“Eu sou distante, indecisa e inconstante, o que eu posso fazer?”, canta Ana Morais na primeira faixa de seu primeiro álbum, “Pensei em Esquecer o Amanhã”, lançado nesta sexta-feira (26.08) nas plataformas digitais. Com composição totalmente autoral, ela faz um desabafo em forma de música com sonoridade que remete a um R&B contemporâneo. Aos 22 anos, ela é a última de uma família de artistas a colocar seu trabalho no mundo.
“Eu me cobro muito. Acho que, por isso, demorei tanto para lançar meu primeiro projeto, porque nunca estava bom o suficiente”, revela. Filha de Gloria Pires e Orlando Morais, além de irmã de Antonia Morais e Cleo, ela é alvo frequente de comparações. “As pessoas já esperam uma coisa de você. Tem que demonstrar muito mais quem você é quando elas já tem algo criado sobre você. Eu sou a última a fazer tudo, então é um desafio ainda maior para conquistar meu espaço.”
As comparações não se limitam ao âmbito profissional – muito pelo contrário. Os comentários nas redes sociais passam por sua aparência e das mulheres de sua família. “É uma comparação chata, não é construtiva de alguma forma. É sempre botando alguma de nós para baixo.”
Com seu álbum, Ana, que se considera tímida, dá um primeiro e importante passo para que o mundo a conheça em um nível mais profundo, para além das fotos nas telas. “O meu maior sonho é ser reconhecida por quem eu sou, pelo meu trabalho. Porque é sempre mencionando o nome da minha mãe, dos meus pais, minhas irmãs. Eu entendo esse movimento mas as pessoas têm que entender que somos pessoas diferentes, não temos a mesma carreira, mesmo corpo, mesmo rosto. Acho que é o maior sonho de toda mulher é ser reconhecida pelo que ela faz e não pelo que ela veste, não pela aparência.”
Mas as redes sociais também trouxeram algo de bom. Foi por meio dos covers que compartilha em seu perfil no Instagram, reinterpretando canções de artistas como Maria Bethânia e Minnie Riperton, que o público começou a se interessar por sua vertente artística. Para seus próximos projetos, ela pensa inclusive em lançar um álbum de covers.
Apesar do gosto por grandes sucessos nacionais e internacionais, é na composição autoral que seu dom para a arte se revela. Seu processo retoma uma forma pura de fazer arte, em um mundo onde criar música se parece cada vez mais com uma reunião de negócios com muitas pessoas envolvidas. “Normalmente escrevo no meu quarto. Quando estou compondo, gosto de estar sozinha. As vozes que eu gravei foram todas no meu closet.”
Apesar de se dizer indecisa naquela primeira faixa, Ana parece saber muito bem para onde está indo. Vamos acompanhar de perto.
Leia a entrevista completa ao RG.
RG – Como seu primeiro álbum nasceu?
Foi um projeto que nasceu organicamente, até eu me surpreendi comigo, mas foi realmente quase que um desabafo. Foram coisas que estavam no meu inconsciente há muito tempo e foi a forma que eu encontrei de colocar para fora.
RG – Como começou na música?
Me formei na escola, não fiz faculdade, e uns três anos atrás fui fazer aula de teoria do violão. Canto e piano, que eu já tocava desde uns 11 anos, só comecei a fazer aula com uns 20, 21.
RG – É algo que você quis fazer desde pequena?
Eu acho que internamente sim, mas só consegui falar isso e de fato externalizar quando estava acabando a escola, quando todo mundo já sabia o que queria fazer. Acho que tinha um medo de me comprometer com essa profissão. Foi o momento que eu tive coragem de falar “quero fazer música”, mas eu sempre tive essa vontade dentro de mim.
RG – Conta um pouco sobre o título do álbum?
Eu acho que… eu acho não. Eu queria que o título remetesse muito a essa sensação que o álbum traz, meio de nostalgia mas ao mesmo tempo dessa vontade de viver, dessa vontade de ver o seu futuro. Eu tinha pensado em chamar ele de “Saudade Do Que Eu Ainda Não Vivi”. Só que como essa frase já é muito falada, minha irmã Antonia me ajudou a elaborar esse título que eu acho que casou muito bem com o álbum e a estética.
RG – Casa não só com o seu momento, mas com o momento que o mundo está passando.
Exatamente. E é um álbum que eu fiz na pandemia. Então é um álbum pandêmico, comecei a fazer de fato em 2020. Inicialmente não ia ser um álbum, ia ser um EP. Deu tão certo a parceria com meu produtor Gaspar Pini que a gente acabou fazendo mais músicas do que a gente esperava, mas foi tudo muito intuitivo e muito orgânico.
RG – Como foi o processo de encontrar a sua sonoridade, que já parece bem definida logo de cara?
Eu não sei se eu já encontrei, na verdade. Acho que também é um álbum experimental, de experimentar vários sons e o que encaixa mais comigo. Ele também é propositalmente assim porque eu gosto de ser uma artista eclética, que encaixa em todos os universos. E fala muito do que eu escuto, das minhas inspirações, que são muito ecléticas.
RG – Você pode citar algumas inspirações que influenciaram esse álbum?
Meu pai, Orlando Morais. Caetano Veloso, Milton Nascimento, Lana del Rey, Gal Costa. Todas essas pessoas que escuto muito acabam indiretamente influenciando no meu trabalho.
RG – Lembra bastante um R&B contemporâneo de Daniel Caesar, SZA, até Khalid.
Sim, total, escuto muito eles também.
RG – E falando dessas referências gringas, você tem uma música em inglês. É natural para você compor nesse idioma?
Eu sempre estudei numa escola inglesa, então para mim era muito tranquilo escrever em inglês. Quando eu comecei a postar covers no Instagram, era mais fácil para mim em inglês, soava mais certo. Por ser uma língua mais fácil também. Português é uma língua mais rebuscada, não é tão fácil quanto parece cantar em português. Eu estava na minha zona de conforto. “Stay” foi uma das primeiras músicas que compus na vida, então queria colocar no álbum como uma dedicatória a essa fase que eu vivi. Mas depois comecei a escutar muito mais música brasileira e me apaixonar pela língua portuguesa.
RG – Já pensa em próximos projetos?
Nos meus próximos projetos quero fazer uma coisa completamente diferente do que já fiz, então primeiro preciso colocar esse no mundo. Eu gostaria de fazer algo bem MPB. Até de repente um álbum com os covers que eu faço no Instagram, que é o que a galera realmente me pede. Talvez um samba, acho que seria incrível.
RG – Você pensa em fazer mais parcerias com a sua família?
Acho que seria incrível, mas não é uma coisa que a gente pensa agora. Minha irmã acabou de lançar o álbum, a Cleo tá com um projeto de lançar também. Mas no futuro sim.
RG – Você é uma pessoa que se cobra muito?
Eu me cobro muito. Acho que por isso demorei tanto para lançar meu primeiro projeto porque nunca estava bom o suficiente. Eu nunca tinha coragem de lançar. Sou uma pessoa muito tímida. O fato de ser totalmente composto por mim deixa o projeto ainda mais vulnerável. São letras suas, falando sobre você, sentimentos seus, sua perspectiva das coisas. Sou muito crítica comigo mesma.
RG – Você sente uma pressão a mais por estar em uma família com nomes consagrados do entretenimento que já estão sob os holofotes há tempos?
Com certeza. Até porque as pessoas já esperam uma coisa de você. Elas já criam uma coisa na cabeça delas sobre você. Tem que demonstrar muito mais quem você é quando elas já tem algo criado. Mas é uma pressão que eu entendo também. É minha família, então acaba refletindo em mim tudo isso. Mas todo mundo é muito diferente lá em casa, a gente faz sons muito diferentes, nossas carreiras são muito diferentes, então acho que em algum momento eles vão conseguir entender o caminho de cada um.
RG – Como você sente que é ser uma mulher jovem que está entrando se lançando na música brasileira agora?
Eu acho desafiador, mas cada vez mais com outras mulheres entrando nesse mercado, a gente vai conseguir nosso espaço e ser reconhecida. Acho que é o maior sonho de toda mulher. Ser reconhecida pelo que ela faz e não pelo que ela veste, não pela aparência. Acho que cada vez mais a gente vai ter esse lugar. Espero cada vez mais ser reconhecida por isso, não pela minha estética.
RG – Nesse sentido, como você lida com as redes sociais, que são tão baseadas em estética?
Eu acho que lido bem porque escolho muito bem o que quero expor. Mesmo a gente não querendo, a partir do momento que a gente posta uma coisa a gente abre espaço para as pessoas falarem o que elas querem. E nem sempre a gente quer ler aquele tipo de comentário. Falou mal de mim, eu bloqueio na hora. Acho que ninguém tem saúde mental para ficar lendo esse tipo de coisa. Eu posto o que eu gosto, o que me acho bonita, independentemente do que as pessoas querem, gostem e achem.
RG – Você sente que as pessoas fazem muitas comparações entre você e a sua família?
É o que as pessoas mais fazem. Até falo que o que meu maior sonho é ser reconhecida por quem eu sou, pelo meu trabalho. Porque é sempre mencionando o nome da minha mãe, dos meus pais, minhas irmãs. Eu entendo esse movimento, mas as pessoas têm que entender que somos pessoas diferentes. Não temos a mesma carreira, mesmo corpo, mesmo rosto. Somos da mesma família, mas totalmente diferentes. É uma comparação chata, não é construtiva de alguma forma. É sempre botando alguma de nós para baixo. Acho muito feio, muito chato. Além ser filha dos meus pais, sou irmã das minhas irmãs. Sou a última a fazer tudo, então é um desafio ainda maior para conquistar meu espaço.
RG – Seria feio com qualquer pessoa, qualquer mulher, ainda mais dentro de uma mesma família.
E tentar criar uma rivalidade. Aqui vocês não vão conseguir criar uma rivalidade.
RG – É legal quando você diz que escolhe muito bem o que posta nas redes porque acho que sua música fala por você. Tipo: “Quer me conhecer num nível mais profundo? Aqui está meu álbum”.
Exatamente, agora vou adotar isso. Quer me conhecer? Vai lá escutar meu álbum.
RG – São letras bem pessoais, como foi para você que é tímida conseguir se expor para o mundo?
É engraçado porque eu sou muito tímida, mas foi o único jeito que encontrei de falar essas coisas. Música tem muito disso, compor é tão bom por isso. São coisas que você às vezes não tem coragem de falar numa conversa com alguém, mas você tem coragem de escrever ela e transformar numa música. Acho que esse é o grande barato de fazer musica.
RG – Como você espera que as pessoas recebam seu álbum?
Estou muito curiosa para ver a interpretação de cada um. Acho que vão conseguir se identificar muito. São letras muito simples. As pessoas têm esses pensamentos e acham muito bobo, mas quero que elas sintam que não estão sozinhas. Eu também penso essas loucuras, essas coisas que as vezes você acha que é bobo. E que as músicas também transmitam uma paz, uma leveza. A gente está num mundo muito caótico, com muita informação, e essa informação às vezes deixa a gente completamente louco também. Além disso, com esse álbum, quero que as pessoas me reconheçam como a artista independente que eu sou, que faço as minhas músicas. Apesar de estar numa família de artistas, sou minha própria pessoa.
RG – Está animada pra tocar ao vivo?
Estava falando com o meu pai. Estamos pensando em fazer um pocket show para divulgação do meu álbum e quem sabe no futuro fazer turnê. Apesar de ser tímida, estou animada para isso.
RG – Quem foi a primeira pessoa que ouviu?
Muitas pessoas foram ouvindo no processo, eu sou muito ansiosa, então não conseguia guardar completamente pra quando tivesse pronto. Mas talvez tenha sido meu pai mesmo. Meu namorado também participou muito desse processo. Minha família.
RG – Você considera que é influenciada pela opinião das outras pessoas?
Acho que não. Consigo filtrar o que eu quero pra mim e o que quero descartar. Muitas pessoas dão opinião até demais, coisas que você não pergunta, mas sei muito bem filtrar o que eu gostaria de botar na minha vida e o que descarto. Apesar de ser geminiana, não sou influenciável (risos).
RG – Você acha que sabia para onde estava indo com o álbum?
Eu vendo agora, eu acho que sabia. Mas no processo, até porque estava no meio da pandemia, tinha todo o tempo do mundo mesmo. Quando eu vi, tinha ele bem organizado.
RG – Você acha que música é sua principal forma de expressão na arte ou tem outra coisa que gostaria de explorar?
Com certeza é. Sinto que é o meu chamado. Já atuei com a minha mãe em “As Brasileiras” [série lançada em 2012 pela Rede Globo]. Adorei a experiencia, mas não é o mesmo sentimento que eu tenho em fazer música.
RG – Como é seu processo de compor?
As vezes baixa em mim uma frase, ai eu escrevo e termino no meu piano. São coisas tipo: essa frase tem potencial, ou essa palavra, ou esse sentimento, ou esse lugar. Mas normalmente escrevo no meu quarto. Quando estou compondo, gosto de estar sozinha.
As vozes que eu gravei foram todas no meu closet no meu quarto. Eu fui um dia no estúdio, fiz todas as vozes e falei: não é isso, não está legal, minha voz não é isso. Aí peguei meu microfone, peguei minha placa de som, botei o computador dentro do closet, que tem uma acústica melhor, e gravei todas as vozes ali. É um álbum que remete muito a essa coisa individual, meu processo musical é muito sozinho. Fui seguindo meu instinto.
RG – Ele sempre sabe o que diz!
É verdade.
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