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Rafaela Ferreira diz que ser gorda só a ajudou a conseguir mais papéis

Foto: Erik Vesch

A atriz e educadora Rafael Ferreira tem uma longa história com personagem em “As Aventuras de Poliana”, novela do SBT. São mais de cinco anos de relacionamento com a trama, que acaba de lançar a sequência “Poliana Moça”, onde ela faz a personagem Nanci e que bombou no Ibope na estreia, no último dia 21, marcando 9,1 pontos de média na Grande São Paulo.

Casada há dez anos com o também ator Erik Vesch, e “mãe” do gato Aroldo, Rafaela é muito presente não só nas telas e no teatro, mas nas redes sociais, onde encabeça campanhas contra a gordofobia e em prol do bem-estar. “A gordofobia é isso, a dificuldade que as pessoas gordas têm em ter acesso a direitos básicos, como por exemplo o transporte público, um voo, muitas vezes a gente não passa na catraca ou não cabe no assento”, diz. Por essas e outras, ela usa sua rede social para educar pessoas e lutar contra o preconceito estrutural. Só no Instagram, a atriz soma mais de 1,7 milhão de seguidores.

Foto: Erik Vesch

Rafael começou cedo na carreira, e ficou em dúvida sobre o trabalho de atriz apenas no vestibular, quando quase optou por psicologia, mas seu dom falou mais alto e ela cursou teatro.

Aos 33 anos, já passou pela TV Globo, em “Malhação ID” – atualmente sendo reprisada no canal “Viva”, da Globo; pela Record TV, em “Rebelde”; e agora tem planos de fazer cinema, arte que nunca teve a oportunidade de abraçar, até o momento. Alegre e falante, Rafaela está com um segredo na manga: vai lançar um livro ainda neste ano, mas não pode dar detalhes da obra. “É um livro no qual já estou me dedicando há bastante tempo, ele com certeza vai falar sobre as questões do corpo gordo e dessa relação, mas eu realmente não posso dar muitos detalhes ainda, porque a gente não sabe aonde vai chegar a linha desse pensamento”, conta.

Foto: Erik Vesch

Leia a seguir o papo que RG levou com Rafaela via Zoom.

Como nasce a atriz Rafaela Ferreira?

Eu comecei a fazer teatro na escola, naqueles colégios Maristas, italianos, então é uma tradição ter vários teatros, em diferentes estruturas. Isso desde a educação básica. Quando eu tinha 13 anos eu consegui fazer uma peça profissional com o grupo da escola e viajamos o Rio de Janeiro com o trabalho, que era “O Alto da Compadecida”, de Ariano Suassuna. E aí já bateu em mim que seria isso que eu faria da vida. Na universidade eu até fiquei em dúvida se fazia teatro ou psicologia, mas fiquei com teatro. Logo que saí da faculdade já fiz “Malhação ID”, então foi uma coisa bem casadinha, o que deu um empurrãozinho para eu seguir em frente.

Quais são seus principais trabalhos?

Olha, de TV, eu fiz “Malhação ID” (TV Globo), depois eu fiz “Rebelde” (Record TV), que também foi um trabalho adolescente e que foi uma febre na época, e “As Aventuras de Poliana” (SBT). No teatro, agora, recentemente, eu fiz um trabalho muito legal que foi “Sigo de Volta”, a gente começou como um projeto de teatro, conseguimos um aporte do ProAC (Programa de Ação Cultural), começamos a ensaiar e veio a pandemia, aí adaptamos tudo e transformamos em online, fizemos duas temporadas e tal, e para nossa surpresa nós ganhamos o APTR (Associação dos Produtores de Teatro), como Espetáculo Inédito Editado. Eu sonhei a vida inteira em ganhar o APTR. E meio que a internet ajudou isso a acontecer, porque a nossa peça pôde ser assistida pelos jurados que são do Rio de Janeiro e por estarmos no circuito expostas no Brasil todo. Eu tenho um carinho muito especial por esse trabalho. E agora que estamos começando a sair, queremos de fato estrear em um teatro físico.

Foto: Erik Vesch

E para quando seria?

Eu não tenho uma data para te dizer especificamente, mas estamos vendo todas as leis e correndo atrás de patrocínio. Como a gente conseguiu para a internet, não duvido que a consigamos também [para o presencial], mas esperamos que ainda neste ano. O texto é sobre internet mesmo, sobre a relação que os adolescentes, os jovens em geral, têm com as redes sociais e com a comunicação, esse desafio que a gente tem de encontrar um lugar legal.

Fale sobre a sua personagem, Nanci, de “Poliana Moça”.

Ela é uma personagem muito cativante, simpática, ela faz parte do livro homônimo em que a novela foi inspirada, que é da Eleanor H Porter. A novela e eu já estamos nessa relação há quase cinco anos. A gente começou em maio de 2017, que foi o primeiro teste, a novela [“As Aventuras de Poliana”] começou a ser gravada no mesmo ano, mas só foi para o ar em 2018, e agora estamos em “Poliana Moça”, ou seja esse elenco, essa equipe, nos conhecemos muito, vimos as crianças crescerem, mudamos muito, todos nós. Então a Nanci me possibilita esse contato íntimo com essas pessoas. A Nanci, ela tem um alto astral, evoluiu bastante, porque ela começa como uma babá da Poliana, ela é meio cúmplice da criança, porque a tia que fica com a guarda de Poliana – quando os pais da menina morrem – é meio seca, e quem cuida, quem dá o colo é a Nanci. No fim ela se descobre uma amante da confeitaria, e para mim foi muito legal ver essa evolução dela. Agora ela deu novos passos profissionalmente, está mais independente, segura, então vai ser uma fase muito especial da Nanci.

Foto: Erik Vesch

Como você cuida da beleza, porque você parece ser bastante vaidosa?

Eu acho que uma das coisas que mais nos ajuda a ficar bonita é estar bem. Terapia sempre foi uma coisa que me ajudou muito a me sentir mais bonita e, de fato ser, porque a gente precisa muito se conhecer para encontrar nossa beleza. O tempo inteiro estão plantando padrões, para ser bonita tem de ser desse jeito, ou de outro, e eu acho que a gente fica muito mais bonita quando descobrimos o nosso jeito, e não como alguém está tentando dizer, e para isso só se conhecendo muito, então meu principal ritual de beleza foi mesmo fazer terapia.

Mas eu gosto muito de sentir o meu corpo e proporcionar a ele coisas que me façam sentir bem. Eu gosto muito de caminhar ao ar livre, eu moro perto de um parque, então isso ajuda muito, sobretudo em São Paulo. Gosto de hidratar o cabelo sempre, essas coisas, maquiagem eu curto também. Eu não era tão vaidosa antes, mas a profissão foi me ensinando muito. Porque você vai nas produções e vê como pode ficar bonita. Tenho feito vários vídeos de maquiagem na internet, coisa que antes eu não fazia, mas porque fui achando isso naturalmente para mim. Então a relação com a beleza foi algo que eu fui construindo. 

Como você lida com as redes sociais?

Sinto que é um desafio. Com o projeto “Sigo de Volta”, eu a Isabella [Moreira] – atriz que faz dupla com Rafaela – fomo tirando as  dúvidas que tínhamos em relação a autoimagem, como a gente se compara nas redes sociais, como é fácil muitas vezes você olhar a realidade do outro totalmente desconectada da história de vida daquela pessoa, de tudo o que ela fez para chegar naquela foto ali. Então, nas minhas redes, eu tenho muito interesse em nutrir nas pessoas quem elas são, de elas correrem atrás daquilo que as faz felizes. Porque a rede social pode ser uma cilada. Ela pode ser muito legal para divulgar as coisas, mas a gente vê aí a juventude passando muito por transtornos de imagem, alimentares, depressão. Enfim, é tudo muito complicado ver o que salta dentro da gente, ainda é pouco tempo para saber onde tudo isso vai dar, né? Eu comecei a lidar com internet quando eu tinha 13 anos, quando chegou o computador lá em casa, e tinha ICQ, MSN, mas eu já era fissurada nisso, queria aquela realidade o máximo possível. E naturalmente, com a evolução das redes sociais, a minha presença nelas foi ganhando força. Eu também percebo que isso representa muito para muitas pessoas, porque lá atrás, eu, com 13 anos, não tinha uma referência para seguir, um artista, uma celebridade, era tudo mato, isso não acontecia muito. Hoje eu sinto uma vontade e uma responsabilidade de falar com essa galera. Principalmente as crianças que vêm para mim pelo público de “As Aventuras de Poliana”. Então acho que representatividade é muito importante. 

Acha importante ter um discurso feminista nas redes?

Com certeza, né? Como mulher não vejo como a gente não ser feminista. E também torço para que os homens, de fato, cada vez mais, conheçam e entendam assim para que sejamos parceiros, para vivermos em um espaço mais igualitário.

Foto: Erik Vesch

E o tema da gordofobia, porque você é bem ativa nisso nas suas redes.

Olha, quando eu descobri o que era gordofobia, porque tem toda uma vida que eu não sabia o que isso significava, né? Eu vivia ali as violências, as dificuldades de acesso, a falta de direitos, que a gordofobia, por ser um preconceito muito estrutural, já me fazia viver desde a infância, eu não sabia ao nome disso. Aí com a internet, com outros contatos, com as pessoas tudo mudou. Hoje em dia a gente chama de “gordaesfera”, que foi onde eu encontrei as outras pessoas que estão aí estudando. Eu converso muito com a Malu Jimenez, professora, doutora e autora do livro “Lute Como Uma Gorda”; com a Agnes Arruda, que lançou “O Peso e a Mídia”. A Agnes abriu muito a minha cabeça, porque ela fala sobre os estereótipos das personagens, ela fala sobre o estigma do peso que as personagens na representação da mídia ganham estereótipos muito marcados. Mas a gordofobia é isso, a dificuldade que as pessoas gordas têm em ter acesso a direitos básico, como por exemplo o transporte púbico, um voo, muitas vezes a gente não passa na catraca ou não cabe no assento. Tem gente que precisa comprar duas passagens de avião, é um absurdo, mas as políticas não ajudam. Até o acesso ao tratamento médico, porque todo mundo diz: “Você tem que emagrecer, é uma questão de saúde”, as pessoas têm muito esse discurso, mas vai uma pessoa gorda tentar cuidar da própria saúde? Às vezes, a gente não tem um aparelho de pressão que caiba no braço, a gente não tem acesso a aparelhos de ressonância, tem gente que tem histórico de ter de ir a uma clínica veterinária para fazer ressonância. A luta da gordofobia vai muito além da autoestima, mercadologicamente, essa é a luta que chega da gordofobia, dizem, “se aceite como é”, a gente pode até se aceitar, mas teve um caso na pandemia de um rapaz que morreu porque as equipes não tinham uma maca que suportasse mais que 90 kg. Então a gordofobia é uma questão muito profunda, cujas informações demoram muito a chegar, porque ficamos muito na “patologização” do corpo gordo, ou seja, tudo termina em “você é doente”, e a discussão não consegue ir para frente. Se as pessoas estão preocupadas com a nossa saúde, que possamos ter um acesso digno. Existe uma pressão muito forte para que você não seja você. Eu com oito anos sofria muito essa pressão, com frases como “você tem que emagrecer”. Hoje já está muito claro que existem todos os tipo de biotipo, pessoas gordas sempre existiram, apesar de terem sido afastadas por conta da gordofobia estrutural.

Já perdeu algum trabalho por ser gorda?

Não, pelo contrário, porque a TV trabalha com perfis fixos, quando se pensa em um personagem, a imagem dele já está desenhada, e muitos papéis chegaram até mim porque estava descrito que era para uma pessoa gorda fazer. Eu tive um episódio na minha vida que emagreci 30 kg, eu achava que tudo ia mudar, que quando eu ficasse magra tudo ia se resolver (risos), era o que me diziam a vida inteira. Ms foi aí que eu perdi trabalho. Eu lembro muito de um longa, que eu já havia feito o teste, um ano trás, eles demoraram um pouco para conseguir a verba, aí quando eles conseguiram eu tinha emagrecido e eles disseram: não tem como! O meu mais magro ainda era manequim 44, eu era gorda. Fiquei pensando “mas como?”, porque o papel era para ser meu. Então eu não me encontrei nesse lugar. Eu olhei e pensei: “Realmente, eu não sou essa pessoa [mais magra], eu tenho que me cuidar, me amar, mas sendo quem eu sou”. Enfim, para mim foi o contrário mesmo, as oportunidades sempre surgiram por conta disso [pelo fato de ser gorda].

Quais são os próximos projetos, porque tem um livro vindo por aí, não?

Eu estou escrevendo um livro, mas não posso contar muita coisa ainda, está em uma parte muito sigilosa. Mas é um livro no qual já estou me dedicando há bastante tempo, ele com certeza vai falar sobre as questões do corpo gordo e dessa relação, mas eu realmente não posso dar muitos detalhes ainda, porque a gente não sabe aonde vai chegar a linha desse pensamento. Eu nunca escrevi um livro, estão estou aprendendo a ser autora também. Eu sempre gostei de escrever e usei a escrita terapeuticamente, muito na minha adolescência. Mas o que eu posso falar é o livro sai este ano.

E cinema?

Um sonho pra mim, nunca fiz cinema. Sou louca por cinema, já chegue na portinha algumas vezes, mas ainda não aconteceu, quero muito que a vida me traga isso.

Tem algum personagem que você gostaria de fazer?

Olha, essa personagem não tem um nome, mas o meu sonho é interpretar uma personagem que esteja distante desses estereótipos que a gente encontra muito forte ainda. São poucas as personagens gordas que a gente encontra nas grandes produções, apesar de ter tido um aumento nos últimos anos. Eu sinto que sou uma atriz que foi muito beneficiada por essa abertura para os corpos gordos na TV. Mas a gente ainda vê muita personagem que até tem uma casca de bem resolvida, maravilhosa, mas que daqui pouco está comendo em todas as cenas, sabe? É uma linha muito tênue. Então eu sonho em fazer uma personagem que seja bem-sucedida na vida financeira e profissional, que tenha um relacionamento e que viva questões ligadas a isso. Que apresente a vida dela, e não a questão do corpo dela e estereótipos.  Ursula, de “Sigo de Volta” foi a personagem mais nesse sentido que eu consegui fazer, porque ela é uma viajante de bicicleta e está pedalando pela América do Sul, e as questões de corpo não estão no debate dela. A gente não precisa mais estar sendo tão didático e sublinhando essas questões. Eu acho que a gente só precisa ver esses corpos que estão por aí. Então meu sonho de personagem é uma que não esteja dentro do estigma do peso.

Foto: Erik Vesch

Você tem filhos?

Não, e não me encontrei nesse lugar de mãe ainda,  não me bateu isso aí não (risos). Nunca foi um sonho.

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