Top

Jeniffer Dias: “Acredito que a inclusão deve caminhar com a equidade”

Foto: Priscila Nicheli / Styling: Samantha Szczerb / Beleza: Isadora Souza

Jeniffer Dias nunca pensou em ser atriz porque nunca se viu representada na TV. Negra e pobre, só queria ter estabilidade quando fosse adulta. Achada literalmente por Regina Casé, participou do teste para o “Esquenta”, passou, se encontrou no mundo artístico e não parou mais.

Apesar de nunca ter estudado artes cênicas, jamais enfrentou quaisquer dificuldades de atuação.  Hoje, ela está interpretando duas personagens bem distintas. Uma jovem, negra e militante universitária com a qual se identifica muito (Daniele). E outra (Thamy) que é cantora sertaneja.

Embora hoje entenda que atuar é o seu papel, ainda acha que o Brasil apesar de ser um país majoritariamente negro, ainda é pouco representado por negros nas diversas escalas de profissões em produções audiovisuais, como atuação, direção etc.

Leia a seguir a entrevista com Jeniffer Dias feita por RG. 

Jeniffer, a sua carreira como atriz foi por acaso? Conte como foi essa estória que a Regina Casé te achou?

Foi uma descoberta. Quando mais nova, eu não pensava em ser atriz. Primeiro porque achava muito distante da minha realidade, e segundo porque não me sentia representada na TV, não me reconhecia ali, então na minha cabeça era um lugar em que pessoas como eu não tinham espaço. A única coisa que eu queria e pensava quando criança era que precisava de um emprego estável para viver bem. Fiz faculdade de gestão ambiental, comecei a trabalhar e decidi fazer engenharia ambiental para crescer na empresa. Uma vez a Regina Casé, que hoje é uma amiga querida, me viu em uma roda de samba em Bento Ribeiro e me chamou para fazer um teste para o seu programa, o “Esquenta”. Eu passei no teste, comecei a trabalhar com ela em 2012 e decidi trancar a faculdade. Foi uma decisão bem difícil porque, na minha cabeça, a engenharia era a garantia de um futuro tranquilo para mim e para minha família. Mas estar no programa era o que me fazia feliz, de fato, e foi a partir desse convite que vi um mundo de possibilidades, e vi que eu também poderia fazer parte daquele universo todo.

Foto: Priscila Nicheli / Styling: Samantha Szczerb / Beleza: Isadora Souza

Até então você nunca tinha estudado artes cênicas, teatro. Foi fácil seguir carreira? Quais foram as dificuldades que enfrentou?

Não. Quando tranquei a faculdade é que comecei a estudar teatro. E foi no teatro que descobri o quanto sou artista. Sempre gostei de cantar e dançar, desde pequena. Não tive muitas dificuldades no curso em si. Difícil foi conseguir entender como funcionava o universo artístico, entrar numa agência, começar a fazer testes. Mas muita coisa mudou depois que comecei criar minhas próprias coisas.

Como você vê inclusão de corpos negros no teatro, na TV e no cinema? Acredito que isso é importante para você, mesmo porque você e seu noivo, Yuri Marçal, produziram na pandemia um curta com equipe majoritariamente negra?

Vejo uma mudança, mas acho que ainda tem muito a evoluir! Sobretudo quando falamos de Brasil, um País majoritariamente preto. Quando a gente olha para as produções audiovisuais, para os espetáculos teatrais etc… O casting é desproporcional. Não só o casting, mas quem dirige, produz, a equipe, geralmente, é bem branca. Acredito que a inclusão deve caminhar com a equidade. E isso deve ser para já. Sobre o curta, o roteiro foi todo criado durante a pandemia. Foi uma maneira que encontramos de nos manter em movimento artístico. Foi um grande respiro para todos nós. E o filme fala de um jovem casal preto em suas nuances e reviravoltas típicas de um relacionamento, de maneira leve e engraçada, sem a estereotipização dos conteúdos que retratam a realidade do povo preto.

Foto: Priscila Nicheli / Styling: Samantha Szczerb / Beleza: Isadora Souza

Temos dois trabalhos fresquinhos, o filme “Barba, Cabelo e Bigode”, com direção de Rodrigo França em codireção com Leticia Prisco, roteiro de Anderson França, Marcelo Andrade e Silvio Guindane; e a série “Rensga Hits!”, da Globoplay. Conte sobre as duas personagens, qual você gostou mais de fazer e qual tem mais a ver com a sua história de vida?

São duas personagens maravilhosas, complexas e potentes. A Daniele, do filme “Barba, Cabelo e Bigode”, mora na Penha, faz faculdade e tem uma consciência social muito forte. Todo mundo quando entra na faculdade tem esse lugar de querer mostrar que está super por dentro de tudo, então ela quer mostrar que sabe identificar o machismo, que sabe que aquela comida tem agrotóxico, que não é bom comer, ela deixa bem claro que está na faculdade, então sabe do que está falando (risos). É uma personagem maravilhosa, me diverti muito fazendo. E é uma militância leve, tive várias crises de riso no set. Além de ser uma universitária militante, a Dani fica com o Julinho, um cara branco que ela leva para a comunidade dela, para o salão da mãe. Ela está apaixonada, mas disfarça, por ele ser um cara branco, meio colonizado, que está ali para pesquisar a favela e aquele universo. Quando ele é questionado pela mãe, avó e irmão dela, ela entende que aquilo ali não é legal e mesmo apaixonada, finge que não gosta dele, se incomoda e acaba fazendo uma crítica para ele se descolonizar. Acho ótimo tocar nesse assunto porque acontece muito. Nesse trabalho contracenei muito com a Solange Couto, de quem sou fã, e com o Lucas Penteado, que também admiro. Foi um prazer estar ali e o feedback da galera está sendo muito legal.

A Thamy, de “Rensga Hits”, é uma mulher potente, é difícil defini-la em uma coisa só. Ela é uma artista sensível, grandiosa, que canta desde pequena e tem uma dupla com o irmão gêmeo Theo, os “Gemeonejos”. Ela conhece bem aquele mundo, se valoriza, tem um senso de justiça muito forte, luta muito pelo que é certo, doa a quem doer. No auge da carreira, ela descobre que ganha 30% a menos do que o irmão e que ele sempre soube disso, mesmo ela sendo a voz da dupla e a pessoa que compõe. Ele dá essa punhalada nas costas dela. Ela já esperava que isso poderia acontecer, mas não pelo irmão que tanto ama. Ela vai até o fim para proteger a carreira dela e se proteger.

Sobre qual tem mais a ver com a minha história de vida, acho que a Dani, por ser uma mulher preta do subúrbio. A Thamy é do sertanejo, minha família é do samba. Temos muitas coisas em comum, mas não é o mesmo universo. Já a Dani, a família dela parece com a minha, já tive essa fase “militantezona”, que militava só para mostrar que estava militando, sem muito fundamento, no início da minha faculdade. Então a Dani tem muita coisa da Jeniffer.

Foto: Priscila Nicheli / Styling: Samantha Szczerb / Beleza: Isadora Souza

Conte sobre o Projeto 111? Quem pode participar? Como faz para conhecer mais?

O projeto 111 começou de uma vontade de movimentar os circuitos artísticos com diversidade de cultura e com experiência de troca. Ele se consolidou enquanto resistência, onde a arte é respeitada e valorizada, a partir do encontro de diversos artistas, de diversas localidades e vertentes. Nós não estipulamos um valor fixo de entrada, pois acreditamos que investe no projeto aquele que tem recurso para isso. Quem no momento não pode investir financeiramente, agrega de outras maneiras possíveis. Nós entendemos a arte como um agente transformador e até pedagógico sendo indispensável numa construção social que pretende ser inclusiva. Nosso diferencial é juntar novos artistas de dentro e de fora da periferia e induzir de alguma forma que esse encontro gere frutos. Quem quiser conhecer mais pode nos acompanhar no Instagram @centoeonze.projeto.

Tem algo novo vindo por aí? O que você pode nos adiantar sobre o ano que vem?

Tem sim. No momento estou em processo de filmagem de uma nova série, que ainda não posso falar sobre, mas já estou trabalhando.

Mais de Cultura