Cultura

Gabriel Vicente é primeiro príncipe negro de um musical da Disney no Brasil

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Gabriel Vicente caracterizado como Eric, o príncipe do musical “A Pequena Sereia” – Foto: Divulgação

“Algo me diz que eu vou ser feliz sob o lindo sol azul”, diz a primeira canção do musical “A Pequena Sereia”, em cartaz em São Paulo até 16 de outubro. É nesse tom cheio de esperança que o palco recebe um espetáculo que inspira crianças e adultos e celebra a diversidade.

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Com números de música e dança encantadores, a peça inclui referências à população LGBTQUIAP+ e trata de temas como empoderamento feminino. No elenco, está Gabriel Vicente, que interpreta Eric, o primeiro príncipe negro de um musical da Disney no Brasil. “Nunca imaginei ser um príncipe da Disney, muito provavelmente por não ter tido essa referência, então poder gerá-la para crianças que se parecem comigo é meu grande troféu, minha grande felicidade”, compartilha.

Ainda que a representatividade no cinema e teatro esteja aumentando – outro exemplo é Halle Bailey como a Pequena Sereia no live-action que estreia em maio de 2023 –, o trabalho é de formiguinha. Sinal disso é que ainda seja digno de nota quando um ator negro consegue um papel de protagonismo nessas produções, de tão raras que são as ocasiões. Mas o resultado não tem preço.

Gabriel Vicente como Eric durante o musical “A Pequena Sereia” – Foto: Divulgação

“Estou muito contente de encontrar crianças e ver o olhinho brilhando de saber que elas se viram um pouco mais em mim do que antes, com outros atores, e mesmo com os desenhos animados que, em sua grande maioria, para não dizer a totalidade, são de bonequinhos e desenhos brancos”, diz o ator.

Ele próprio era uma dessas crianças, mas não teve alguém parecido com ele em papéis de protagonismo para se inspirar. Então, cresceu e se tornou essa pessoa. “Eu nunca tinha me imaginado. Quando veio em 2018, eu imaginei estudar para Sebastião”, lembra. “O protagonismo gera referência, gera representatividade, e acho que esse é o foco.”

“O protagonismo envolve muitas coisas. Envolve a oportunidade de você conseguir prospectar uma carreira melhor, envolve remuneração, e quando a gente tá falando de remuneração, a gente tá falando de você planejar sua vida com mais calma e se salvar, principalmente vindo de onde eu vim, e que é exatamente onde a maioria do povo preto tá, que são as periferias.”

Com a falta de representatividade, vem a percepção de que as barreiras são maiores para alcançar o protagonismo. “Você vai entendendo que alguns papéis vão ser mais difíceis de você conquistar, você vai notando que imediatamente te escalam para o coro, ou para o personagem cômico ou para o personagem preto quando tem que ser preto.”

Para chegar lá, ele precisou enfrentar obstáculos que estão postos desde cedo para crianças negras das periferias brasileiras, começando pela possibilidade de sonhar, que é dificultada ou até mesmo negada em meio às dificuldades financeiras. “Eu venho de uma família muito simples, com nenhum artista antes, e muito pobres também. Então, tem a preocupação de ter que ajudar minha família e de ter que sobreviver”.

Foi com o incentivo que encontrou na escola pública, com projetos culturais, que ele teve contato com a arte em aulas de música e dança. A partir daí, conheceu profissionais da área e começou a se profissionalizar no teatro. A ideia do teatro musical como carreira veio a partir de 2013, quando viajou a trabalho para a China.

“Naquele ano, o teatro musical já vinha se mostrando uma potência para o Brasil no sentido cultural e também com melhores possibilidades de remuneração, e eu penso ‘Poxa, eu trabalho com dança, trabalho com canto e trabalho com teatro, por que não juntar tudo e trabalhar com Musical?’ Mas eu tinha uma certa resistência, porque eu tinha alguns professores de teatro que não gostavam muito de musical, não sei por qual motivo”, conta.

Apesar de ter realizado um dos maiores feitos de sua carreira com o musical, ele quer mesmo é que as portas sejam cada vez mais abertas para pessoas como ele. “Eu espero que cada vez menos a gente tenha que se perguntar: “Tem papel pra mim? Entrar curioso no Youtube para assistir o conteúdo do espetáculo ou do filme e entender se tem algum ator negro para você se espelhar e de repente focar naquele personagem. Num país onde mais da metade da população é preta, eu acho que é mais do que hora da gente se ver em todos os lugares, principalmente em papéis de protagonismo.”

“A gente, excepcionalmente no setor cultural, precisa dar a chance da pessoa periférica preta entender que aquilo também pode ser uma profissão pra ela. Porque ela muito cedo já está preocupada em colocar comida dentro de casa, em ajudar a pagar uma conta, em ajudar a cuidar dos pais na velhice. Então, ela vai se salvando com profissões mais óbvias e até seguindo profissões familiares, herdando profissões, e nem se dá conta de que, de repente, trabalhar com arte se ela tiver o desejo e tiver o talento é uma possibilidade. Parece uma coisa muito utópica, parece que fazer isso é pra rico”, explica.

“Eu torço pra que quem tem talento e vontade possa trabalhar com o que quiser. Ninguém vai dizer onde a gente tem que estar e o que a gente tem que fazer. Cada um tem que seguir sua intuição e seu desejo, inclusive isso vai muito em encontro com o príncipe Eric e com a Ariel também, os protagonistas dessa história. Ninguém vai dizer onde é o meu lugar. Ninguém vai dizer o que eu tenho que fazer. Eu vou escolher! Eu vou escolher minha profissão, vou escolher como eu vou me comportar, vou escolher onde eu vou estar e com quem eu vou estar, qual vai ser a minha história.”

A peça é um respiro de esperança para que, não só individualmente como coletivamente, possamos avançar em direção a algo melhor. É o que diz Ariel: “Existe bondade nos humanos, eu vi!”. Que tenhamos mais motivos para acreditar.

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