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Gregório Duvivier e Vinicius Calderoni falam sobre “Sísifo”; leia entrevista

Foto: Elisa Mendes

Por Maira Tissi

Escrita por Vinicius Calderoni e encenada por Gregório Duvivier, a peça “Sísifo” reestreou em São Paulo no Teatro Sérgio Cardoso nesta sexta-feira (01.04), para curtíssima temporada. Conversamos com Calderoni e Duvivier sobre a retomada do espetáculo, os ciclos do Sísifo contemporâneo e o que poderia ser eternizado em uma sacola de plástico.

Em um sobre e desce por uma rampa e toda uma concepção da tecnologia conectada, Duviver explora memes e GIFs e diferentes personagens, vários Sísifos. “Consumimos muitas coisas por meio dos memes. Política, informação, ciência, tudo. O meme está presente nas nossas vidas, em todas as redes sociais. É difícil mesmo transpor isso para o teatro, pois não tem nada mais diferente nele do que o meme. O teatro é necessariamente analógico”, diz o ator. 

Os dois não deixam de lado a aadmiração bilateral, demonstram isso no trabalho em conjunto e nas palavras. “A peça nasce do afeto e da nossa admiração mútua. O Gregório é um dos maiores artistas da nossa geração e de todas as gerações, eu costumo dizer. Por felicidade minha, ele tinha assistido muitas peças que escrevi e se identificado muito”, diz Calderoni. “Tivemos a necessidade de nos encontrarmos. Eu gosto muito do Vinicius, a gente quis fazer uma peça para criar juntos. Tudo que eu fiz na vida foi porque eu queria encontrar alguém”, completa Duvivier.

Leia a seguir entrevista que RG fez com os artistas.

O texto da peça comenta muito sobre a digitalização do ser humano. Talvez a sina do Sísifo moderno seja subir e descer por feeds e plataformas de streaming. Para vocês, esse ciclo está mais para castigo eterno ou uma fase de aprendizado?

Duvivier – Sim, a peça fala muito sobre esse tempo que estamos, sobre essa cultura do meme, do que volta o tempo todo. A graça está na repetição. Da mesma forma, o Brasil está sempre caindo nesse ciclo de democracia e atraso. Parece que estamos presos em vários ciclos, então vimos que o mito de Sísifo traduzia muito do que sentíamos sobre o momento atual.

Calderoni – Acho que em todo castigo tem um aprendizado, em todo aprendizado tem um castigo. As coisas não são boas ou más nelas mesmas, têm a ver com as maneiras com que usamos as ferramentas disponíveis. Tenho a sensação de que o sentido final dessas tecnologias no fundo tem a ver com a narrativa que a gente permite, de que maneira a gente conduz essa narrativa. Se ficamos cegos e vivemos uma vida para responder, rodar pelo feed de redes sociais e maratonando streamings, me parece um mau uso dessas ferramentas. O jeito é encontrar de alguma forma esses equilíbrios que fazem com que as coisas possam ser uma novidade luminosa. Eu acredito que sempre há um caminho por onde as coisas possam ser mais luminosas.

Foto: Elisa Mendes

A partir da ideia de usar a linguagem dos memes como inspiração para a peça, como foi destrinchar esse formato em um texto teatral?

Duvivier – Consumimos muitas coisas por meio dos memes. Política, informação, ciência, tudo. O meme está presente nas nossas vidas, em todas as redes sociais. É difícil mesmo transpor isso para o teatro, pois não tem nada mais diferente nele do que o meme. O teatro é necessariamente analógico. Pensamos, então, no cenário como um plano de fundo, que é também personagem: uma plataforma, onde todos os memes acontecem. A repetição de subir e descer a rampa acontece a peça inteira, mas sempre com personagens diferentes. São muitos Sísifos possíveis, não é? Todos somos Sisifo de alguma forma.

Calderoni – Essa premissa dos GIFs e memes está na raiz do surgimento do texto. Estávamos escrevendo um outro projeto, um roteiro de longa-metragem, e chegamos a elaboração de uma cena, uma imagem que de vários GIFs animados humanos. Essa imagem destravou em mim essa ideia de pensar Sísifo como um GIF fundador da humanidade. Então nosso amor por essa linguagem maravilhosa, que é uma espécie de ideograma moderno, trouxe uma imagem acrescentada de um texto que gera uma faísca irônica. O choque entre duas mensagens que forma uma terceira mensagem. 

Começamos a investigar como seria transpor isso, até que chegamos nesse dispositivo de cruzar a rampa várias vezes, em vários episódios que ele retoma ao ponto inicial. Foi aí que a coisa propriamente destravou. A partir das ideias soltas, contando com esse dispositivo, fomos agrupando e fazendo uma construção quase manual dos blocos. A peça se constituiu dividida em sete movimentos.

Para a apresentação realizada durante a pandemia em formato online, tiveram algumas alterações no texto, certo? Essa nova montagem mantém ou traz novas atualizações, em especial considerando a vida pré e pós isolamento social?

Duvivier – No online tentamos criar algo novo. A peça como é precisa do palco e do público. Deixamos aquela versão apenas para quem viu naquele momento, na pandemia. Quisemos preservar essa característica do teatro, a única que conseguimos preservar, que é justamente daquilo não ser eternizado. A efemeridade foi o que tentamos preservar e ficou só para quem viu em casa na quarentena, nem nós temos essa filmagem.

Calderoni – Quando fizemos “A Montanha vai a Sísifo”, a adaptação da peça para o ambiente virtual, acrescentamos textos novos, pois sentimos que era incontornável, não dava para não falar desse contexto pandêmico muito claramente, muito francamente. Mas quando fomos retomar agora, a sensação ao se debruçar sobre o texto foi a de que estava tudo valendo, sabe? Não tinha uma referência direta à pandemia, mas a atmosfera da peça remete um pouco a um clima global beirando um certo colapso, para dizer o mínimo. Então, na verdade, as modificações que foram feitas para a apresentação on-line não se mantiveram. 

Foto: Elisa Mendes

Uma das cenas da peça se chama “A necessidade é a mãe de toda invenção”. Qual necessidade em vocês fez acontecer não só a ideia, mas toda a construção de “Sísifo”?

Duvivier – Tivemos a necessidade de nos encontrarmos. Eu gosto muito do Vinicius, a gente quis fazer uma peça para criar juntos. Tudo que eu fiz na vida foi porque eu queria encontrar alguém. O Porta dos Fundos é um encontro de amigos que queriam se ver mais e inventaram um motivo para isso. O Z.E. – Zenas Emprovisadas e o “Portátil” também eram encontros de amigos que gostavam de improvisar juntos. O que eu gosto mesmo é isso, a arte como um pretexto para se encontrar. A necessidade dessa peça é a necessidade do encontro. Agora, depois da pandemia, essa necessidade se faz ainda mais urgente. 

Calderoni – A peça nasce do afeto e da nossa admiração mútua. O Gregório é um dos maiores artistas da nossa geração e de todas as gerações, eu costumo dizer. Por felicidade minha, ele tinha assistido muitas peças que escrevi e se identificado muito. Tínhamos um mútuo desejo de fazer alguma coisa juntos. No início de 2018, começamos a nos encontrar e sentir uma necessidade existencial de significar aquele mundo e aquela torrente de angústia que estava acontecendo naquele momento. Como em todo trabalho, nos juntamos um pouco para nos salvar daquilo tudo que estava nos acontecendo e estava pesado e difícil de lidar. Então, a peça é uma elaboração de muitos medos da contemporaneidade, de muitas coisas que nos inquietam, um olhar sobre o absurdo da vida e da existência. Sobre o absurdo dos nossos dias. Ao mesmo tempo, é um um veículo para falarmos de outras coisas mais líricas também, como o amor e sua sucessão de desmoronamentos. Pareceu que muito convergia para a criação desse espetáculo, fomos ainda muito influenciados por artistas como Millor e Laerte, além do próprio livro de Camus, “O Mito de Sisifo”.

Em quais pontos vocês se encontram como criadores? E como acreditam se complementar?

Duvivier – Acho que a gente se encontra no amor pelo humor, por rir das desgraças, mas também por gostar muito da palavra. Gostar do humor que deriva da palavra, dos erros e acertos de comunicação. A gente gosta muito desse tema, dessa encruzilhada entre o humor e a poesia, onde acredito que fica o filé mignon da arte, do teatro pelo menos. Tem o dramático, o poético, o cômico, o trágico. Você vê que é uma encruzilhada que tem muita coisa, não é? Eu gosto muito desse lugar.

Calderoni – Nos encontramos, sim, no amor pelos trocadilhos, pelos memes e pelas coisas rapidamente compartilháveis no celular. Temos muito em comum no senso de humor e no modo de olhar o teatro. Como temos praticamente a mesma idade, parece que compartilhamos do mesmo universo iconográfico, semântico e afetivo. Crescemos ouvindo e vendo artistas e obras semelhantes, então a bola nunca cai nas nossas conversas. Sentimos uma afinidade que é como um ponto de encontro nosso. Além disso, o Gregório me ilumina muito com todo seu brilhantismo, com sua força de síntese. Tenho uma sensação de que nos influenciamos mutualmente.

Foto: Elisa Mendes

Considerando que ela permanecerá para muito além de nós neste mundo, qual mensagem vocês deixariam para se eternizar em uma sacola de plástico?

Duvivier – Acho que a sacola de plástico vai permanecer, sim. A gente, infelizmente não por tanto tempo. Mas eu espero que ela guarde um pouco do nosso DNA. Minha filha está roncando muito do meu lado agora, então vou falar isso. Queria eternizar esse ronquinho aqui, se fosse possível, em uma sacola de plástico.

Calderoni – A melhor resposta para essa pergunta é a cena Salto 49 – A Sacola de Hamlet, livremente inspirado na cena em que Hamlet olha para uma caveira e lamenta a efemeridade da vida. Em Sísifo, o personagem inverte essa premissa, olha para a sacola plástica e diz que quando nós formos, a sacola vai permanecer. Ele pede apenas para que não se esqueça dele. Eu diria o mesmo: Não se esqueça de nós, a humanidade.

“Sisifo” fica em cartaz em São Paulo até 17 de abril. 

Serviço

“Sísifo”, de Gregório Duvivier e Vinicius Calderoni
Teatro Sérgio Cardoso – Sala Nydia Licia – Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista, SP. Até 17 de abril.

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