Beto Sargentelli é Tony em “West Side Story” – Foto: Fábio Audi
O silêncio ansioso do teatro denuncia a expectativa pela nota mais importante de todo o espetáculo. E o tão aguardado Si Bemol vem justamente da boca de Beto Sargentelli, o Tony de “West Side Story”, em “Maria”, um dos solos mais famosos do consagrado musical. Em curtíssima temporada, com apresentações de terça-feira a domingo, a peça de Leonard Bernstein e Stephen Sondheim fica em cartaz no Theatro São Pedro até 7 de agosto.
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“Todo mundo que vai assistir ‘West Side Story’ espera essa nota, tem até vários desafios disso na internet, então é uma grande responsabilidade para mim, mas eu amo fazer”, diz Beto sobre o espetáculo, que é famoso por sua dificuldade vocal. A tarefa quase homérica de lidar com uma partitura tão genial quanto complicada é levada bem a sério pelo ator, que tem muita disciplina com sua voz.
Poupar o vocal sempre que possível é muito importante, ainda mais em uma temporada com apresentações de terça-feira a domingo e apenas um elenco principal, mas para Beto não é só isso. “Eu falo que estudo o Tony desde que comecei a aprender o canto mais específico para teatro musical. Então é uma coisa que a minha musculatura já vem sendo trabalhada há muitos anos para cantar”, conta ele, que não acha que o espetáculo seja para amadores, é preciso ter muita experiência.
A pluralidade vocal necessária para enveredar pelo caminho dos musicais é um grande desafio para os atores, e Beto faz questão de ressaltar isso especialmente nesta peça, em que trabalha o “legit”, técnica de canto que preserva o texto ao mesmo tempo em que permite que o ator soe de forma mais lírica. “Eu sempre falo isso para todo mundo que está começando: seja versátil, não só enquanto ator mas também vocalmente.”
Exatamente por toda essa aura especial e difícil por traz de “West Side Story”, o Tony é reconhecido como o protagonista dos protagonistas. Todo ator de teatro, musical ou não, sonha em ter a oportunidade de interpretá-lo, é quase como a consagração do artista. Ainda mais pela história ser uma versão moderna de “Romeu e Julieta”, clássico de Shakespeare que dá o tom de tragédia para o espetáculo.
“West Side Story” é o 19º musical de Beto Sargentelli – Foto : Heloísa Bortz
“É um fascínio pelo Romeu, pelo Tony, por ‘West Side Story’ que você, enquanto ator, passa a ser considerado em um lugar muito especial. Então tem um peso e uma satisfação enormes de conquistar esse papel, que já está sendo um grande divisor de águas na minha carreira”, afirma ele, que gosta de dizer que o papel mais importante sempre é o atual.
Porém, Beto não deixa de lembrar dos personagens que marcaram sua carreira de 15 anos, considerando apenas os musicais. O primeiro a realmente colocá-lo no radar do público e das produtoras foi o Lucas Beineke da “A Família Addams”, de 2012, que estreou como um sucesso absoluto. “Lá a coisa tomou uma proporção de criarem dois ou três fã-clubes nessa temporada, as pessoas começaram a falar ‘quem é esse garoto?’, foi muito marcante. Eu nunca tinha visto uma casa lotada com semanas de antecedência daquela forma”, destaca.
Logo após o galã que tentava conquista a filha dos Addams, Beto conquistou o papel de Burro em “Schrek”, chocando as pessoas com a mudança brusca. “Do nada entra um cara lá com uma orelha gigante, a roupa quente, pingando de calor, e fazendo um personagem supercômico, um trabalho vocal e de corpo totalmente diferente”, conta ele sobre como o novo personagem surpreendeu as pessoas.
Depois disso, o artista ainda passou por outros personagens que marcaram sua carreira, como o Pablo de “Mudança de Hábito”, papel pelo qual ganhou seu primeiro prêmio de Melhor Ator, pelo “Aplauso Brasil”. Além de Fred Mercury em “We Will Rock”, que foi seu primeiro protagonista absoluto.
“Mas o que definitivamente deu uma segunda virada na minha vida foi ‘Godspell’, que já é um espetáculo especial por si só, é cultuado por ter um caráter espiritual, e foi muito importante pra mim por que eu tinha acabado de perder meu pai”, lembra ele sobre como a peça foi importante para o seu luto.
Ator falou sobre a importância da versatilidade na profissão – Foto: Fábio Audi
Muito conectado à família, Beto contou que teve bastante influência dos pais e do avô para seguir carreira na arte. Como muitas crianças tímidas, o pequeno ator entrou no teatro por sugestão da mãe, que achava que seria um bom ambiente para ele se expressar. Mas a estreia veio mesmo em um comercial para a televisão, conquistado com ajuda do pai fotógrafo. “O booker na época viu fotos minhas entre as que meu pai tinha levado e marcou direto comigo. Aí eu digo até que meu pai foi sem vergonha de botar minhas fotos só para o cara me ver”, brinca.
Com tantas referências na família, as coisas acabaram sendo muito naturais para Beto, e talvez exatamente por isso ele tenha tido tanta timidez. “Eu admirava muito meus pais, todas as festas de família a gente tinha esse momento musical e tal, eu até cantava e tocava mas mais na minha, sozinho”, conta ele. Embora tenha se assustado um pouco no início, logo foi se acostumando com a vida na arte.
Há 18 anos no ramo, Beto conta que o momento de maior dúvida aconteceu na época do vestibular, ele tinha medo de seguir com uma faculdade de artes cênicas. “Lembro que eu cheguei para conversar com meu pai e ele disse: não faça o que eu fiz, siga o seu sonho. E esse incentivo foi muito importante para mim”, afirma. O pai, que também era músico e ator, acabou optando por focar na carreira como fotógrafo pensando em sua posição como provedor da família. Mas depois ele teve a oportunidade de apoiar a escolha do filho.
Com isso, ele se formou em artes cênicas no bacharelado e na licenciatura, cresceu e foi se consolidando mais no mercado até ter a grande felicidade de conversar com o pai novamente e dizer que estava na hora de ele voltar para a carreira e ir atrás do sonho dele. “Por pouco a gente não dividiu o palco também, foi por muito pouco mesmo, mas o que importa é que deu tempo dele se realizar também.”
Hoje, Beto tem sua própria produtora junto da mãe e da irmã, que acabou também se formando em cênicas, ele brinca dizendo que são quase uma quadrilha de atores. Com vários projetos, daqui para frente, o artista contou sobre a possibilidade de uma sobrevida de “West Side Story”, que tem sido muito bem recebido pela crítica e pelo público. Mas ainda que isso não aconteça, será possível ver o ator no audiovisual, nos shows fonográficos que está preparando, nas novas temporadas de “The Last Five Years” que estão sendo viabilizadas, e no “Nautopia”, que teve uma ótima repercussão e está atrás de patrocinadores para voltar.
“A gente fala que vai ter que encontrar meses no ano para fazer tudo que a gente sonha”, diz ele sobre os próximos trabalhos. De uma forma ou de outra, o público ainda terá muito de Beto Sargentelli para ver até o fim deste ano. Enquanto isso, ainda é possível vê-lo como o Tony de “West Side Story” no Theatro São Pedro.