Karolina Halona – Foto: Divulgação
A ideia de “Silêncio Bruto” surgiu em 2020, quando o diretor João Gabriel Kowalski ouviu histórias de pessoas surdas que eram vítimas de golpes. Foi então que percebeu que as produções que abordam a surdez traziam quase sempre em seus personagens apenas características que focavam nas dificuldades que passam no convívio com a sociedade. Visto isso, decidiu produzir um curta-metragem no qual a língua ficasse em segundo plano, invertendo a balança social. “Silêncio Bruto” não é sobre surdos, mas sim de pessoas, ações e consequências e que possuem tal condição.
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“Estamos acostumados a assistir nos cinemas uma representação dos surdos como pessoas frágeis, que vivem em função dessa condição. Então procurei mostrar o outro lado, trazendo uma protagonista que resolve enganar uma pessoa ouvinte, mostrando que a sua condição não limita ninguém a nada, ou pelo menos não deveria”, detalha Kowalski.
A história acompanha Verônica (Karolina Halona), que vai à concessionária vender seu fusca e os trabalhadores ali são extremamente grossos com ela, e tentam inclusive passa-la para trás. Então vemos que nem tudo é o que parece, e que ela não é tão ingênua assim. O elenco ainda conta com Léo Castilho, Beto Catejon, Isadora Maria, Hugo Bonemer e Gustavo Gerard.
“A ideia sempre foi colocar os surdos numa posição de destaque, de protagonista ativo. Evitar mostrar o cotidiano e o que ela acaba sofrendo, revertendo a história, onde é possível termos esses personagens em situações que não estamos acostumados a ver. Infelizmente existe esse estereotipo de coloca-los como incapazes, e que se aproveitar deles é algo fácil. O filme serve para quebrar esse tabu”, diz o diretor.
A estreia acontece no Festival Internacional de Curtas de São Paulo, o Kinoforum, um dos maiores e mais prestigiados festivais da América Latina. Além da exibição presencial, dia 19 de agosto, a produção ficará disponível em formato digital até o final do mês, podendo ser assistida por todos.
Hugo Bonemer – Foto: Divulgação
“Estar presente no evento e disputar diversos prêmios é muito gratificante, principalmente pela relevância que o tema pode trazer dentro do cenário audiovisual. A arte sempre tratou de quebrar barreiras tradicionais, e acho que o “Silêncio bruto” traz essa questão em sua essência.”
Uma das principais inspirações para o filme está presente na vida do diretor; Beto, primo surdo de sua esposa. João conta que, quando começou a escrever o projeto, teve consciência de que era necessário aprender libras, a língua dos surdos, e foi Beto quem o ensinou. “O conheci em 2014, ou seja, passei 24 anos da minha vida sem nunca ter falado com uma pessoa surda, e isso em um País onde aproximadamente 5% da população se comunica por meio de libras. E o Beto me ensina muito, não apenas libras, mas sobre tudo. Durante as aulas sempre abordamos temas relacionados ao cinema, para levar estes as gravações. Antes de produzirmos o curta, levei a ele uma lista de palavras que eram necessárias para me comunicar com parte da equipe, que é surda”, conta.
Escolher a equipe para contribuir na produção não foi ao acaso. Para Kowalski não basta apenas abordar o tema, mas sim inclui-lo na rotina de gravações. Por isso, grande parte da equipe possuía surdez, como a protagonista Karolina, e João Gabriel Ferreira, codiretor, que comenta a importância dessa representação. “Nos olhos da sociedade sou uma pessoa com deficiência, aos olhos da comunidade surda veem meu nome. No filme vemos cada personagem surdo com personalidades diferentes: temos o nerd, o gay, uma vingadora, todos surdos. São pessoas comuns, que expressam seus pensamentos e sentimentos através da língua de sinais. A única diferença é a forma como nos comunicamos”, menciona Ferreira.
Representando também a comunidade surda, a produção contou com Isabela Ferreira na equipe de arte, Pedro Volpato na produção e Alan Gaitarosso como produtor-executivo, ouvinte que ministra cursos de teatro em libras na cidade de Maringá (PR). Além da protagonista, quase todo o elenco é formado por pessoas surdas, então o set foi adaptado para que a comunicação entre eles e ouvintes se dessem da melhor maneira possível, como o uso de interpretes.
“O mais empolgante foi ver a reação de todos eles no set. Eram quase 40 pessoas que traziam uma energia incrível, emocionados com tudo aquilo. A minha reação com o diretor foi única, pois tínhamos um pensamento semelhante em relação ao resultado que queríamos alcançar, que era trazer essa inclusão para além das câmeras”, explica Ferreira.
Karolina Halona – Foto: Divulgação
Há ainda um projeto em desenvolvimento para transformar o filme em um longa-metragem. Dessa vez quem assume o roteiro ao lado de Kowalski, é Fernanda Oliveira, também surda.
“Enxerguei a necessidade de transformar a história em um longa porque estes personagens possuem camadas que não foram mostradas em sua totalidade. Estamos escrevendo situações e momentos de que justamente desencadeiam uma grande história de vingança e transformação. Será a mesma premissa do curta, com uma profundidade ainda maior”, finaliza o diretor.