“Muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe pouco ou nenhum amor”. A impactante frase de bell hooks é parte da inspiração e reflexão que ecoaram em Tati Villela e levaram a multiartista a escrever seu primeiro texto teatral, “Amor e Outras Revoluções”, que estreia dia 16 de junho, às 20h, no mezanino do Sesc Copacabana. Dividindo a cena com Mariana Nunes, com direção de movimento assinada por Camila Rocha e direção de Wallace Lino, Tati teve sua ideia aprovada e a montagem contemplada pelo Edital Sesc RJ de Cultura 2022, proporcionando uma experiência que envolve teatro, audiovisual, performance e música para expor camadas de afetos, sociais, econômicas e psíquicas do que é amar uma mulher negra sendo outra mulher negra nos dias de hoje.
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Em cena, duas mulheres negras ao se casarem expõem seu amor, inquietações e conflitos em torno de suas subjetividades e trajetórias de suas experiências afetivas. O tema ainda pouco abordado nos palcos brasileiros provoca a reflexão do público sobre quais são os obstáculos que esse amor encontra na sociedade diante das interferências do racismo e da homofobia, e como essas imbricações reverberam drasticamente na construção da relação entre essas duas mulheres, que carregam consigo o que poderíamos chamar de profundos cortes na carne ao longo da história da construção do Brasil.
“Precisamos falar de amor entre pessoas negras, sobretudo na sociedade brasileira, onde a todo momento presenciamos as consequências do racismo estrutural vigente no nosso sistema. Nós, negros, estamos aperfeiçoando a capacidade de nos amar, de amar o nosso espelho, o nosso reflexo. A falta de amor experienciada por mulheres negras historicamente e a oportunidade de pôr o amor entre duas mulheres negras como tema central de um trabalho é a grande motivação. Sabemos que a produção de novos imaginários é cada vez mais importante para a evolução da nossa sociedade como um todo”, aposta Tati, ganhadora do Troféu Redentor na categoria Melhor Atriz na 23ª edição do Festival do Rio.
A narrativa brinca com o cotidiano, com os sonhos e os desejos mais ocultos destas mulheres. “Verdades sobre o amor que raramente são ditas tomam o centro da cena. O drama faz um híbrido com a comédia para que a vida não seja tão amarga. A não objetificação e a não hipersexualização desses corpos é levada a sério. A peça aponta e exibe em suas cenas as subjetividades destas mulheres que têm semelhanças, mas não são iguais. Mulheres negras são múltiplas e possuem suas individualidades. O trabalho leva ao público inquietações, mas também leva flores”, diz Tati.
Retornando aos palcos após um hiato de alguns anos, Mariana vive na pele de Luzia, sua personagem, muitas contradições, inquietações e complexidades. “Era isso que eu estava procurando. Quando li o texto, eu disse à Tati que essa peça deveria ser montada, pois ela preenche uma lacuna enorme de imagens, situações e narrativas tão raras e tão caras para as mulheres negras. É uma grande oportunidade de realizar um desejo antigo meu. Eu precisava falar de amor e a Tati me apresentou essa oportunidade. O amor entre pessoas pretas, em geral, não é ofertado da mesma forma romântica como ele aparece nas narrativas de personagens brancos. Tenho muita sorte”, comemora a atriz, para quem o amor entre duas mulheres negras é algo revolucionário.
“Este tipo de amor nos ajuda a enxergar a potência do amor por nós mesmas, porque muitas de nós fomos ensinadas a odiar tudo e a qualquer coisa que se parecesse conosco. Amar outra mulher negra é fortalecer seu amor próprio também. Por vezes divertida, mas também profunda e poética, a montagem passa por várias nuances que, embora seja um texto ficcional, também são vividas na realidade de mulheres pretas que vivem uma relação amorosa”, analisa Mariana.
“O amor e o respeito ao outro é a grande mensagem do espetáculo. Como essas mulheres conseguem se amar por completo? E porque muitas vezes elas não conseguem nem se deixar amar? Precisamos saber que somos possíveis, que nosso amor é real, futurista e ancestral. É ontem, hoje e amanhã. É espiralar, é Exu. Precisamos enxergar o mundo a partir das nossas perspectivas. A revolução acontece quando você se prioriza, quando não nega seus sentimentos em detrimento do olhar do outro”, reforça Tati.
A autora se propôs a escrever o texto quando se atentou sobre a possibilidade de trazer numa obra sua linguagem de escrita e de pensar. “No meu primeiro livro, ‘Pretamorfose’ (Editora NUA), eu já me propunha a falar de amor e vi que só ele foi muito pouco. Eu precisava de mais! Falar de amor é sempre necessário e, como diz bell hooks, ‘quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos; é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura’. E a nossa sociedade sem amor está adoecendo. Espero tocar o coração de quem quer e de quem precisa”, encerra Tati.