Still de “Mar de Dentro”, filme que estreia nesta quinta-feira – Foto: Divulgação
Mães solo representam 37% de todas as famílias brasileiras segundo o IBGE, e de acordo com um estudo da Fundação Getúlio Vargas, quase metade das mulheres no Brasil perdem o emprego em até dois anos depois de dar à luz. Em um País que trata suas mães dessa forma, debater a maternidade é uma tarefa árdua, mas que “Mar de Dentro” cumpre com maestria.
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O filme, dirigido por Dainara Toffoli, demorou anos para conseguir financiamento, falar sobre uma mãe e uma criação não idealizada parecia não chamar atenção suficiente para algumas pessoas. “A gente, a nossa sociedade capitalista, trata a maternidade como algo extremamente individual, desde o início a mãe é empurrada a ter que cuidar da criança sozinha, e não deveria ser assim”, afirma a diretora.
Além do desafio de conseguir o orçamento necessário para a produção do longa, Dainara também contou que uma das dificuldades foi entender que o filme seria mais maleável. Embora ela e Elaine Teixeira tenham passado bastante tempo se debruçando sobre o roteiro, muita coisa foi trocada ou deixada de lado no processo de filmagem. “Eu contei demais com a Mônica nesse sentido e ela foi incrível, porque o trabalho de interpretação dela era maravilhoso.”
Protagonizado por Monica Iozzi, “Mar de Dentro” conta a história de Manuela, uma mulher bem-sucedida que é surpreendida por uma gravidez não planejada. Uma série de problemas surgem a partir daí, tanto em sua vida pessoal quanto profissional, ainda assim, ela tem o bebê. E, no filme, o espectador é convidado a acompanhar esse processo da personagem e sua autodescoberta enquanto mãe.
O longa é protagonizado por Monica Iozzi e dirigido por Dainara Toffoli – Foto: Divulgação
“Gosto de falar isso: eu não sou mãe. Mas a gente como ator tem essa oportunidade maravilhosa de brincar de ser tudo”, diz Monica, que embora ainda não tenha tido filhos, tem bastante experiência com a maternidade. A atriz contou que teve muitos primos, só uma de suas tias teve 11 filhos, então para ela era muito natural trocar fralda, dar banho e até mesmo ver as dificuldades da amamentação.
Se apenas essas memórias fossem o suficiente, talvez Monica não tivesse muitos problemas neste papel, porém, o trabalho físico que ela precisou realizar também foi intenso. “Eu nunca tive essa experiência do enjoo da gravidez, de sentir os órgãos se rearranjando, do peso da barriga e o que isso muda na sua postura, no seu andar. Então tudo isso eu precisei aprender”, explica ela, que faz questão de lembrar da preparadora de elenco, Fernanda Rocha.
Mas o filme também carrega uma profundidade emocional muito grande, e são nos momentos de silêncio que isso fica mais gritante. Para além do drama do enredo, quem assiste ao longa acompanha o luto da personagem em relação a ela e ao seu corpo. “Aquela mulher que você foi, de agora em diante, vai mudar completamente. Não para melhor nem para pior, mas a mesma pessoa você não vai ser”, destaca Monica.
Para ela, que não costuma trabalhar resgatando coisas do seu passado a fim de viver a personagem, a experiência foi muito interessante e envolvente. “Acho que é uma história que tem um peso, que só de você se colocar na situação daquela mulher, a emoção que a cena tem que ter vem”, conta ela. E por mais surpreendente que possa parecer, foi justamente esse filme, que trata da maternidade como ela é e todas suas dificuldades, que fez Monica repensar sua decisão de não ter filhos.
No filme, uma mulher bem-sucedida é surpreendida com uma gravidez – Foto: Divulgação
Embora a personagem central do longa seja a Manuela, interpretada por Monica, a rede de apoio essencialmente feminina que aparece ao seu lado também é muito importante para o enredo. Afinal, quando não está sozinha, essa mãe normalmente será amparada por outras mulheres e é aí que entra um contraponto importante do filme, que mostra diferentes tipos de maternidades.
“No momento em que a Manuela está tentando se entender como mãe ela também consegue olhar melhor para o outro, e ela entende que a babá que passa a noite com seu filho também tem uma vida e uma filha própria. Eu acho muito interessante como essa ficha cai para ela, é algo tão classe-média branca”, comenta a atriz sobre a importância de mostrar isso na obra. Poder contratar outras mulheres para cuidar de seu filho enquanto ela trabalha é um privilégio que a personagem demora para entender.
A diretora concorda, e diz que ao trazer a personagem da babá, a ideia era realmente fazer uma crítica, mas o filme não é sobre a maternidade dela. “É muito fácil tirar o tema da maternidade do foco, é só colocar uma questão financeira por exemplo e a problemática vira outra. Mas eu queria fazer um filme em que nada pudesse roubar o palco da maternidade porque ela precisa realmente ser mais discutida”, afirma Dainara.
Monica Iozzi é Manuela em “Mar de Dentro” – Foto: Divulgação
Ainda segundo ela, o Brasil tem uma tradição colonialista muito forte e mesmo o cinema brasileiro tem essa pegada antropológica, de olhar para o outro através dessa visão do colonizador. “A gente precisa aprender a jogar o foco na gente e falar disso. Acho que também temos que fazer filmes que falem sobre a classe média e com a classe média”, diz a diretora.
Para Dainara, ver o filme é uma conquista de anos batalhando para contar essa história dessa forma. “É mostrar que sim, precisamos falar sobre maternidade, precisamos ter mais espaço para os temas feminino com esse olhar que é nosso. E quando eu digo nosso, incluo aqui os homens trans, que também tem experiências de maternidade.”
O filme estreia nos cinemas nesta quinta-feira (07.04), e embora nunca seja possível dizer como ele vai chegar para o público, tanto Monica quanto Dainara esperam que ele leve as pessoas a olhar para a maternidade de uma forma menos romantizada . É necessário desconstruir essa ideia de que a responsável pela criança é apenas a mãe e olhar para a maternidade de uma forma mais empática e coletiva.