Abordando a chacina de Vigário Geral, filme “21, Mão na Cabeça” chega ao streaming
Milhem Cortaz em cena do filme – Foto: Divulgação
Depois de sofrer um atentado a tiros e ser levado para o hospital, os destinos se cruzam e Leonardo (Roberto Bomtempo) conhece Clarissa (Prisma Da Mata), enfermeira que é uma das vítimas da chacina de Vigário Geral há exatos 29 anos. Eles descobrem a possibilidade de uma história de amor impossível, mas o destino reserva um final surpreendente.
Essa é a base da história de “21, Mão na Cabeça”, filme que retrata a chacina de Vigário Geral, que deixou 21 mortos, em 1993. Dirigido por Milton Alencar Júnior, o longa teve lançamento em 2019, e agora, em 2022, ano que o cineasta completa 70 anos, e a tragédia faz 29, entrou no streaming no catálogo do NOW.
“Tudo começou quando fomos filmar, entre os anos de 2007 e 2009, o documentário “Lembrar Pra Não Esquecer”, que tratava também da chacina. Na época encontramos pessoas ligadas aos familiares da vítima. Essas pessoas têm associação de familiares e amigos da chacina de Vigário Geral. Nos aproximamos através de Dra. Cristina Leonardo, advogada dos familiares, e depois com o hoje desembargador Muiño Piñeiro, na época promotor de Justiça. A partir desses momentos passamos a construir uma história de uma referência documental. Fomos a campo pesquisar e nos envolvemos muito com familiares, a Iracilda, uma pessoa que eu adoro de paixão, o desembargador MP, coronel Brum e Dra. Cristina Leonardo, advogada que nos aproximou desse processo. No envolvimento com a comunidade vimos que precisávamos construir mais e daí veio a ideia para o filme”, explica Alencar Júnior sobre como nasceu o longa.
O diretor Milton Alencar Jr. – Foto: Divulgação
O diretor ainda fala como aconteceu o encontro com a menina, que se tornaria personagem central do longa.
“Depois que começamos a ideia do “doc”, conhecendo alguns personagens reais daquela tragédia, conheci aquela criança que viu o acontecimento por baixo do lençol. Essa moça, que hoje deve estar com uns 35 anos, deu base à história central de “21, Mão na Cabeça. Ela viveu aquilo ali, acrescentamos alguma ficção, né, mas a ‘Clarissa’, que é um nome fictício, viveu os acontecimentos, enxergando e protegida por um lençol jogado pela avó em cima dela, mesmo assim ela conseguiu ouvir e ver tudo por um buraquinho no lençol”, lembra.
Milton ainda fala em como a ficção foi colocada no contexto de uma chacina e como ela ajudou a contar a história de tantas “Clarissas” que vivem situações parecidas até hoje no Brasil.
“A ficção nos ajudou a transformar a vida dessa moça e encontrar um desses personagens policiais, que estavam no dia do crime (na família dela morreram sete pessoas), a história se constrói a partir daí, um fato real e um sentimento doloroso que encontrei em familiares de vítimas: a impotência. A luta delas por justiça. Conheci pessoas que foram embora amarguradas, pois não conseguiram suportar a ideia de conviver com aquilo sem poder fazer nada. Essa impotência, do plano da realidade pra ficção, motivou uma reação inusitada dessa personagem.
Alencar Júnior ainda fala sobre como foi gravar o filme e retratar a tragédia em 1 hora e 22 minutos, tempo de duração do longa.
“Quando filmamos o documentário não tivemos nenhuma dificuldade, até porque tive apoio dos familiares, pessoas que moram e viveram na comunidade. No filme, a ficção, que envolvia outro tipo de tratamento, outro tipo de esquema, foi mais difícil, porque filmamos entre os anos de 2016/2017, e já estava ficando complicado fazer as filmagens no local, então tivemos que buscar alternativas, além de Vigário Geral, algumas situações, fizemos em Cabo Frio, lugares que não identificassem geograficamente onde estávamos, mas de uma realidade social muito semelhante. O templo da Igreja da Assembleia de Deus, o hospital, os bares. Fomos a Silva Jardim buscar a praça tão importante para a narrativa. Foi na praça Catole do Rocha, em Vigário Geral, que tudo começou. Fomos moldando a uma realidade que pudéssemos filmar”, ressalta.
Prisma Da Mata e Roberto Bomtempo em cena do longa – Foto: Divulgação
Em 2023, ano em que a chacina completa 30 anos, o diretor não vê muita diferença no tratamento, na verdade fala da maior brutalidade nas comunidades e com a população mais pobre.
“Infelizmente não há motivos para comemorar, nada mudou, ou melhor, mudou, mas para pior. O que resta é apenas lembrar e não esquecer de todo o sofrimento, dor, crueldade e banalização da violência. A chacina de Vigário Geral inaugurou um ciclo de reação enorme: o Viva Rio, o Afro Reggae, todos são construções a partir daquela situação que chegou a um extremo. As reações foram imediatas e a gente conseguiu se defender. De alguma forma existe a possibilidade de ter sido feita um pouco de justiça, acusando algumas pessoas e prendendo outras. Porém com certeza nunca vai se fazer justiça de verdade, com relação aquele fato. Mas hoje as coisas estão muito piores”, finaliza.