Cultura

Luis Lobianco: “Humor foi a minha salvação para sobreviver”

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Foto: Jorge Bispo

Vencedor do Prêmio APTR (Associação dos Produtores de Teatro) na categoria Melhor Ator, por sua interpretação em “Macbeth 2020”, Luis Lobianco comemora 20 anos de formado, 28 de interpretação e celebra a fase no palco com sucesso de público em São Paulo com a peça “O Método Grönholm”, escrita pelo catalão Jordão Galceran e dirigida por Lázaro Ramos e Tatiana Tiburcio, em cartaz no teatro Unimed, até o dia 28 de agosto.

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Lobianco também já está gravando a 10ª temporada de “Vai Que Cola”, do Multishow, e aguarda estreias no streaming e nas telonas. Ele está no elenco de “Meu Nome É Gal”, longa de Dandara Ferreira sobre a vida de Gal Costa. Entre os títulos ainda inéditos, além de “Gal”, ele vai estar em “Primavera”, produção da Amazon que faz parte de uma série de filmes inspirados nas estações do ano.

O ator fez 40 anos neste ano, em 13 de janeiro e, em seguida, partiu para uma imersão no universo do longa-metragem “Gal”, que conta com Sophie Charlotte no papel principal. O personagem de Lobianco é o lendário Guilherme Araújo, empresário de Gal por muitos anos. Foi de Araújo a sugestão para que a cantora, Maria da Graça, na certidão, usasse Gal como nome artístico. Fora outras importantes contribuições na construção da carreira da musa da MPB.

Em suas redes, ele usa essa proximidade para mostrar seus personagens e trabalhos, reforçar posicionamentos necessários nos dias atuais e dar espaço a lutas legítimas de pessoas que só desejam ser ouvidas e respeitadas. Ele também reforça a importância da luta contra a LGBTQIAP+fobia. Com bom humor, fez sucesso em seu Instagram a série de Stories que falava sobre “a difícil semana de uma gay bolsominion”, na pele do personagem Gastão, o gay de direita, criado por ele mesmo.

Leia a seguir papo que Lobianco teve com o RG via Zoom.

Como nasce o ator Luis Lobianco?

O ator Luis Lobianco nasce de um ambiente em que ele podia se expressar, em uma família que possibilitava isso, com figuras que também tinham o dom da expressão. Não sou de uma família de artistas, mas de pessoas muito curiosas, daí eu acho que meu olhar sempre foi em direção às cores, à arte, à música, à natureza, desde criança eu sempre prestei muita atenção nisso. E também com um fato trágico que foi perder a minha mãe biológica com cinco anos de idade. Eu tenho duas mães, a que me pôs no mundo e que fez parte da minha primeira infância, e depois a mãe que está comigo até hoje e que me criou depois disso. A minha mãe biológica morreu de um linfoma, e acho que no meio daquele desespero, daquela doença horrível, naquela época, né? Nos anos 1980. Eu acho que as pessoas que estavam à minha volta perceberam que eu era de humanas, que aquela criança era “viada” (risos), então eu desenhava, cantava, meus avós criaram um ambiente muito lúdico para eu viver. Eu acho que a arte me protegeu, me acolheu. Eu acho que o humor foi a minha salvação para sobreviver, mesmo.

Foto: Jorge Bispo

O humor se insere na sua vida desde pequeno, então.

Sim, o humor era quase uma forma de fazer política. Humor para se inserir, para não ser o coitadinho, não ser o órfão, não ficar com esse estigma. Mas o humor como piada nunca foi a minha onda, sempre foi um olhar de bom humor, um olhar de humor crítico para as coisas, um olhar fora do senso comum para as coisas. E aí a minha personalidade foi me levando… Com 12 anos de idade eu já começo o meu primeiro projeto de teatro, fui fazer curso de teatro, e não parei mais.

Você está comemorando 20 anos de carreira, faça uma retrospectiva desse período.

Eu tenho 20 anos de formado, mas no placo já são 28 anos. O primeiro momento foi fazer teatro amador na adolescência. Entender a responsabilidade dessa profissão, a responsabilidade com os outros, porque você está sempre em grupo. E também a responsabilidade do que você diz para as pessoas, que é o público que vai te assistir.

Depois disso, com 18 anos, eu fui estudar teatro na CAL (Casa das Artes de Laranjeiras), aí eu acho que é um dos momentos mais importantes da minha vida porque você encontra pessoas que têm trajetórias muito parecidas com a sua, que vêm de todas as partes do País e que estão apostando a vida naquilo. Então era um momento poderosíssimo, e até hoje eu encontro com pessoas que eu conheci na escola de teatro. Me formei em 2002, já comecei fazendo teatro, fazendo um projeto, e aí eu tive dez anos de muito trabalho. Eu me enfiava em qualquer buraco que me chamavam, pegava meu figurino, ônibus de madrugada… E muito pouco reconhecimento. Porque eram lugares muito alternativos, plateias de seis pessoas, cachê de R$ 15 por noite, e muita dificuldade, assim, de faltar comida na geladeira, de não conseguir pagar o condomínio, fugir do síndico. Eu morava na Lapa e tinha um trabalho que ia ensaiar na Lagoa, que é na Zona Sul do Rio, e como eu não tinha dinheiro para a passagem, eu andava duas horas, ensaia e voltava andando mais duas horas. Quando eu fiz 30 anos eu estava bem esgotado, e só fazia teatro. Mas aí eu fui chamado para fazer o “Porta dos Fundos”, e ninguém tinha ideia do que ia ser o programa, todos nós tínhamos muitos planos, mas ninguém imaginava que ia ser o fenômeno que é em tão pouco tempo, e de fato mudou a minha vida. Porque o meu trabalho que chegava a seis pessoas, em semanas passou a chegar em milhões. E a partir daí comecei a ser chamado para fazer cinema, televisão, teatro, que eu nunca deixei de fazer, fiquei no “Porta dos Fundos” por muito tempo, agora eu eu tenho 40 anos e o “Porta”, dez.

Foto: Jorge Bispo

Você recebeu o APTR de Melhor Ator por “Macbeth 2020”, justamente peça que não contempla diretamente o humor, como foi isso para você?

Eu acho que estou me especializando em me desviar de rótulos, o humor me deu alcance de dar vasão ao meu trabalho. Naturalmente, algumas pessoas que me conhecem pouco, me associam ao humor que eles conhecem. Mas eu sempre gostei de muita coisa, aquela criança que gostava de arte ainda existe, eu ainda olho para todos os lados que têm arte. Eu sempre foi uma pessoa que estudou muito Shakespeare, eu acho que Shakespeare está em tudo. Novelas são Shakespeare, séries também. Eu tive a oportunidade de estudar Shakespeare com a Armazém Companhia de Teatro, eu fiz um projeto com eles na pandemia, e aí me deu vontade de fazer um projeto solo com “Macbeth”, estava uma loucura, a pandemia, o governo fazendo aquela trapalhada toda com as vacinas, então pensei que se o mundo ia acabar mesmo, eu ia fazer “Macbeth do meu jeito. E também foi um momento em que a classe artística estava sendo ignorada propositadamente pelo governo na contemplação do auxílio, e houve uma batalha muito grande pela Lei Aldir Blanc, naquele momento, que se tornou real no final de 2020. Então surgiu a oportunidade de criar um projeto para trabalhar com pessoas que pudessem receber um cachê que fosse, para pagar um supermercado, algo assim. Dividimos esse bolo em muitas fatias, colocando muita gente no projeto, e acho que contei esse “Macbeth” à minha maneira. Tem o aspecto sombrio da peça, o profético, mas tem humor também. Eu já estava muito satisfeito, e veio esse prêmio dessa instituição (APTR – Associação dos Produtores de Teatro) que eu acho uma das mais combativas nas mãos do Eduardo Barata. Acho que é a instituição que mais briga pelos técnicos da nossa classe, se movimentando, vão sempre a Brasília, estão sempre antenados, engajados, e receber o reconhecimento deles foi muito importante. Fiquei muito honrado, de verdade, muito feliz.

Agora você está nos palcos com a comédia de sucesso “O Método Grönholm”, que conta com direção de Lázaro Ramos e Tatiana Tibúrcio. Fale sobre isso e sobre ser dirigido por essa dupla.

Está bombando. A coisa mais linda é ver o teatro cheio desde a estreia. E o retorno do presencial, as pessoas indo consumir cultura, não só no teatro, mas nas salas de cinema, nas exposições, isso tudo é muito comovente. Esse projeto nasceu em 2020, um pouquinho antes da pandemia, a gente ensaiou, estreamos no Rio, ficamos uma semana em cartaz e veio a pandemia, então ficou um sentimento estranhíssimo de não conclusão, porque primeiro fim de semana não é temporada, parecia peça de curso. E aí ficou aquela coisa vai voltar em dois meses, em seis meses, e só piorava, chegou um momento que eu pensei que o projeto já tinha morrido, que não daria mais. Mas retomamos, e surgiu essa oportunidade de fazer a temporada em São Paulo, aqui no teatro Unimed, o Lázaro [Ramos] ficou muito empolgado, pegamos tudo e ensaiamos de novo, porque ninguém se lembrava de mais nada, imagina a cabeça de todo mundo depois da Covid… É muito impressionante ver as mudanças do ator, da interpretação do texto, é outra peça, em um outro momento. Está mais potente, e tem batido no público com um outro impacto, e acho que por isso um sucesso aqui em São Paulo. Fora que tem a mão do Lázaro Ramos, né? Que é um Midas, o que ele toca vira ouro, vira tesouro. É um cara muito especial muito importante, tem um olhar muito inteligente para as coisas. Ela [a peça] é popular, fala com todo mundo, fura todas as bolhas, e acho que o Lázaro é muito perspicaz nisso. E a Tatiana Tibúrcio, que é uma amor, um talento, nossa diretora, estou muito feliz. Tem uma coisa que tem acontecido comigo nos últimos projetos que eu fiz, nos últimos anos, eu tenho tido um perfil de direção diferente, tenho sido mais vezes dirigido por mulheres. Um filme que eu fiz agora recentemente “Meu Nome É Gal” eram duas diretoras, e a equipe era majoritariamente feminina.

Eu tive dois projetos, quase que seguidos, que eu fui dirigido por diretoras pretas. Na verdade é tudo igual, elas são tão competentes quanto os caras brancos que já fui dirigido antes, mas existe uma diferença de olhar de mundo, mesmo, de perspectiva, que influi diretamente no resultado do meu trabalho, na minha interpretações sobre aquela obra. Assim, a visão dessas mulheres, dessas mães, dessas equipes, e eu não abro mão dessas outras perspectivas. Porque a perspectiva do homem branco hétero, diretor, rico, snowborder, isso eu já sei qual é, eu vi isso a minha vida inteira, entendeu? Mas o nosso País é tão amplo, tão plural, e a ocupação desses espaços de criação são tão urgentes, que quando acontece com você muda tudo. Então é isso, eu não abro mais mão desses olhares.

Você pretende viajar o Brasil com a peça?

Queremos muito. Ficamos em São Paulo até o dia 28 de agosto, depois a gente vai fazer Campinas, 10 e 11 de setembro, e já há muitas possibilidades de fazer em várias capitais e cidades. Queremos fazer uma temporada longa no Rio também. Nesse momento a gente só está ajustando a agenda, para dar tudo certo.

Você acha que as pessoas se interessam mais por humor?

Eu acho que o brasileiro gosta muito de humor atualizado, o brasileiro gosta de ver o assunto da semana dentro daquele episódio, dentro daquele capítulo, ou em um caquinho [improviso] da peça, acho que é o que mais faz o brasileiro rir, porque acho que ele sente que está dentro da história também. Somos um povo engraçado, que sabe contar histórias, a cultura brasileira é muito rica, é muito impressionante. Mas tem um outro lado que o humor é muito pouco respeitado como arte, porque todo mundo consome humor, todo mundo vai ver, todo mundo lota tudo, mas na hora do reconhecimento, poucas vezes os atores do humor são contemplados e reconhecidos como artistas, como pessoas que emocionam, que transformam, mobilizam. As premiações ficam muito restritas a um grupo de pessoas que se autoproclama e que muitas vezes acha que o público acompanha isso, como pessoas que detém a seriedade da vida. Mas isso não é só no Brasil não, isso é no mundo todo. O humor ele é muito maldito também. Faço parte de uma geração que está aí para mudar esse estigma e também me esquivo dos rótulos, como falei. Enfim, tento me colocar em nenhuma posição definitiva, porque nada é definitivo para mim, posso mudar de opinião e tocar em qualquer assunto.

Foto: Jorge Bispo

Como avalia a atual situação da arte no Brasil?

É um momento muito triste, é trágico, na verdade porque além da pandemia, de a gente ficar afastado do palco, porque nosso trabalho é coletivo, com um montão de pessoas, tanto no teatro, como em um set de filmagem, que são equipes grandes que convivem ali por muito tempo, como música, isso tudo foi impedido de acontecer, isso por si já foi muito trágico. Mas a gente tem também um governo que personificou em nós, na nossa classe, um inimigo do País. E criou uma série de absurdos sobre nós, sobre os nossos meios de sobrevivência, sobre as nossas leis, e que muita gente comprou essa história, e sem perceber que isso é justamente uma tática de marketing para fazer com que esse governo engaje nas redes sociais, que isso se amplie, e que movimente os algoritmos. Só que assim, enquanto uma pessoa não para para refletir sobre a nossa importância, sobre o nosso papel, que o Luis Lobianco, que faz televisão, ele está “mamando na teta do governo”, na verdade essa pessoa está tirando o emprego de uma série de profissionais que não são o Luis Lobianco, a nossa classe não é só o Luis Lobianco que vai para o camarim se maquiar para aparecer, a nossa classe é formada por camareiros, seguranças, motoristas, contadores, é uma cadeia de produção enorme, e essa pessoas ficaram sem ter o que comer, ficaram completamente desamparadas, tiveram que voltar para o interior para a casa dos pais, gente com vida já estabelecida, com filhos. Então, é assim, esse é o momento da cultura. Por isso eu fico muito emocionado quando eu vejo o teatro cheio, e vejo as exposições cheias, os cinemas cheios, porque acho que muita gente entendeu que não dá para viver sem arte, sem a nossa presença, uma cidade sem arte não tem alma, o Brasil é um país que produz muita cultura com uma identidade muito forte, e muita gente já não acredita nesse vilanismo que o governo apostou e empurrou para cima da gente, muita gente já não acredita em fake news, já não cai mais nisso, e chegou a hora da mudança. Não vai ser fácil, é como um inquilino que aluga um imóvel e destrói tudo, e você quando vê não sabe por onde começar para arrumar o que foi feito, banheiro, cozinha, esgoto, sobretudo em um País que passa tanta fome. A fome desumaniza as pessoas. E é isso que o próximo governo vai ter que lidar. Mas expurgando o que está aí já é muita coisa.

Em que se baseia quando cria seus personagens para a internet?

Olha, eu gosto muito de usar as redes sociais para fazer um registro, quase que um currículo ativo, das coisas que eu gosto, que tenho feito e tal. Na pandemia, eu experimentei um personagem que era o Gastão, um gay de extrema-direita, que é uma coisa que por incrível que pareça existe. E eu criei esse personagem que respondia perguntas das pessoas de forma extremamente moralista… Porque é uma incompatibilidade quando você é uma pessoa gay, uma pessoa LGBTQIA+, que já está em uma posição de desvantagem perante à sociedade, e você vai defender essa sociedade? E principalmente dessa maneira, no extremo? E deu que se tornou um personagem muito conhecido, mas que partia do absurdo daquele momento.

E quais são os próximos projetos, o que vem pela frente?

A gente começou a gravar agora a 10ª temporada do “Vai Que Cola”, e que vai se passar nas Arábias, uma coisa superinusitada. Eu tenho alguns lançamentos de filmes que eu fiz. “Primavera”, da Amazon, depois temos o lançamento de “Meu Nome É Gal”, e eu tenho um projeto grande para a TV, que deve começar em outubro, infelizmente eu não posso falar ainda o nome… Mas é um projeto grande, e era isso o que eu queria nesse momento, voltar para a TV aberta, além do “Vai Que Cola”.

Odete – Foto: Reprodução/Instagram/@luislobianco

Você tem um cachorro. Qual sua relação com pets?

Ah, eu amo. Eu sou louco por animal, não sou exatamente a Luisa Mell (risos), mas eu sou defensor de formiga, sabe? E na pandemia a gente adotou a Odete, que é uma cachorrinha que foi resgatada em condições de muita violência, uma história horrorosa. E eu queria adotar um cachorro com esse perfil, que precisasse de uma casa, ela chegou muito ferrada, muito assustada, muito traumatizada, mas hoje ela é a dona da casa. Eu estou em São Paulo agora, por conta da peça, mas eu fico aqui morrendo de saudade dela, faço videoconferência, ela dá a barriguinha na chamada de vídeo. Eu amo, eu tenho uma relação muito forte com bicho. Eu tenho um sítio em Petrópolis, e lá tem muito cachorro que é da região, cachorros da roça, eles andam naquela matilha, e quando eu vou para lá eu levo tudo para eles, comida, agasalho, remédio, potes, e eles ficam lá morando comigo no tempo em que estou no sítio.

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