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Eriberto Leão: “A arte é o espelho da sociedade”

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

Eriberto Leão está completando 50 anos de idade e não para de produzir. Atualmente, está na série “Ilha de Ferro”, do Globoplay, onde interpreta Diogo, que é antagonista de Dante [personagem de Cauã Reymond]. Fora isso, está em cartaz no Rio de Janeiro com a peça “O Astronauta”, que tem inspiração na cultura pop da ficção científica, com referências do filme “2001- Uma Odisséia no Espaço”, de Stanley Kubrick, e da música “Space Oddity”, de David Bowie. Inclusive ele canta músicas do próprio Bowie no espetáculo.

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Mas ele tem mais planos por aí. Pretende homenagear o The Doors, em celebração aos dez anos do espetáculo “Jim”, inspirado no legado do compositor, poeta e músico Jim Morrison (1943-1971). Para essa nova versão, Eriberto trará uma peça musical mais jazzística, como se fosse o Jim aos 50 anos. “Jim” ficou três anos em cartaz e foi um sucesso de público. O ator, que é um adepto da contracultura, descobriu a literatura, a poesia e a própria filosofia por meio do movimento, além de ser fã de rock, que é um movimento contracultural por si só.

Eriberto também está escrevendo uma série, cujo nome provisório é “Tomé”, e na qual ele conta sobre um padre detetive que usa métodos nada ortodoxos para desvendar seus casos. “Eu não posso falar muito, mas tem a ver com Jung [psiquiatra suíço Carl Jung], e o processo alquímico e a contracultura que eu sou apaixonado”, diz. Aliás, ele, aos 50 anos, quer mais e mais ter essa iniciativa de cocriar. “Eu espero que os próximo s 50 anos sejam muito mais autorais para mim, que eu tome mais as rédeas da minha arte e faça mais as coisas que vêm do meu coração mesmo. Que eu possa cocriar intensamente.

Leia a seguir entrevista com o ator e autor Eriberto Leão feita via Zoom.

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

Como você se tornou ator?

Comecei a fazer teatro ainda criança por conta da minha mãe, que me achava tímido demais, embora eu não me achasse. Mas eu comecei a fazer o curso de teatro na Escola Célia Helena, e na primeira aula e já percebi que nascera para aquilo, me apaixonei de tal forma que nunca mais deixei. O meu primeiro professor foi o Cássio Scapin, tive a sorte de tê-lo como professor de interpretação. Na sequência eu trabalhei como diretor de cena da peça “A Vida É Sonho”, do Gabriel Villela, e ele me disse que eu devia fazer EAD (Escola de Artes Dramáticas da USP), mas eram 2.000 candidatos para 20 vagas, só que eu prestei e entrei. Depois fui estudar nos Estados Unidos, voltei, peguei meu primeiro trabalho e não parei mais, graças a Deus. Fiz a minha primeira novela, que foi “Antônio dos Milagres”, e depois fiz a minha primeira peça profissional, “Ventania”, com o Gabriel Villela, que foi um grande sucesso e o que me levou a fazer minha primeira novela na Globo, “O Amor Está no Ar”.

Você recentemente completou 50 anos de idade, muda alguma coisa?

Ah, é uma data bem simbólica e emblemática, faz a gente fazer um balanço desse meio século de existência. Graças a Deus o balanço foi bem positivo, me sinto bastante realizado e pronto para os próximos 50. É uma oportunidade de buscar coisas tão interessantes quanto foi essa primeira fase. Eu pretendo chegar aos cem anos, acho que é possível (risos). Quero ser um velhinho que faz fogueira à noite e conta histórias para os netos e bisnetos. Acho que o teatro nasce assim com nossos ancestrais. O teatro é a expressão de perguntas que não são necessariamente expressas, mas que são colocadas nas próprias histórias. 

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

Em “Além da Ilusão”, seu personagem, Leônidas, era forte e teve de lidar com os problemas de Matias (Antonio Calloni), como se preparou para esse papel. 

Eu sempre fui um admirador de Jung [Carl], e faço terapia há muitos anos também, eu sou um grande amante do processo da psicoterapia, da psicanálise. Fiz um cara que está se formando em psiquiatria, mas tem uma briga/traição do pai, e abandona tudo e vira um outsider em cima de um cavalo. É como se ele fosse um cowboy psicólogo. Aí ele encontra com o Matias e vê as possibilidades de colocar em prática suas habilidades, o seu chamado. Então ele passa a cuidar desse paciente, como diz a Nise da Silveira [médica psiquiatra], esse cliente. Até que ele se encontra com a própria Nise, uma cena muito importante que a própria Glória [Pires] fez. Eu mesmo estudei muito Nise da Silveira, por coincidência também teve uma exposição dela aqui no Rio, no CCBB (Centro Cultural Banco do Brasil), e tem um livro do Fauzi Arap, que para mim e um dos meus mestres, o “Mare Nostrum – Sonhos, Viagens e Outros Caminhos”, que conta o processo dele dentro da clínica da Nise dando aulas de teatro. É um dos livros mais importantes da minha vida, é maravilhoso. Eu tenho paixão pela Nise, pela psicoterapia, então eu usei tudo isso que eu tinha dentro de mim, e a minha preparação mesmo foi ouvir os meus colegas todos. Acho que o Leônidas era um cara que ouvia, difícil hoje em dia, uma característica da nossa civilização atual. O Leônidas era um grande ouvinte, então eu pude aprender muito tanto como Leônidas como Eriberto. Eu observava muito o processo criativo dos meus colegas, sobretudo do Calloni e da Paloma [Duarte], que são dois grandes atores, foram grandes mestres. Eu fiz um “doutorado” não só com esses atores, como da minha arte. Foi um grande presente para os meus 50 anos, eu saio bem mais maduro depois de “Além da Ilusão”.

Acha que a paciência que Leônidas tinha com Matias significava uma relação quase de pai e filho entre eles?

Eu acho que não, até pela diferença de idade entre elas, que era de dez anos. Acho que era uma fraternidade, talvez de um irmão mais velho. O Leônidas nunca substituiu o pai, mesmo com a traição dele, era uma lacuna na vida do Leônidas, ele praticamente mata o pai dentro de dele. 

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

Atualmente você está nas telas com “Ilha de Ferro”. Conte sobre seu personagem, o Diogo.

Ele é um predador, capitalista, é um amoral, que só pensa em si mesmo, em ter lucro, em ganhar, e não se importa com os outros. Ele só se importa com a a família, que é o oposto dele. Ele é irmão da personagem da Maria Casadevall e neto do Osmar Prado, que são petroleiros, defende o bordão “o petróleo é nosso”, enquanto o Diogo quer vender o negócio para os chineses. Ele quer fazer lucro imediato e não pensa no País como um todo. Ele é antagônico ao movimento que preza o coletivo. Ele é muito individual, egocêntrico.

E é difícil fazer um personagem desse?

Não, a gente tem a sombra dentro da gente. A opção pela luz, pelo bom caminho, de justiça, ética, integridade, é uma escolha, você pode escolher. Há casos de famílias incríveis em que o filho opta por um caminho sem ética. Como eu disse, a sombra está com gente, isso também é muito trabalhado na psicanálise, e a gente precisa saber como utilizar esse nosso lado, que podemos chamar de negativo de uma maneira positiva, é possível. A ambição é uma coisa positiva se você trabalhar em prol do universo. O Sol, por exemplo, gasta seu combustível iluminando o nosso planeta, utilizado de maneira proativa é muito positivo. Nós, atores, podemos ter uma certa dificuldade de acessar essa sombra, mas ela existe em todos nós. Até fome eu passei nas gravações para deixá-lo [Diogo] mais predatório.

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

E a peça “O Astronauta”?

Pois é, e a minha grande paixão. Um projeto que deu muito certo, teve indicações para prêmios, na sua apresentação virtual, porque a gente não pôde estrear por conta da pandemia. Estreou agora em horário alternativo, do jeito que que queria, porque é uma peça de contracultura, acho que o mainstream vem depois, como uma consequência, e não como uma vontade, como todas a bandas e escritores da contracultura fizeram.  É uma peça de ficção científica que tem como base primordial a primeira lei da alquimia medieval, que diz que o universo é mental, então se é mental, uma viagem dentro da própria mente é também uma viagem espacial. Imagina o que acontece na mente de um astronauta fora do planeta? Ele tem duas viagens, uma em si, e a outra dentro dele. E a partir dessa premissa de o universo ser mental, a gente conseguiu fazer um espetáculo que lida com ficção científica como Christopher Nolan fez em “Interstelar”, ou mesmo o Stanley Kubrick, em “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, que também é uma referência nossa e que é uma busca existencial. A gente trata de uma questão que eu acho incrível, que é inédita, ao menos eu não me lembro de ter visto antes, que dá a possibilidade de existir gente fora da Terra, não de ser seres extraterrestres, mas de  serem micro-organismos que podem ter contribuído com a evolução da vida na Terra, como bactérias e fungos, que teriam chegado na Terra com meteoritos e meteoros. Eu tenho estudado muito sobre os fungos, e visto uma serie na Netflix, “Fungos Fantásticos”. Ele [o personagem] faz uma viagem patrocinada por uma rede social, e vai ficando cada vez mais interessante, principalmente para mim, e ele vai perdendo seguidores. É como nos dias de hoje, que perfis menos profundos têm mais seguidores que perfis mais profundos. Ainda estamos muito presos ao hedonismo, ao prazer, ao que a gente considera prazeroso, e, com isso, não estamos focando onde deveríamos focar, que é a evolução humana. O mais importante é evoluirmos individualmente e coletivamente, todas as nossas lutas serão facilmente vencidas. Tem uma frase que eu gosto muito na peça que diz que “nós não estamos em evolução, mas nós somos a própria evolução”. 

Você canta na peça né?

Sim, David Bowie.

E como é isso?

Ah, eu fiz “Jim” [peça sobre Jim Morrison, vocalista do The Doors], né? E a minha primeira peça com o Gabriel Villela eu também cantava. Agora a gente tem essa conexão com o Bowie. Cantar Bowie dentro de uma espaçonave teatral é uma força muito grande, você se encontra com o  gênero poético do Bowie. O teatro tem esse poder de se conectar a qualquer gênero poético. É magia, acontece alguma coisa ali quando estou cantando, é teatro.

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

Pretende levar a peça a outros estados do Brasil?

Pretendo, sim. Pretendo expandir a peça até para depois ter discussões, conversas com a plateia, eu quero levar essa discussão a diante, porque as pessoas, de uma forma geral, conhecem pouco da contracultura, e é algo que nos influencia até hoje. A contracultura tentou e continua tentando compreender a nossa origem. 

Você quer encenar novamente “Jim”, mas agora com um Jim Morrison de 50 anos de idade? 

Sim, mas quero fazer um “Jim 2”, na verdade. Vai ser quase uma continuação do “O Astronauta”, que já é uma continuação do “Jim”. Talvez a diferença é que vai ser muito mais musical, vão ter muito mais canções e eu estou pensando em um conceito musical mais jazzístico, um contrabaixo acústico, piano, como se o Jim Morrison tivesse chegado aos 50 anos. E me interessa saber ou imaginar o que ele diria aos 50 anos, porque tudo o que ele disse, e que foi tão impactante, foi dos 22 aos 27, né? Todos eles que já se foram, o que diriam aos 50 anos, Janis Joplin, Kurt Cobain, Renato Russo, Cazuza… Então eu acho que vou entrar nessa seara em que você já tem uma maturidade, e ao mesmo tempo ainda é jovem. É uma idade muito especial, eu não quero desperdiçá-la, eu quero aproveitá-la com a potência da juventude que eu ainda tenho e na maturidade cronológica que eu adquiri pelas minhas experiências. 

Atualmente, na sua opinião, está difícil fazer arte no Brasil?

Está, e a gente está se virando. A arte é o espelho de uma sociedade, que não consegue se perceber profundamente, verticalmente sem ela. Mas ela sobrevive, sempre, é o que falei, enquanto tiver uma fogueira e alguém contando uma história, a arte vai estar ali. A gente está passando por um momento complicado, mas sempre fomos uma resistência, e para sempre seremos. Tem uma demanda reprimida muito forte. Eu sei que em São Paulo os teatros estão lotados também. Então eu acho que a gente não tem uma crise de público, não. É o que dizia o Ferreira Gullar “A arte existe porque a vida não basta”.

Foto: Guto Costa; Styling: Samantha Szczerb

E o que vem pela frente?

Eu tenho uma série que estou desenvolvendo, que é um padre detetive, e que está caminhando. “Tomé”, da qual sou coautor, tem esse pai detetive que desvenda seus casos com teses e métodos de investigação inéditos, assim como a tese que levantamos em “O Astronauta” é inédita também, e eu gosto muito desse ineditismo. Eu não posso falar muito, mas tem a ver com Jung, e o processo alquímico e a contracultura pela qual sou apaixonado. No meu lado autoral, que até agora foi em teatro, mas que vou expandir para o audiovisual com a série, pretendo fazer um documentário também sobre outras questões, tem que ser autoral é o que eu estudo todos os dias, o que me faz vibrar. E retomando uma pergunta sua, eu espero que os próximos 50 anos sejam muito mais autorais para mim, que eu tome mais as rédeas da minha arte e faça mais as coisas que vêm do meu coração mesmo. Que eu possa cocriar intensamente.  

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