A composição é um assunto caro ao artista Nelson Felix, um dos mais relevantes nomes da cena de arte contemporânea. O tema surgiu em suas reflexões no meio da década de 1980, quando pairava olhos críticos, incômodos, sobre a questão da composição na arte. O pensamento expandiu para além da composição matérica, passando pelo tempo e espaço, e começou a tomar forma com o trabalho “Grafite” (1985-1988), uma obra que, segundo o artista, “possibilitou a construção de obras com espaços diversos”. Em “Carta de Amor”, sua nova individual na Galeria Millan, exibida entre 28 de abril e 27 de maio, espelha parte disto e soma com a pesquisa de Felix acerca das cosmografias.
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“Carta de Amor é um trabalho que espelha ‘Grafite’ (1985-1988). Aglomerados de locais, assim como as árias, blocos musicais que se somam nas óperas”, afirma Felix. “Em ‘Grafite’, duas hastes são posicionadas com procedimentos diferentes: uma alinhada ao eixo do sol, no momento em que o trabalho é instalado. Essa posição alude a uma colocação ‘perfeita’, pois é a referência no sistema solar e em torno de que tudo gira e gravita – a tal ponto precisa, que todo o resto pode ser considerado torto. Como a disposição da peça é definida a priori, anterior mesmo à escolha do espaço expositivo, ignora a possibilidade de composição com ele. A outra peça, propositalmente, tem a sua posição escolhida por mim”, complementa.
A exposição divide-se em dois segmentos. Nos três espaços da Millan – antessala, sala principal e sala do segundo piso – um único trabalho se interliga, por vezes fisicamente, em outras formalmente. Numa estrutura de tempo sequencial semelhante a dos planos cinematográficos – ora complementando, ora contradizendo.
Na sala principal, Felix apresenta uma instalação de título homônimo à mostra que consiste em peças de mármore de Carrara, cabos de aço e um elemento vegetal (rosa). “Uma haste de mármore é colocada verticalmente na arquitetura, portanto ‘perfeita’ com ela. E agora busca-se, não mais no espaço, mas sim no tempo, o momento em que esta haste formará uma cruz com o eixo do sol. O que, antes, em ‘Grafite’, era alinhado, em ‘Carta de Amor’, é transversal. Apesar da evidente verticalidade (pendular até) da escultura, é na realidade, horizontal no nosso sistema solar”, explica o artista.
No segundo segmento, Felix forma um acervo com duas novas esculturas – uma delas, de grande escala – e dois desenhos. Juntam-se a essas obras uma seleção de trabalhos de outros quatro artistas do corpo representado pela Millan, selecionados por Felix para compor a exposição: Mira Schendel, Artur Barrio, Paulo Pasta e David Almeida. “Foi uma escolha orgânica, são artistas por quem tenho grande admiração e me sinto espelhado neles”, finaliza Felix.
Galeria Millan – Rua Fradique Coutinho, 1.360, Pinheiros, São Paulo.