicas para a cultura. Eu acho que, às vezes, a dinâmica industrial esvazia o nosso desejo, por causa da rapidez, que esvazia o nosso trabalho, então a gente precisa não negociar esse desejo, a gente precisa aprender a se inserir nesse mercado e dialogar com ele.
Você acha que o streaming muda alguma coisa no audiovisual, além das oportunidades de trabalho, obviamente?
Vou falar das qualidades porque elas são reais. O streaming aumenta a demanda e por isso oferece mais oferta de emprego, com isso você tem empregabilidade e e representatividade. Sobretudo para outros corpos, como gays, lésbicas, mulheres, indígenas, pessoas com deficiência, negros etc., esses corpos nunca tiveram chance dentro da indústria hegemônica. Quando você aumenta a demanda, aumenta também a chance de produzir histórias que sejam desses corpos. Então acho que há uma possibilidade de democratização no streaming. No entanto, precisam se articular com as tendências, e as tendências, muitas vezes, são regidas pelo algoritmo. Existe um desafio, de produzir histórias relevantes que tenham a cara do povo brasileiro, dos povos do Brasil, que falem com a sociedade, com temas urgentes e pertinentes, mas que ao mesmo tempo consigam ter esse alcance que os streamings buscam. Então é a gente pautar o discurso público e empoderar roteiristas, atores, diretores, autores, para que possam ter autonomia de criação e criar essa histórias relevantes, mas com a sua assinatura, o que é possível. Vou dar um exemplo, “Bacurau”, em que você consegue captar uma complexidade enorme da sociedade brasileira, e dos seus desafios, e ao mesmo tempo foi um sucesso. A outra questão é a formação do público, que eu acho que nos últimos anos as pessoas começaram a ter o costume de ver mais séries, o que passa a influenciar, inclusive, a nossa produção nacional. Eu acho que isso é um ganho, e esse ganho vem dos streamings. Ao mesmo tempo, a gente vê uma novela como “Pantanal”, que foi sucesso em 1990, voltando a ser sucesso em 2022, dentro desse contexto todo dos streamings, e isso se deve à qualidade do nosso trabalho como produtores de conteúdo audiovisual, que é formada pela teledramaturgia e pelo cinema nacional. O casamento entre as nossas potências criativas, formadas há muito tempo, com essa injeção de demanda vinda do streaming, é muito promissor. A gente só não pode se esquecer que a criatividade é o que deve reger isso tudo.
Você tem vontade de dirigir uma produção?
Tenho. Não tenho formação para isso ainda, mas eu acho que tenho condições de escrever um curta-metragem, por exemplo, e com outros diretores fazer uma coprodução. Acho que estou mais preparado para escrever do que para dirigir. Está dentro dos meus planos dirigir, mas quando eu começar quero que seja uma coisa afetiva.
Você vem aí também com “Dois Tempos” e “Musa Música”, dá para contar um pouco?
O “Musa Música” é um musical que se passa entre uma juventude que estuda junto, e tem a visita de uma professora e um professor bem inusitados que vão fazer com que eles tenham contato com a arte – música, teatro, poesia, artes plásticas. É sobre a democratização do fazer artístico.
E “Dois Tempos” é outra série que eu achei incrível, que vai ser lançada pela Star+, como direção da Vera Egito, diretora e roteirista que eu adoro, e fala sobre duas mulheres em tempos diferentes: uma influencer famosa da internet em 2022 e uma jovem mulher de 1922 que está sendo forçada a se casar em uma união arranjada. Então são cem anos que separam duas versões femininas muito distintas. O meu personagem é um cara meio bronco, chamado Raul, que é um tipo de tutor dessa jovem de 1922. As duas séries são dirigidas ao público mais jovem, e acho que a galera vai gostar de acompanhar.
E teatro, vem alguma coisa pela frente também?
Ainda não, eu estou morrendo de saudade dos palcos. Desde que houve a pandemia eu não voltei a fazer teatro. O Oficina, que é onde atuo, vai fazer a “Mutação da Apoteose”, com direção da Camila Motta, que é inspirada no repertório de “Os Sertões”, talvez eu esteja na montagem, mas de qualquer maneia vou estar por perto.
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