O hábito ancestral das famílias de se sentar para ouvir histórias fantásticas é resgatado no espetáculo “Os Encantados do Sossego”, estrelado pela atriz Fernanda Thurann e dirigido por Monique Sobral de Boutteville, que também assina a dramaturgia ao lado de Edyr Augusto. A montagem estreia no Centro Cultural Banco do Brasil em São Paulo no dia 4 de novembro e fica em cartaz até 05 de dezembro. As sessões acontecem às sextas e segundas, às 19h, e aos sábados e domingos, às 17h.
O espetáculo explora lendas e mitos amazônicos ao acompanhar a história de Joana, uma mulher que vive na Casa do Sossego, na Ilha do Marajó, foz do Rio Amazonas. Ela embarca em suas lembranças mais antigas para desvendar os mistérios que rondam sua família e se depara com eventos extraordinários – ora trágicos, ora fantásticos – que pairaram sobre aquele núcleo, depois que a família decidiu morar em terras Marajoaras.
Segundo Monique, idealizadora do projeto, o espetáculo nasceu de sua pesquisa para o doutorado sobre a preservação de algumas práticas artístico-culturais amazônicas. “A pesquisa foi iniciada com a atriz Fernanda Thurann em 2015, como um processo de coleta lúdica de dados. Rapidamente, percebemos a potência cênica das narrativas e dos dispositivos de contação que identifico como métodos próprios ao contador marajoara”, revela.
A narrativa, de acordo com a diretora, é um emaranhado de memórias. “Ela tem uma forte base nas narrativas coletadas (os mitos do Boto e da Mulher Cheirosa), mas também cita e encarna outras histórias ancestrais, como A Cobra Grande do Sossego. A própria Joana foi construída a partir de referências da mitologia amazônica, como as figuras de Iara, Matinta e Damiana. Mas o texto também tem um caráter autobiográfico de experiências familiares vividas na região. Minhas memórias hoje se confundem com as de Joana, não consigo mais dissociar inteiramente o que é memória inventada, vivida e coletada”, relata.
A construção da protagonista também evoca importantes temas do universo feminino, como a solidão, a perda e a maternidade. “Eu me identifico com a Joana em diversos aspectos. Talvez muito desse lugar de solidão me é bastante particular e essa ideia de crescer e se ver só no mundo. Essa rotatividade de pessoas e sentimentos que entram e saem de nossas vidas. Outro ponto de identificação é a força que ela tem de, mesmo nas adversidades, tirar algo bonito e valoroso”, conta Fernanda.
“Os ensaios para esse trabalho se tornaram um processo muito íntimo, muito delicado, além de tratar de histórias muito reais. Apesar de estarmos contando sobre lendas e mitos da Ilha de Marajó, são histórias que tratam de dores reais e tentamos, de forma lúdica, contar sobre as perdas da vida, que é comum a todos”, acrescenta. O espetáculo é um convite para conhecer um lugar mágico e exaltar a cultura brasileira. É uma história de amor, fraternidade e de respeito à natureza, aos ancestrais e às crenças de um território místico. Antes de São Paulo, a montagem estreou em maio de 2002 na cidade de Belém (PA); Em seguida, cumpriu temporadas no Rio de Janeiro (RJ) e Curitiba (PR).
Ambientada em uma casa em ruínas corroída pelo tempo, a cenografia assinada pelo paraense Nando Lima aposta em um conjunto de elementos naturais e objetos cênicos para transpor uma ambientação que se divide entre a floresta amazônica e a casa em ruínas de uma família que já teve muita abundância, mas que que foi consumida pelo tempo, pelas encantarias e pela natureza. Os acessórios são assinados pelo artista-artesão Ronaldo Guedes, ceramista marajoara que traz à cena elementos em barro e madeira. O trabalho do artista também fala sobre ancestralidade e é marcado pelo grafismo marajoara.
O figurino evoca elementos de uma família outrora abastada com traços de vestimentas típicas das danças tradicionais da região. A trilha sonora do músico e compositor Thiago Sobral possui paisagens sonoras gravadas com sons da floresta que costuram a narrativa. A presença de dois músicos em cena permite um diálogo sonoro direto com a atriz.