Para festejar seus 30 anos, a Cia. Razões Inversas escolheu o texto “O Fazedor de Teatro”, do autor austríaco Thomas Bernhard (1931-1989), que explora a metalinguagem para prestar uma homenagem ao fazer teatral. O espetáculo, dirigido por Marcio Aurelio e traduzido por Samir Signeu, estreia no dia 17 de maio no Galpão do Sesc Pompeia, onde fica em cartaz até 10 de junho, com apresentações de terça a sexta-feira, às 20h.
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O elenco traz Paulo Marcello, Lilian Alves, Eduardo Santos e Gabriela Marques, além dos atores convidados Zédú Neves e Ana Souto, que já integraram a companhia anteriormente.
Escrito em 1984, “O Fazedor de Teatro” tem no próprio teatro o paradigma do absurdo da existência humana. Um teatro – leia-se a vida – que falha não só perante as condições exteriores de um mundo adverso, mas também perante os fantasmas, a prepotência e as fraquezas dos protagonistas e da própria sociedade. Assim, temos o teatro como o microcosmo da sociedade.
Na trama, Bruscon está em viagem com a peça A Roda da História, que ele escreveu, dirigiu e protagoniza. A trupe, formada pela esposa e os dois filhos desse “grande” ator do teatro nacional alemão, chega a um pequeno vilarejo da Áustria, chamado Utzbach, para se apresentar em um salão de baile de uma estalagem decadente.
O calor, a sujeira, a falta de recursos, além do cheiro insuportável de chiqueiro e da fábrica de chouriço, completam a cena de desolação frente ao pequeno vilarejo com seus 280 habitantes embrutecidos. Para piorar a situação, os artistas precisam da autorização do chefe dos bombeiros para que a luz de emergência fique apagada durante cinco minutos, condição essencial para a perfeita realização do espetáculo.
“Bruscon é um cara super egóico, que fala de si o tempo todo. Mas ele é totalmente apaixonado pelo teatro. Enquanto ele imagina esse mundo maravilhoso da arte, está diante da realidade de um lugar horrível, onde ninguém liga para o que ele faz. E, ao mesmo tempo que tem esse ego gigante, vai revelando toda a sua fragilidade, o medo de entrar em cena, a sua insegurança – daí essa necessidade de autoafirmação o tempo todo”, comenta Marcello, que comemora 40 anos de palco neste trabalho, sobre seu personagem.
Para o intérprete, o texto cria uma reflexão importante sobre a arte que cabe perfeitamente ao contexto brasileiro. “Thomas Bernhard cresceu na Áustria, mas odiava o país. Ele dizia que esse era um lugar atrasado, de pessoas ignorantes e nazistas, de xenofobia e desprezo pela arte – tanto que quando ele era vivo proibiu que seus textos fossem encenados lá. E, de certa forma, vivemos no Brasil um momento um pouco parecido, de desvalorização da arte”, acrescenta.
A Cia. Razões Inversas flertava com a montagem desse texto havia bastante tempo, conta o diretor Aurelio. “Conheci o texto com o Abujamra e fiquei encantado. Estávamos só esperando o momento mais propício para montá-lo e isso calhou muito bem com os 30 anos da companhia. O espaço do Sesc Pompeia também foi muito apropriado para receber a montagem, porque ele é todo feito em paredes de tijolo. E queremos retratar uma cidade sem acabamento nesse lugar, como um reflexo para a sociedade, que também não tem acabamentos.”
Além dos 30 anos da Razões Inversas, “O Fazedor de Teatro” comemora os 40 anos de teatro de Marcello, que foi um dos cofundadores da companhia, montada por alunos formados pela primeira turma da graduação em teatro da Unicamp. “Para mim, este é um trabalho muito especial e desafiador, ainda mais porque o último ano foi de recuperação de um câncer na garganta. Depois de fazer cirurgias e radioterapia, é um uma vitória particular realizar um texto de quase duas horas de duração”, relata o ator.
Sesc Pompeia – Galpão – Rua Clélia, 93, Água Branca, São Paulo.