Cultura

Tiago Iorc volta com álbum mais brasileiro: “tudo o que se estimula demais perde a sensibilidade”

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O álbum “daramô” conta com 10 faixas e a maioria foi escrita em parceria com a namorada, Duda Rodrigues (Foto: Julian Ed)

Tiago Iorc lança seu álbum autoral “daramô” (Som Livre), produzido na Bahia, em um mergulho na brasilidade e na vontade de troca. “Saudade Boa” foi eleita a música de trabalho, composição dele com Duda Rodrigues, namorada que chama de companheira. “Aconteceu quando ela estava indo fazer uma viagem. Nasceu de improviso, ao tentar descrever a sensação boa da saudade, a saudade que faz carinho e enche o peito. É a faixa que melhor sintetiza a sonoridade e a energia do álbum”, sintetiza.

O título do trabalho faz referência à vontade de estar mais aberto para a troca. No último ano, o músico mergulhou em um processo criativo ao se conectar com novas sonoridades, cenários e culturas. Encontrou inspiração nos sons da natureza em meio a belas paisagens tropicais e plantações de cacau, mais especificamente no litoral da Bahia, passando por destinos como Salvador, Caraíva e Itacaré. “O afeto é um dos maiores tesouros do Brasil e essa força me inspira muito. É o fio condutor da vida. O amor costura tudo”, conta.

Duda assina ao lado do músico seis das 10 composições do álbum: “saudade boa”, “papinho”, “tudo que a fé pode tocar”, “daramô”, “que cansaço é não amar” e “dor de cabeça”. A produção musical do álbum é assinada por Paul Ralphes e a faixa “papinho” ganha também produção adicional da dupla Lux & Tróia. O projeto ainda conta com os músicos Matheus Asato, Isaias Elpes, Jeremy Gustin e Lux no time. A produção e direção executiva é de Carlos Taran. Abaixo, leia a íntegra do papo com RG!

Foto: Julian Ed

A pandemia teve algum reflexo nas composições de “Daramô”?
As relações mais íntimas são a oportunidade do entendimento do que a gente tem que aprender aqui nesta vida, do que a gente precisa trabalhar, um pouquinho dos nossos entendimentos. Foi um misto de tudo. Com certeza essa reflexão foi oriunda desse período (de pandemia).

No que você e a Duda trocam? Qual foi a primeira música que compuseram juntos?
O maior atributo do brasileiro é a afeição, essa coisa da afetividade. É uma coisa que aprendo muito com ela, que é mineira. Símbolo forte do povo mineiro é essa coisa de tratar bem as pessoas, de receber bem as pessoas, de se interessar pelo outro. Tem essa singularidade, um quê de brasilidade, eu gosto de como soou isso.

Talvez, a primeira música que compomos em conjunto foi “que cansaço é não amar”. No começo, as músicas eram híbridas. Textos que ela tinha escrito em outro momento e que a gente começou a musicar junto. Depois, a gente começou a escrever coisas juntos. Essa foi, acho, que uma das primeiras. Era um texto que ela já tinha escrito. A gente pegou a ideia, de todo o esforço que é a gente não se dar bem com as pessoas. Tudo é mais trabalhoso quando você quer criar barreiras para não entrar na sintonia, né? Eu gostei dessa sensação.

Foto: Julian Ed

Para onde você foi no período que estava sumido?
Foi bem menos místico do que do que pareceu. Na verdade, primeiro eu fiquei um tempo em Santa Catarina com os meus pais e, depois, eu tava (vontade) de ser anônimo, me descolar dessa identidade. Fui para os Estados Unidos encontrar uns amigos em Los Angeles, queria viver um pouco essa coisa de estar na rua e não ser reconhecido, só viver uma vida normal. Estava muito saturado de tudo: de palco, de show, de entrevistas e todo esse hiperestímulo dessa vida artística.

Acho que tudo o que se estimula demais perde a sensibilidade. Comecei a estranhar: eu amo fazer isso e não gosto mais de fazer. Devo ter ficado uns três ou quatro meses sem pegar no violão. Aos poucos, fui me reconectando com violão. E aí, em junho ou julho eu voltei pro Brasil e fui para a Bahia. Fiquei um mês e meio escrevendo “Reconstrução”. Foram uns seis meses estando em contato com outras sensibilidades para resgatar um pouco da minha. Coisas que gostava de fazer, pessoas com quem eu queria estar perto. E depois, logo depois, mergulhei no processo do álbum.

Você e o Duo AnaVitória tiveram um atrito no passado, já está resolvido?
Questão que outros intermediadores criaram, que criou esse distanciamento. Mas me encontrei com a Ana nesses tempos, a gente conversou, e de minha parte isso tá muito resolvido, sabe? Sempre teve muito amor ali.

Foto: Julian Ed

Você esteve no desfile da Gucci, em 2020. Você já tinha um olhar apurado para a moda?
Não tinha essa relação com a moda, não estava olhando para esse universo. Quando vi que aquilo ali existia, pensei: que legal essa coisa de roupas agênero, de roupas que podem atender diferentes formas de se expressar, independentemente do gênero. Interessante e me agrada essa manifestação, dialoga muito com o que eu sinto do que é a liberdade da expressão. Tudo que é muito encaixotado me tira um pouco do interesse.

E tem vontade de ter uma marca sua?
É uma coisa que está florescendo agora na minha vida, essa coisa do interesse pela moda, por roupas e é uma coisa que eu venho desenvolvendo agora, junto com o Kaio (stylist que o acompanha há anos). A gente começou a criar um diálogo e está desenvolvendo nossas próprias roupas. Coisa que a gente está começando a rascunhar nessa tour.

Como “Ciumeira”, de Marília Mendonça, foi parar no repertório?
Foi um momento no meio desse processo lá na casa (na Bahia). Gosto dessa possibilidade da minha voz ser a condução de outros trabalhos, outras músicas e composições. Volta e meia eu gosto de fazer umas releituras, fazê-las renascer. “Ciumeira” foi uma delas, que já estava no imaginário. Lá no inicinho da pandemia, fiz um projeto chamado “Canta Tiago”, minha forma de contribuir um pouco naquele primeiro momento das pessoas todas em casa. Fiz pelo Instagram, uma espécie de jukebox, onde pediam músicas e eu ficava interpretando. E essa foi uma das músicas que as pessoas pediram, da Marília (Mendonça).

Cantor apresenta o inédito “daramô”, com novo single “saudade boa” que já chega com clipe (Foto: Julian Ed)

Única participação no disco é do grupo “As Ganhadeiras de Itapuã, em “que cansaço é não amar”. Por que essa escolha?
É um projeto muito bonito, que se mantém vivo, com algumas mulheres ainda originárias da época, que, de fato, ganhavam a vida lavando roupa. Tem o simbolismo da Lagoa do Abaeté (Bahia) e essa aura mística.

Quando surgiu com o cabelo raspado, no lançamento de “Masculinidade”, versando sobre fragilidade, sentiu-se livre da projeção que as pessoas faziam de ti?
O mais libertador foi entender que esse processo artístico de visibilidade, de fama, ele tende bastante a enaltecer o processo egóico, que eu acho que também é importante. O ego nos dá a sensação de sobrevivência, dentre outras coisas, pra gente entender a nossa singularidade. O enaltecimento exagerado de qualquer característica tende a nos distanciar um pouco da nossa essência. Para mim foi legal, simbólico me desamarrar e me compreender de outra forma. Foi também uma libertação poder lavar a cabeça todo dia. Isso foi mais gostoso (risos). De não precisar secar o cabelo. Poder lavar a cabeça antes de dormir. Era quase um filho, tava gigante, meu cabelo estava batendo no meio da barriga.

Naquele mesmo single, o que sentiu ao falar sobre o tema?
Foi um processo de tabus, de quebra de preconceitos de mim mesmo em relação ao tema. Nasceu de uma vontade, uma necessidade de diálogo comigo mesmo, com os homens que fazem parte da minha vida, amigos próximos, pai, irmãos, tios… Coisas que presenciei e nasceu dessa vontade de começar um diálogo, de uma perspectiva mais das minhas dores, das minhas vivências. (…) Vontade de iniciar esse diálogo, mesmo que fosse um diálogo que as pessoas pudessem ter.

O que mais me chamou a atenção foi que só o fato de eu levantar um pouquinho esse tema perto de amigos meus, descobri coisas deles que não fazia ideia, de dores que eles tinham vivido, de abusos que tinham sofrido e de como isso estanca essa possibilidade da gente falar dos nossos sentires, do que a gente acha que nos faz fortes ou fracos. O processo do videoclipe me libertou muito. Essa coisa de poder mexer o corpo e esse processo de expressar com o corpo de outras formas. Acho que essa coisa do corpo rígido é muito do masculino, do homem, de ter que estar ereto, né? Então, acho que isso tudo foi uma boa experiência para criar um pouco de luz nesse assunto. Mas de forma alguma sinto como sendo um tema fechado. Éé só uma iniciação que termina nas pessoas. Foi só um primeiro rascunho desse assunto.

E você acompanha seus memes?
Meme em geral é muito bom, né? Mas o brasileiro, talvez, seja a espécie mais engraçada para isso. O melhor do Brasil é o brasileiro. Eu adoro. Gosto de rir de mim mesmo, também.

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