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“Tenho um compromisso social, racial e político sobre minha raça e sobre a minha cor”, diz Tiago Barbosa

Foto: Adasat Barroso

Por Leo Oliwer

Lágrimas… não de tristeza, mas sim de emoção, tampouco da encenação, mas da plateia ali presente, e não estamos falando de poucas lágrimas, durante toda a apresentação do musical “Clube da Esquina – Os Sonhos Não Envelhecem”, notamos imediatamente a sintonia entre público e espetáculo, quando falamos sobre Milton Nascimento, uma lenda que recentemente completou oito fabulosas décadas de vida, estamos também falando sobre uma trajetória ímpar, repleta de desafios onde quem vence é a determinação e o talento, fatores esses que podem e devem facilmente ser atribuídos tao ator e cantor Tiago Barbosa, que agarra a imensa tarefa de interpretar Milton neste novo musical.

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Foto: Fabian Morassut

Logo no primeiro ato somos surpreendidos com a força de uma luz descomunal, que invade o palco e se intensifica ainda mais com a presença de Barbosa, o ator mal entra em cena e já arranca suspiros e aplausos. O artista já é um grande conhecido dos palcos mundo afora, estrelou o premiado “Kinky Boots”, na Espanha, fez história como Simba no musical “O Rei Leão”, onde foi considerado pelo núcleo de direção norte-americano, como o melhor Simba do mundo, e não é para menos, Barbosa tem personalidade, carisma e domínio total de sua potente voz, que além de marcante é recheada de atitude.

Durante todo o espetáculo que conta a história de Bituca, apelido carinhoso de Milton Nascimento, nos deixamos levar pela forte emoção que a produção entrega, emoção esta encontrada também durante uma agradável conversa que tivemos com Barbosa após o espetáculo. RG bateu um papo cheio de significados com ele, que além de tudo isso que já mencionamos, foi contemplado com o doce e respeitoso reconhecimento de Fernanda Montenegro, sendo exatamente esse, o nosso pontapé inicial da conversa.

Foto: Adasat Barroso

Queremos saber de você, como foi esse encontro com nossa dama do teatro brasileiro?

Olha, eu sempre prefiro não saber quem veio assistir ao espetáculo, isso já ajuda muito para que tudo no palco ocorra naturalmente, e ela, Fernanda Montenegro, é um ícone, naquela ocasião do nosso encontro, foi após o 1° ato, fui me concentrar como de costume para encarar o 2° ato pós-intervalo, estava no camarim quando a produção me comunicou que havia uma pessoa querendo falar comigo e tirar uma foto… Era ela, Dona Fernanda Montenegro em pessoa, eu dei um pulo (risos), fiquei sem acreditar, ela rodeada de gente ali na minha frente, é uma cena que vou guardar pra sempre, naquele momento eu só pensava em agradecer, me senti abençoado, foi incrível, precisei respirar fundo, tomar um copo d’água e retornar pleno para a segunda parte do espetáculo, uma experiência única.

Como você chegou até esse papel de Milton Nascimento? Como surgiu o convite?

Tudo começou em 2019 com a Vanessa Veiga, diretora de elenco, eu estava na Espanha e ela foi muito visionária, me mandou uma mensagem com uma montagem onde aparecia uma foto minha ao lado de Milton Nascimento com a seguinte pergunta: E ai, encara essa “viagem”? – foi loucura, mas tudo aconteceu na hora certa, no momento certo.

Para interpretar uma lenda como Milton Nascimento, com essa magnitude imensa, você partiu de onde para estudá-lo?

Mais uma vez preciso citar a Vanessa Veiga, foi ela quem inicialmente me enviou vídeos sobre a carreira dele, eu estava ainda muito entregue ao personagem anterior, que era uma drag, a Lola de Kinky Boots, e eu sempre prefiro fazer uma espécie de “detox” entre um personagem e outro, mas nesse caso não daria tempo, foi tudo muito rápido, foi surreal, eu precisei absorver todo o material sobre ele que chegava.

Foto: Fabian Morassut

Você passou uma longa temporada fora do Brasil, o que você enxerga de diferente em relação à arte feita aqui?

Bom, eu sinto muita pena em ver que muitas salas de teatro no Brasil estão de portas fechadas, é muito triste notar que cada vez existe menos incentivo à cultura, isso afeta diretamente no que se diz respeito à apresentação, por exemplo, uma peça que poderia estar em cartaz por um longo período, dura apenas três meses de temporada, mas temos fé e esperança que isso possa mudar.

Como você lida com as pessoas estando encantadas e tão emocionadas pelo seu trabalho nos palcos?

É perigoso, as pessoas muitas vezes acham que vão encontrar com aquele personagem, mas somos seres humanos, aquele é um trabalho, isso deve estar claro, eu preciso sempre mostrar que eu sou eu mesmo, é preciso proteger quem você é quando a cortina se fecha.

Foto: Adasat Barroso

Ter talento, ser destaque e estar em evidência, sendo um artista preto, te faz imediatamente um símbolo da luta racial. Como você enxerga essa sua posição? Como você briga por essa bandeira?

Coincidentemente eu estive falando sobre isso com um sobrinho meu, falamos sobre o caminho que estamos, sobre como o Brasil trilhou essa questão pós-escravatura, expliquei para ele que o nosso País foi um dos últimos a abolir a escravidão, e que isso nos coloca nesse lugar que estamos hoje, vemos em pleno 2022 pessoas pretas sendo subjugadas por seu tom de pele, eu particularmente como homem preto, tenho muita paciência, nem sempre minha primeira estratégia é partir para cima, mas muitas vezes é necessário brigar, sim, é muito importante levantar essa bandeira, eu tenho um compromisso social, racial e político sobre minha raça e sobre a minha cor!

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