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Felipe Ribeiro: “A misoginia, o machismo e a homofobia também estão inseridos dentro da comunidade LGBTQIA+”

Cena de “Maldivas” – Foto: Divulgação

Felipe Ribeiro que interpretou o homofóbico Fred na novela “Babilônia” vive o extremo oposto com o cabeleireiro Cauê da série “Maldivas”, que acaba de estrear na Netflix. Ele tem um romance com a estrela do axé-music Cauã, interpretado por Samuel Melo, que vive um casamento de fachada com Rayssa, papel de Sheron Menezzes. Esse triângulo amoroso é estopim para várias intrigas e chantagens que acontece dentro do fictício condomínio Maldivas, localizado na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro. Traições, morte, paixão e mistérios envolvem os moradores conduzidos pela trama central de Liz, personagem de Bruna Marquezine, que sai do interior do país atrás da mãe (Vanessa Gerbelli) desaparecida. No elenco também estão Manu Gavassi, Klebber Toledo e Carol Castro.

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Foto: Divulgação

Como você descreve seu personagem em “Maldivas”? 

O Cauê é um personagem forte e determinado. Ele tem muita clareza de quem é e o que quer na vida – e se coloca diante disso. Foi muito interessante trabalhar essas qualidades porque a gente acaba sendo encontrando novos lugares também dentro da gente. Ao mesmo tempo, ele tem questões afetivas, um sentimento de rejeição, é muito legal entender essas dicotomias do personagem. Que às vezes também uma pessoa forte demais pode mascarar seus medos de rejeição nisso. Então foi rico demais explorar isso e contar essa história de amor. Eu e o Samuel trocamos muito antes de ir pra cena, buscamos construir uma relação de muita confiança, onde os dois personagens encontrassem esse “lugar seguro” um com o outro. Cauê e Cauã têm a vontade de construir uma vida por meio do amor e da união, é lindo de contar. Na composição, eu busquei trazer mais essas dualidades do que pensar em gestos específicos, ele é maquiador e cabeleireiro, profissão extremamente detalhada e detalhista. O profissional tem que estar muito presente naquele momento e ele ainda lida com autoestima das pessoas, então é um tipo de arte.

Sua história com Dzi Croquettes ajudou?

Como eu trabalhei com o Dzi Croquetes tive experiência com a automaquiagem por dois anos, então tinha essa noção de minúcias e busquei trazer o que aprendi nessa experiência para o personagem. Numa série é tudo mais condensado, você às vezes precisa marcar muito um personagem de primeira, então em visagismo entendemos que ele tinha um cabelo impecavelmente “despojado” e usava sempre camisas com um tecido mais leve. Eu emprestei algumas joias minhas e duas botas, a Ellen Millet (figurinista) me deixou extremamente à vontade para essa composição, eu trouxe mil referências diferentes, coloquei um pouco do que eu gostava e a gente ficou muito feliz.

Depois de ter vivido um rapaz homofóbico em “Babilônia”, como é ir para o extremo oposto na ficção?

É delicioso, porque quando você cria um personagem com preconceitos, você cria uma persona com limitações. Então o personagem é mais rígido, tem que ter um limite no gesto, no corpo, na voz. O preconceito tem essa coisa de estabelecer muros, de estar sempre num modo “fuga” daquilo que você julga não ser “bom”. Criar o Cauê foi um convite à fluidez, à leveza de existir em plenitude, porque ele não tem medo de ser e se expressar. E trabalhar o feminino. Eu costumo dizer quando falo do processo do Cauê é que eu trabalhei a feminilidade e estudei os felinos (risos). Ele é ferino, ácido.

Felipe Ribeiro – Foto: Julia Rodrigues

Junho é o mês de luta contra a homofobia em todo o mundo. Que lições as pessoas precisam aprender com urgência?

Eu acho incrível e necessário que esse movimento exista em nível mundial. Infelizmente, ainda estamos discutindo por direitos iguais em diversos aspectos. Mas a maior lição que a luta contra homofobia pode dar para gente é que nesse momento, todo e qualquer tipo de preconceito é prejudicial para o desenvolvimento humano da sociedade. Quando eu comecei a construir o Cauê tracei um pouco os episódios de homofobia que ele poderia ter sofrido ao longo da vida. Como pode ter sido o desenvolvimento dele até ele chegar a ser o artista que é? Em que caixas ele teve que entrar? Ou será que ele foi chutando as estruturas desde sempre? Ele luta para ser visto, assumido, ele luta por amor, mas é também para que aquele amor valorize ele do jeito que ele é – e que haja uma recíproca. A misoginia, o machismo e a homofobia também estão inseridos dentro da comunidade LGBTQIA+ e isso é uma reprodução de comportamento. O processo é árduo, mas sinto que há também uma necessidade de aprofundamento, novos conceitos. Existem algumas contas de pensadores queers muito interessantes (@aliprando.exe) que trazem esse olhar mais aprofundado. Sexualidade é um espectro muito amplo. O desejo é algo que vem existindo enquanto objeto de consumo. E não é sobre isso. Sinto que a tecnologia avança e isso está tornando todo mundo menos humano. Necessidades básicas, contatos com instintos. O instinto acaba só existindo enquanto reação às coisas: gerando violência, briga por poder e guerra. Tudo isso é desejo reprimido (risos).

Foto: Divulgação

Por trás do ator, como é o Felipe no dia a dia? Que hobbies você tem? Como se cuida?

O Felipe é muito simples e curioso. Tenho três gatos e um cachorro, sou apaixonado pelos animais então eu sempre que posso dedico um tempo a eles, que acabaram me ensinando muito sobre responsabilidade e rotina. Sou muito rotineiro, não gosto de louça na pia e tomaria açaí todos os dias, mesmo no frio. Estar em contato com a natureza também é vital para mim, o silêncio tem o mesmo peso. Com a criação e a escrita eu passo tarde e início da noite sentado na frente do computador e deixo vir. Preciso fazer exercícios todos os dias porque minha cabeça é muito ativa, então preciso dar conta também fisicamente. O Felipe se cobrou muito durante muitos anos, está tentando ser um companheiro melhor pra si mesmo. Isso é uma grande dose de autocuidado. Tenho dividido meu tempo de forma que não perca muito com conteúdos que não contribuem para o meu crescimento. Não como uma alienação, mas como uma escolha. E naquilo que eu consigo fazer algo para mudar, eu me entrego. A arte tem disso. Adoro estar com os meus amigos, tomar um vinho, um drink, poder trocar e testemunhar o crescimento do outro é algo que me nutre muito também. E, obviamente, ver filmes, séries, peças de teatro e boas exposições. Mas no geral eu sou bem tranquilo.

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