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Documentário “Segredos do Putumayo” denuncia crimes contra comunidades indígenas

Pôster de “Segredos do Putumayo” – Foto: divulgação

Quando a homenagem a um ativista social conversa com toda a memória de um povo, o resultado não poderia ser outro que não o belíssimo documentário “Segredos do Putumayo”. A denúncia do horror e a exuberância das imagens levam o espectador em uma viagem à Amazônia de 1910, quando Roger Casement empreendeu uma investigação sobre as denúncias de crimes contra tribos indígenas na região.

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Casement, que na época era cônsul britânico no Rio de Janeiro, já havia registrado e exposto os crimes cometidos pela Bélgica contra comunidades no Congo, e foi convidado a examinar a atuação da empresa britânica Peruvian Amazon Company, que extraia borracha, no meio da selva amazônica. O documentário de Aurélio Michiles se baseia no diário perturbador que o ativista escreveu durante esse período. 

O diretor, que já havia feito um documentário sobre a história da borracha, conheceu Roger Casement por meio dessa bibliografia. Depois, ele teve um contato ainda maior ao pesquisar sobre Silvino Santos, um documentarista pioneiro que já falava sobre o Putumayo, só que sob a perspectiva dos exploradores. “Aí eu entendi a importância da existência desse personagem, um humanista e revolucionário que pagou com a vida pelo que defendia”, afirma Michiles.

Crianças carregando fardos de borracha – Foto de R. Casement (1910)

Mas a importância do ativista nem sempre foi reconhecida, especialmente depois de seu papel no movimento de independência da Irlanda. Escancarando os problemas da colonização britânica ele foi julgado como traidor da pátria e condenado à morte na forca. Antes disso, chegaram a lhe difamar com a suposta autoria de um diário em que relatava seus casos e falava explicitamente sobre sua sexualidade, o que o deixou mais conhecido por essas questões pessoais do que seu trabalho político. 

“Segredos do Putumayo” quer justamente construir uma nova memória de Roger Casement, exaltando suas contribuições como o importante ativista que foi. “Muito da história dele é subjugada, nós estávamos mais interessados no peso político que ele teve e nas mudanças que proporcionou”, conta Stephen Rae, ator irlandês que já conhecia Casement e aceitou dar voz ao seu diário no filme.

O foco no “Diário da Amazônia”, escrito pelo humanista, foi tão central no desenvolvimento do documentário, que influenciou inclusive a escolha estética de filmar apenas em preto e branco. “Como estamos fazendo um filme desse documento histórico, é como se fôssemos transportados para perto dele, há 110 anos atrás”, diz o diretor de fotografia André Lorenz Michiles.

Foi também este diário que, junto ao relato de seus familiares, possibilitou que Vanda Witoto conhecesse mais sua ancestralidade. Descendente do povo Witoto, originário da região do Putumayo, ela conta como além do extermínio, seu povo também sofreu um apagamento cultural. “Agora, esse momento é muito importante para mim, poder contar a minha história e a história do meu povo”, conta.

Luz Marina, do povo Uitoto, em cena do documentário “Segredos do Putumayo” – Foto: André Lorenz Michiles

Segundo ela, sua avó viveu no Putumayo durante esse período de exploração e fugiu com os filhos para o sul da Amazônia, vindo parar no Brasil. Quando chegaram, foram acolhidos pela Igreja católica, e junto ao desejo de esquecer todo o sofrimento pelo qual tinham passado acabaram abrindo mão de vários aspectos de sua cultura. A própria Vanda cresceu sem saber a língua de seu povo, as pinturas corporais e outras tradições que ela via nos amigos descendentes de indígenas que conheceu principalmente na universidade.

“Os parentes que ficaram do outro lado não sabiam o que tinha acontecido com os que fugiram, não sabiam se tinham sobrevivido. Nós conseguimos nos reencontrar recentemente, depois de 116 anos separados”, relembra. E esse contato só foi possível pela divulgação que ela ganhou como primeira indígena vacinada em sua região, como profissional de saúde. Agora, aos poucos, Vanda vai resgatando a bagagem cultural que perdeu, e Roger Casement tem um papel importante nisso.

“Segredos do Putumayo” já passou por diversos festivais importantes, como Hot Docs e Vancouver Intl Film Festival (Canada), Galway Film Fleadh e Foyle Film Festival (Irlanda), Rencontres du Cinema Latino-americain (França), AFI DOCS (EUA), Festival de Cine de Lima (Peru). Na última semana ele chegou aos cinemas brasileiros, na data que coincidiu com o aniversário de Casement, 1 de setembro.

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