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Jorge Neto leva a cultura preta para as telas e para a música

Foto: Divulgação

Nascido em Umuarama, noroeste do Paraná, Jorge Neto, de 31 anos, teve boa parte da sua infância em um sítio do mesmo município, mas aos 12 anos se mudou com a família para Lisboa, em Portugal, onde se apaixonou ainda mais pela arte. Graduado pela Escola Superior de Teatro e Cinema, o ator e cantor já participou de musicais como “High School Musical On Stage!”, “O Rei Leão” e “S’imbora, o Musical – A História de Wilson Simonal”. Além disso, está escalado para produções audiovisuais brasileiras como a recém-lançada “Lov3”, do Prime Video, e “Pico da Neblina”, da HBO, que estreia neste segundo semestre.

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Neto, que por um tempo se dedicou a curta-metragens de baixo orçamento para enriquecer o portfólio e ganhar experiência no cinema, hoje está presente em grandes produções cinematográficas brasileiras e com coprodução internacional, como é o caso de “The Seven Sorrows of Mary”, filme dirigido por Pedro Varela. “Às vezes eu nem recebia, só para ter material para entrar no cinema. Acredito que se hoje eu estou fazendo séries e participando de grandes filmes, foi por conta desse investimento em aprender a linguagem do cinema, não somente na universidade, mas na prática também, por estar envolvido com projetos independentes e produções de baixo orçamento”, conta.

Atualmente, tem em seu portfólio aclamados diretores como Fernando Meirelles, André Novais, Juliana Rojas e Matheus Parizzi com “Primeiro Ato”, curta-metragem que estreou na Tiger Short Competition – Festival Internacional de Cinema de Roterdã. Neto também participou de espetáculos premiados como “Moçambique”, da companhia Mala Voadora, com Isabél Zuaa e Welket Bungué; “Life and Times – Episode 2”, com a companhia nova-iorquina Nature Theater of Oklahoma. E estreou em 2019 como roteirista e diretor no projeto visual “Derreter – Ojo”, em uma parceria com Flora Dias.

Transitando entre o universo musical e as artes cênicas, Neto tem como principais influências Michaela Coel, da série “I May Destroy You”, Childish Gambino, da série “Atlanta”, o diretor dos longas “Shame” e de “Doze Anos de Escravidão”, Steve McQueen, além dos brasileiros André Novais, Grace Passô e a equipe da produtora brasileira Filmes de Plástico, como Gabriel Martins e Maurilio Martins. Já na música os destaques ficam para Caetano Veloso e Gilberto Gil, com quem o artista teve o prazer de trabalhar em conjunto no musical “O Rei Leão”, e as internacionais Erykah Badu, Maria João, cantora portuguesa de jazz, Sara Tavares, H.E.R e Rihanna.

Foto: Divulgação

Neto levou um papo com RG em que fala de carreira, projetos e sobre a presença de atores negros no audiovisual, além da importância de um discurso antirracista. Leia a seguir.

Conte sobre sua família. Pai, mãe, infância.

Nasci em Umuarama, noroeste do Paraná, perto do Paraguai. Cresci com meus pais, a gente viveu num sítio durante os meus primeiros anos de vida, e depois a gente foi pra cidade quando eu precisei ir para a escola. A relação com o campo nunca ficou distante, porque sempre tive um primo e um tio que continuaram vivendo no sítio.

Quais são suas principais influências na arte?

Sem dúvida é o diretor Steve McQueen, que fez o filme “Shame”, “12 Anos de Escravidão”, o Christopher Nolan, que fez alguns filmes que eu gosto bastante, o “Interinstelar” é um deles. E na música a Erykah Badu, a própria Rihanna, que tem uma trajetória incrível como empresária e cantora, Caetano Veloso, Gilberto Gil, com quem tive a oportunidade de trabalhar no espetáculo “O Rei Leão”, da Broadway, e hoje quem me influencia é a Liniker, a Linn da Quebrada, a Lina

Como começou sua carreira de ator?

Comecei minha carreira como ator em Lisboa, eu estava estudando no Ensino Médio, e na minha escola tinha aula de teatro extracurricular. A gente fazia clássicos, como Tchecov, “O Urso” e “Platonov”. Interpretei “O Urso”, interpretei o “Platonov”. E aí participei de um concurso de televisão em Portugal, chamado “Curto Circuito”, era um concurso de karaokê, e lá o apresentador Bruno Nogueira me falou que eu deveria seguir essa carreira, e acho que ele tava falando sobre ser apresentador, mas ele também é ator, então entendi que o conselho seria para seguir carreira como artista. E ouvir alguém falando isso deixa mais visível que você está no caminho certo. Então comecei a fazer testes para novela, mas não passei em novela, aí entrei em um musical, depois fui para a faculdade de teatro e cinema, e fiz intercâmbio do Brasil e continuei trabalhando. Meu primeiro trabalho foi com a Disney, no “High School Music”, foi um espetáculo em Lisboa, e a gente acabou indo representar Portugal na Disney Paris. Essa fase foi bem interessante, eu ainda era menor de idade e meus pais pediram autorização do juiz para que eu pudesse trabalhar.

E de cantor?

De cantor, por incrível que pareça, foi antes de trabalhar como ator. Comecei na igreja muito cedo, cantando salmo e participando dos coros na Igreja Católica em Umuarama. Quando eu vim a Portugal participei desse concurso na televisão e comecei a fazer sempre projetos híbridos que tinham música. Então, comecei a fazer muitos musicais, fiz “O Rei Leão”, projeto com o Gilberto Gil em que eu atuava e cantava, fiz a história com “Wilson Simonal”, no Rio de Janeiro, com o Pedro Brício e Ícaro Silva, e só aos 27 anos que eu realmente lancei um single que se chama “Derreter”, disponível em todas as plataformas, e coloquei o nome do projeto como projeto “Ojo”.

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Você compõe também? Toca algum instrumento?

Sim, esse projeto “Ojo” são composições que eu já tinha feito antes, algumas há muitos anos, e eu fico revisitando esse material, entendendo qual é o melhor para avançar, ou tenho ideias muito mais frescas e novas, como em “Derreter”, em que eu pensei na música e já fui logo gravar. Algumas não, estão guardadas e vão ser revisitadas. Eu não toco, eu fiz aula de piano, então consigo acompanhar, perceber as notas pelo piano, mas não me considero um pianista, e fiz algumas aulas de percussão para alguns espetáculos, então tenho alguma facilidade com percussão, já toquei baixo também, mas não me aventurei em tocar algum desses instrumentos em shows. Toco só para encenar, para guiar a cena, ou me guiar em notas e eu não sair do tom.

Quais são seus próximos projetos?

Eu estou focado em fazer o lançamento desses trabalhos musicais, meus próximos projetos nesse momento são a estreia de uma peça e mais dois filmes nos próximos meses e esse ano terão estreias importantes. Estreei “LOV3”, na Amazon Prime, nos próximos meses vai estrear na HBO a série “Pico da Neblina”, que por favor acompanhem, foi um projeto muito gostoso de fazer, tem atores incríveis, maravilhosos, e é sobre a legalização da maconha, sobre como seria o Brasil, especificamente São Paulo, se a maconha fosse legalizada. É um projeto muito legal do Kiko Meirelles, tem direção do Fernando Meirelles e do maravilhoso André Novais, da produtora Filmes de Plástico, que é um diretor muito legal de se trabalhar, então assistam o “Pico da Neblina”. Vai estrear também o filme “Casa Isabel” em um festival que eu não posso falar o nome ainda. É o primeiro longa-metragem que eu protagonizo, então foi um trabalho muito, muito, muito prazeroso de fazer. Tem um elenco maravilhoso, incluindo o Luís Melo, com atores com muita experiência no teatro e alguns com muita experiência no cinema, e acho que isso foi a chave pro filme ficar tão legal. “Casa Isabel” é do diretor Gil Baroni. E ainda tem o monólogo que vai sair no Sesc Paulista a partir de agosto e é um babado.

Você tem convite para a TV aberta?

Recebi sim um convite para TV aberta, mas não posso falar ainda sobre. É um projeto que está em desenvolvimento, não é para agora.

Teatro, quais são os próximos trabalhos?

Meu próximo projeto em teatro acontece agora, inclusive eu estou ensaiando. É um monólogo maravilhoso, supercomplexo, mas estou me divertindo muito no processo. O texto é do Rodrigo Garcia, a produção é feita pelo Chico Lima e tem o Carlos Canhameiro como diretor. Será no Sesc Av. Paulista em agosto, e se chama “Agamenon – Voltei do Supermercado e Dei Uma Surra no Meu Filho”. Vai ser um monólogo de 12 horas feito por diferentes atores e eu estarei lá, os horários estarão disponíveis em breve. Quem quiser assistir, por favor assista.

Fale sobre seus singles “Dubitável” e “Destino”, como são as músicas?

“Dubitável” é uma música que eu compus há uns cinco anos, é romântica e conta como eu vivi esse romance. Eu rodei parte do videoclipe em Portugal e a outra metade do videoclipe no Brasil, agora a gente tá em produção e pós-produção. Já o single “Destino”, eu estou trabalhando em estúdio ainda, o videoclipe vai ser filmado no Brasil. O “Destino” é um caminho de distorção do que projetamos, do que é nos colocado como destino. Esse é um projeto bem legal e estou tentando desenvolver com alguns músicos de jazz. Tem sido divertido de fazer.

Pretende lançar um álbum? Se sim, de que estilo?

Pretendo sim lançar um álbum, e o estilo estará entre a música eletrônica e o jazz e se aproximando da música popular brasileira, principalmente nas letras. É um projeto bastante híbrido.

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Como cuida do corpo? 

Eu fico tentando fazer coisas que eu sinta prazer e que eu me divirta fazendo. Teve uma fase em que eu estava na academia, aí enjoei, saí da academia, depois fiz capoeira durante um tempo, aí me mudei para a praia e comecei a fazer surfe e muitas trilhas. Agora que estou em São Paulo de novo, comecei a fazer natação. Eu fico tentando mudar a minha rotina para eu continuar tendo empolgação em me movimentar. Principalmente na pandemia, foi o momento que eu entendi que eu tinha uma rotina física que me mantinha e eu não notava, porque era muito natural fazê-la. Mas na pandemia eu entendi que se eu não tivesse algum esporte sendo feito enquanto eu praticava a atuação, o meu corpo reclamava. Então eu tenho feito sempre algum esporte paralelo que deixa a minha mente e meu corpo organizados e calmos.

Cozinha? Tem algo que não come?

Eu cozinho muito mal. Eu não como camarão porque sou alérgico e tenho diminuído muito a quantidade de carne. Quando digo carne, incluo tudo que é de carne, inclusive peixe. Mas eu amo sushi, então é uma coisa que eu estou com mais dificuldade de diminuir. De qualquer forma pretendo passar uma fase sendo vegetariano no próximo ano. Estamos no caminho.

O que tem ouvido e assistido?

Eu reassisti “I May Destroy You”, da Michaela Coel, e estou ansioso para ver a nova temporada de “Atlanta”, do Childish Gambino. Também recentemente revi o filme “Temporada”, do diretor André Novais, com quem eu estava trabalhando, e é um trabalho incrível que tem como protagonista uma das grandes atrizes e diretoras do Brasil, a Grace Passô, que inclusive está trabalhando maravilhosamente bem como diretora, e tudo que sai dela eu tento ver.

Como lida com as redes sociais?

Eu tento fugir das redes sociais, estou usando mais para me comunicar com alguns amigos, já que o acesso fica mais fácil pelas redes do que por email. E pontualmente posto sobre trabalho, alguns encontros com pessoas, ou informação que eu acho que tem que ser repassada. Mas estou dando uma afastada, acho que se eu voltar com força para as redes sociais vou precisar de um acompanhamento, porque é realmente um lugar onde se gasta muita energia.

Na sua opinião, qual a importância do discurso antirracista nas redes sociais?

É muito importante o discurso antirracista nas redes sociais, mas acho que não é só nas redes sociais que ele tem que ser importante, acho que mais do que nas redes sociais, ele tem que ser feito na prática, hoje, aqui. O que eu estou fazendo para que exista menos racismo? O que eu estou fazendo para solucionar o que está visível e dramático em relação ao racismo? Que mudança que eu posso fazer agora no ambiente de trabalho, nos contratos que eu assino, com que pessoas eu decido compartilhar ou trocar informações? Como eu faço isso? Com quem eu faço isso? É importante que esteja nas redes sociais, mas é importante que essa pergunta: “O que eu posso fazer para diminuir o racismo?” esteja presente no local de trabalho, em casa, nas festas, em qualquer lugar.

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Acha que os atores pretos ainda têm dificuldade para serem inseridos em trabalhos no audiovisual?

Sim, eu acredito que ainda estamos bem no início de uma possível mudança, porque não se tem ainda tantos roteiros com protagonistas negros. Não tem tantos roteiristas negros contratados para que os textos sejam de fato antirracistas, então acabamos tendo mais clichês e uma visão deturpada de personagens. Tem raras exceções de autores brancos que conseguem fazer um bom trabalho em relação a isso, mas ainda é bem escasso. Existe uma abertura, mas ainda acho que essa abertura é pequena para a quantidade de talentos que o Brasil e o mundo têm em relação a atores. E o Brasil tem. Tem atores de teatro, tem atores de cinema, mas esses atores não têm oportunidade de fazer os trabalhos, não tem papel sequer para eles. E é muito interessante ver essa diversidade de atores, de que cada ator tem a sua individualidade. A sensação que eu tenho é que os projetos acabam colocando os atores pretos e os atores trans cada um em um pacote, como se os trabalhos entre eles fossem muito parecidos. Quase como um token para os projetos. E aí fica muito raso, mas quando começar a existir esse aprofundamento das questões, e derem camadas e subjetividades a esses personagens, ficará cada vez melhor. Os produtos vão ser melhor recebidos pelo público e pela crítica. Acho que a mudança vai acontecer e quem não aceitar isso vai ficar pra trás. Então, vamos que vamos!

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