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Após 20 anos, Pinky Wainer expõe suas obras em São Paulo

“Vermelhos”, de Pinky Wainer – Foto: Divulgação

Depois de 20 anos sem expor, Pinky Wainer volta à cena com um conjunto potente de trabalhos desenvolvidos durante a pandemia. São duas séries – “Mulheres Dopadas” e “A Pintora Esquecida” – que reverberam aspectos centrais da produção da artista e serão mostradas a partir de 26 de março na Lanterna Mágica, espaço dedicado à experimentação recém-inaugurado em Higienópolis. Além da centralidade da figura feminina e de uma profunda necessidade de experimentar, ampliar limites técnicos e compositivos, a artista propõe um mergulho íntimo na vivência angustiante do confinamento. Diante de um ambiente opressivo e amedrontador, ela nos propõe obras com uma carga dramática intensificada. “É meu trabalho mais íntimo, mais particular”, explica.

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Na falta de um termo preciso para definir essas obras, Pinky segue chamando-as de aquarelas, apesar das muitas camadas de experimentação que contêm. Rasgos, colagens, combinação de materiais e texturas, experimentação de pigmentos alternativos como o café (usado também por Rodin), apropriação de trechos e pedaços de livros antigos se interconectam em combinações estranhas, que muitas vezes parecem saídas de um perverso conto de fadas, no qual mulheres misteriosas interagem, em forte tensão quase erótica, com animais um tanto ameaçadores, como corvos, lobos ou cisnes. Algumas vezes a mulher desaparece, em outras ela retorna solitária, protegida ou censurada por burcas, máscaras ou estranhos capuzes, mas olhos marcantes, que parecem conter a tensão expressiva da obra.

Pinky Wainer – Foto: João Wainer

Já em suas últimas exposições, como as que realizou em 1997 na Galeria São Paulo, ou nos primeiros anos do século 21 na Galeria Millan em São Paulo e na GB Galeria, no Rio, a figura da mulher sempre foi o tema. No entanto, apesar de ser uma feminista aguerrida – “o máximo que posso nesse mundo louco” – e reconhecer que é óbvia a conexão que tem com as mulheres que pinta, para ela a imagem feminina é, antes de tudo, uma base para a pintura, uma figura a partir da qual nascem e se estruturam as composições. Seu interesse não está no desenho, mas sim nas múltiplas relações entre os elementos, as cores e os materiais presentes na obra. “Pintura abstrata e música clássica, só pra os gênios”, ironiza.

Autodidata, Pinky inicia sua carreira já explorando as potencialidades da aquarela, material que ganhou do pai aos 24 anos. A primeira exposição foi ainda nos anos 1980, na Galeria Rastro, a convite de Aparício Basílio, que se encantou com seu trabalho. “Peguei aquela oportunidade com os dentes”, conta. Multifacetada, se dividiu entre a experimentação artística, as artes aplicadas (realizando diversos projetos gráficos como ilustrações e capas de livro) e o ensino, que nos últimos anos se tornaram sua principal atividade. Gosta de enfatizar que não dá aula de técnica, mas sim de processo criativo. Afinal, como Pinky diz, aprendeu o que sabe na prática diária, na observação e muito em conversas com os balconistas das lojas de materiais artísticos. A artista afirma que não há erro em aquarela e cada mancha ou desvio pode dar margem a uma nova trama de relações. “Gosto muito dos defeitos, das coisas que você não controla”, afirma. A ausência, por quase duas décadas, da cena expositiva trouxe, segundo ela, algumas vantagens. “Não ser muito procurada te dá liberdade, você pode ousar, dizer não”, conta.

“Bianca Mulher Cisne Negro 2”, de Pinky Wainer – Foto: Divulgação

Uma das regras que criou para si é a organização da produção por séries. Foi uma delas, a das “Mulheres Armadas”, que foi publicando no Instagram, que atraiu o curador Ricardo Sardenberg à sua casa para ver seus trabalhos recentes, visita que acabou gerando a atual exposição. Ao invés das lutadoras, prontas para o combate, a escolha da dupla recaiu sobre outros dois núcleos de composições recentes, mais intimistas. O primeiro, “Mulheres Dopadas” (ou “Mulheres Burguesas”) trabalha com uma certa zona de instabilidade, de tensão em que se entrecruzam figuras animalescas, frases e palavras recortadas de livros com forte carga simbólica, como uma biografia de Bianca Sforza, da família nobre que governou Milão em pleno renascimento e para quem Da Vinci trabalhou: “A Peste”, de Albert Camus; ou a biografia de Leon Trotsky, com todas as suas referências políticas de revolução, exílio e outros termos engajados e carregados de radicalidade. “A política me interessa muito, faz parte de nós”, sublinha.

A segunda e mais recente série produzida por Pinky, “Pintora Esquecida”, traz os mesmos processos de colagem e experimentação. Porém deriva de uma reportagem que caiu em suas mãos sobre Nádia Léger, pintora talentosa que ficou a sombra do marido Fernand Léger e que só em 2021 estava sendo resgatada para o público com uma exposição. Nádia era russa, militante comunista, foi aluna de Malevich e durante muito tempo trabalhou como assistente daquele que seria seu futuro marido. Ironicamente retorna ainda sob a sombra dele, já que a notícia do “Le Parisien” não menciona uma única vez seu sobrenome de solteira: Khodossievitch.

A figura de Nádia encantou a artista, que se identificou com essa figura de pintora esquecida, desaparecida, vendo uma ironia nessa aproximação, incorporando esses termos para enfatizar sua longa ausência do circuito expositivo. Apropriou-se então de um retrato antigo de Nádia, em que aparece “velha, gorda e bonita” e passou a retrabalhar essa imagem de base de diferentes maneiras, recobrindo seu rosto com a frase “Femme Oubliée” ou incorporando a intensa moldura de “A Bela Lindonéia”, retrato icônico pintado por Rubens Gerchman em 1966 e citada por Caetano Veloso e Gilberto Gil no verso “Na frente do espelho/Sem que ninguém a visse/Miss/Linda, feia/Lindonéia desaparecida”.

“Cisne e Flor”, de Pinky Wainer – Foto: Divulgação

Produzir estes e outros trabalhos, de forma quase obsessiva, em que um puxa o outro, teria, segundo Pinky, uma estreita relação com os mais de dois anos de reclusão que vivemos e com o sentimento de asfixia provocado pelo momento político. Talvez como forma de processar e lidar com as interdições e expandir assim, simbolicamente, os limites estreitos da existência cotidiana. “Foi um processo não catártico, porém libertador”, finaliza.

Pinky Wainer
Abertura: Sábado, 26 de março, das 11h às 18h.
De 26 de março a 11 de junho de 2022 .
Travessa Dona Paula 134, Higienópolis – São Paulo, SP.

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