“Ay, Carmela!”, texto do dramaturgo espanhol José Sanchis Sinisterra, traz a Guerra Civil Espanhola como o pano de fundo para contar a história de dois comediantes que vivem em situação de miséria estimulada pelo autoritarismo e repressão de um governo fascista que está no poder. Escrita como uma celebração à preservação da memória e um pedido para que artistas registrem as violências de seus tempos, uma montagem dirigida por Lavínia Pannunzio e interpretada por Flávia Couto e Paulo Williams estreia dia 28 de abril, às 19h, no Teatro Sérgio Cardoso, Em São Paulo.
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Na peça, Carmela e Paulino são artistas de variedades que percorrem o interior da Espanha a fim de apresentar seus números, mas são surpreendidos pela zona nacionalista dominada pelos fascistas. Carmela aparece em cena já depois de ter morrido, fuzilada pelos fascistas. Paulino está vivo, mas como discute o autor, há muitas maneiras de se estar vivo e muitas maneiras de se estar morto. “Além dos dois personagens em cena, há um outro personagem fundamental na peça, o apagamento. Ele tenta se impor sempre e é por isso que é tão importante preservar a memória. É uma forma de evitar que algumas atrocidades aconteçam novamente. É preciso filmar, falar, pintar, cantar com muita violência e intensidade sobre toda vivência traumática gerada pelo fascismo em qualquer lugar do mundo”, enfatiza Lavínia.
No espetáculo, uma forte influência clownesca dá o tom das interpretações e faz com que a peça se alterna entre o trágico e o cômico. A obra original, que estreou em 1987, remetia aos 50 anos da Guerra Civil Espanhola e Sinisterra a escreveu como forma de questionar a Lei da Verdade – um processo que liberou tiranos e algozes de suas responsabilidades em relação aos abusos cometidos no período.
O texto também reverbera muito a obra de Samuel Beckett, o que traz para a cena algumas alusões de “Esperando Godot”, uma das obras-primas do dramaturgo irlandês. No enredo, Carmela entra em cena morta e dialoga com Paulino, que enfrenta uma enorme desolação por estar vivendo um regime comandado pelos seus inimigos e tendo que cumprir, com sua arte, papéis que não lhe cabem. A obra busca reforçar o papel da arte como uma estratégia de sobrevivência e dignidade mesmo em momentos terríveis da história.
“Ay, Carmela!” tem trilha assinada por Hedra Rockenbach, que cria um ambiente sonoro para os encontros entre Carmela e Paulino, conferindo um tom fantástico para as cenas que trazem essa fricção entre morte e vida. Wagner Antônio, que faz a iluminação, cria diferentes camadas de luz para reforçar os momentos em que Carmela e Paulino interpretam uma peça dentro do próprio espetáculo, em números voltados a uma plateia fascista.
O cenário criado por Chris Aizner traz uma síntese clownesca que propõe certa leveza mesmo em um ambiente erguido sobre os corpos dos mortos, com a presença da guerra se impondo no espaço. Já a figurinista Maria D’Cajas, muito ligada à cultura espanhola, trouxe peças recuperadas do período da Guerra Civil e as recriou artesanalmente.
“Em um momento da peça, Carmela fala a Paulino que os mortos estão trabalhando para não deixar que as coisas se apaguem, e essa é uma mensagem muito oportuna, infelizmente, para os nossos tempos. O mundo ainda não aprendeu com suas grandes guerras e regimes totalitários”, finaliza a diretora.
Teatro Sérgio Cardoso – Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista, São Paulo.