Taís Araújo e Alfred Enoch fazem casal em “Medida Provisória” – Foto: Mariana Vianna
Em uma distopia que parece mais próxima do que nunca, Lázaro Ramos apresenta “Medida Provisória”, seu primeiro longa de ficção que estreia nos cinemas nesta quinta-feira (14.04). Com um elenco de peso, o filme tem Taís Araújo, Alfred Enoch e Seu Jorge como protagonistas, e ainda conta com outros 77 atores, entre os quais estão Adriana Esteves, Renata Sorrah, Mariana Xavier, Emicida, Flávio Bauraqui e Paulo Chun.
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Produzido como um alerta, “Medida Provisória” questiona o tempo todo a forma como a sociedade relativiza discursos agressivos e absurdos. Ao tratar certas falas como levianas, abre-se espaço para que elas ganhem mais força, ao invés de ceifá-las desde o início. “Como é que a gente riu disso? Como que deixamos chegar a esse ponto?”, diz o personagem de Seu Jorge em determinado momento do filme.
De acordo com o diretor, o longa tem algumas referências tiradas da realidade, mas ele é uma distopia assim como tantas outras obras do audiovisual, a exemplo de “The Handmaid’s Tale” e “Black Mirror”. “É um texto que veio do teatro, em 2011, pensando em um futuro impossível de acontecer. Infelizmente, de lá para cá muito se assemelha a pontos da história contemporânea, e aí a ficção, mais uma vez, se confunde com a realidade”, afirma Lázaro.
Seu Jorge em “Medida Provisória” – Foto: Mariana Vianna
No enredo, o governo brasileiro cria um departamento que incentiva a ida de cidadãos negros para a África, sob o pretexto de reparação histórica. Porém, o verdadeiro objetivo do Estado fica claro com o decreto da medida provisória 1888, em referência ao ano de promulgação da Lei Áurea. A medida obriga os de melanina acentuada, como são chamados no filme, a irem para o continente africano.
A partir daí uma verdadeira caçada é iniciada, na qual todo indivíduo negro que se encontre na rua é capturado e deportado. O filme se desenrola mostrando as diferentes táticas de resistência das pessoas, como a criação dos afrobunkers, locais que aparecem cumprindo uma função parecida com a dos quilombos. Ao mesmo tempo, a obra também escancara o racismo da sociedade em falas como: “Nenhum sistema foi feito para preto, a não ser que seja para servir, eles não quiseram.”
Embora seja uma história pesada, feita para despertar diversas emoções em quem assiste, o filme também tem alguns alívios cômicos, especialmente no início. Com o tempo, a atmosfera de tensão se intensifica, e a própria narrativa parece debater isso, levantando um questionamento sobre passividade e violência. E a resposta parece vir do fato de que em uma cultura de morte, viver é desobediência civil.
O roteiro foi feito a partir da peça “Namíbia, Não!”, escrita originalmente por Aldri Anunciação, que integra o elenco do filme, em 2011. Lázaro se apaixonou pelo texto e resolveu adaptá-lo para o cinema em 2015, iniciando as gravações em 2019. Porém, a produção que estava prevista para ser lançada no Brasil logo no ano seguinte, foi adiada por conta da pandemia e da falta de apoio da Ancine.
Filme de Lázaro Ramos estreia nos cinemas nesta quinta-feira – Foto: Mariana Vianna
Além da importância da história e do elenco de peso, o filme ainda conta com uma excelente trilha sonora. A direção musical assinada por Plínio Profeta, Rincon Sapiência e Kiko de Souza trouxe importantes vozes negras para a obra, como Xênia França, Liniker e ainda, Elza Soares, com a música mais importante da narrativa, “O Que Se Cala”.
Fora do País, “Medida Provisória” fez sucesso em diversos festivais internacionais. Em 2020, o filme recebeu o troféu de melhor roteiro no Indie Memphis Film Festival, nos Estados Unidos. Já no ano passado, a produção ganhou melhor direção e melhor ator, com Alfred Enoch, tanto no Pan African Film quanto no Festival de Huelva. E no Festin Festival, de Lisboa, Lázaro ganhou o prêmio de melhor realizador.
Os espectadores brasileiros terão a oportunidade de ver o filme a partir de hoje, 14 de abril, e o diretor faz um apelo: “assistam na primeira semana”. Isso porque, a obra chega aos cinemas junto com dois blockbusters, um da saga Harry Potter e outro da Marvel, que ocupam muitas salas. Ir assistir ao filme já nos primeiros dias mostra que existe público ávido para o cinema nacional, o que ajudará a obra a ficar mais tempo em cartaz.