Mariana Xavier estrela peça solo com direção de Lázaro Ramos

Foto: Rodrigo Lopes

Por Maiara Tissi

Debate sobre positividade tóxica e ditadura da felicidade é foco de “Antes do Ano Que Vem”, comédia que está em cartaz no Teatro Unimed, em São Paulo. Estrelado por Mariana Xavier, a atriz é também idealizadora da produção, que tem texto de Gustavo Pinheiro e direção de Lázaro Ramos e Ana Paula Bouzas.

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No palco, Mariana encara pela primeira vez um espetáculo solo. E não só isso, ela se desdobra em sete personagens diferentes ao longo da peça. Dentre elas, Dizuite é uma faxineira que trabalha na “Central de Apoio aos Desesperados”, em plena véspera de Ano-Novo, quando uma série de ligações a motiva a compartilhar os conselhos mais inesperados e, quem sabe, necessários até para ela mesma.

Com humor e leveza, “Antes do Ano Que Vem” se propõe a discutir questões fundamentais para a sociedade contemporânea, como solidão, empatia e solidariedade. “O humor abre portas para novas percepções do mundo. Vivemos nem um tempo em que rir é o primeiro remédio para as nossas mazelas. Com este texto e o grande talento de Mariana, damos um salto além no humor atual que fala das mulheres”, afirma o diretor Lázaro Ramos.

Para o autor Gustavo Pinheiro, “O riso que propomos à plateia nesta comédia é o de compaixão, nunca do deboche. É o riso da empatia, de quem também tem suas dores e sabe que vivê-las e superá-las faz parte do jogo. Torço para que este espetáculo seja um convite para que cada pessoa na plateia também pense o que pode fazer por si mesmo, pela sua felicidade, o quanto antes. Se possível, antes do ano que vem”.

Para contar um pouco mais sobre os bastidores, desafios e a importância da temática de “Antes do Ano Que Vem”, Mariana conversou com exclusividade com o RG. Leia a seguir.

“Antes do Ano Que Vem” é uma comédia idealizada por você, além de ser seu primeiro espetáculo solo. Como você chegou a essa vontade de contar no teatro sobre positividade tóxica e a maneira como nos relacionamos hoje dentro e fora das redes sociais?

Eu me identifico muito com muitas questões abordadas no espetáculo. Já há alguns anos faço um trabalho muito forte na internet em que busco “desglamorizar” esse lugar da celebridade e da artista. Senti na pele quando estava fazendo uma “novela das 9h” e a “Dança dos Famosos”, uma cobrança para entrar em um lugar de quem está sempre disponível e sorridente. Essa posição de sustentar uma personagem que quase abre mão de humanidade é o que vemos muito nas redes sociais.

Foi nesse momento que tive um processo de transtorno de ansiedade e então decidi não ceder a essa cobrança, nem ignorar minhas próprias dores e momentos de fragilidade. Percebi que cada vez que falo sobre isso, o retorno é muito positivo, pois as pessoas veem que não estão sozinhas em seus conflitos internos. Nessa troca, conversamos sobre como termos as mesmas questões e inseguranças, medos e dúvidas. Isso se tornou uma vertente muito forte do meu trabalho, então quis trazer isso para o teatro também.

Foto: Rodrigo Lopes

A direção da peça é de Ana Paula Bouzas e Lázaro Ramos, que são também atores. Como foi essa interação? Qual a diferença em ser dirigida por quem, além de tudo, também é colega de classe?

Sou muito fã dos dois e tinha essa vontade de trabalhar e estar perto do Lázaro. Já a Ana foi muito importante estar junto com a gente e alguém que foi muito parceira em todo o processo. Começamos a ensaiar, em 2019, no Rio de Janeiro, quando a Ana morava em São Paulo. Ela viajava para nos encontrar e estar presente em todos os momentos. Trabalhar com eles veio de um lugar de muita admiração do trabalho dos dois, que só aumentou.

Além disso, ser dirigida por atores faz muita diferença. Eles se colocavam mais no meu lugar em cena, falavam em uma linguagem mais fácil de compreender. Os dois compartilharam também como funciona o processo deles como atores para que eu experimentasse como isso funcionava em mim. Tudo isso facilitou bastante o processo.

Quando embarca em uma personagem nova, quais são seus meios para se aprofundar em todos os aspectos dela? Como faz para dar vida não a uma ou duas, mas sete personagens no palco?

Sou muito intuitiva, e foi assim que busquei o que me ajudaria a compor essas sete personagens. Percebi que a preparação vocal seria algo que criaria uma diferenciação entre elas, nos sotaques, nas prosódias. Essa pesquisa de voz já me ajudou muito antes também. Sou carioca e já fiz personagens de outros lugares do Brasil, com diversas sonoridades e formas de falar.

Além disso, procurei o que existe nessas sete personagens que existe em mim também. “Antes do Ano Que Vem” é um grande convite à empatia, a olhar mais para o que nos une do que o que nos separa. Apesar das diferenças, o que tenho em comum com elas e com suas dores? Foi aí que encontrei maneiras de trazer cada uma delas ao palco.

Fazer comédia solo é um baita desafio. O humor que vem da troca e da dinâmica ficam a cargo do texto, da plateia, de você consigo mesma? Como tem sido essa experiência?

Essa era uma grande questão. Tive muito medo de fazer um espetáculo solo. Se esquecesse o texto como faria para me lembrar? Mas é tão fluido, a história é tão bem amarrada e ágil. O humor vem muito do tempo do texto, da interação com a plateia e como as pessoas se identificam.

O teatro é vivo e cada dia é diferente. Dependendo de como a plateia reage, o meu tempo fica diferente também. A cada apresentação a gente vai se soltando e curtindo mais, experimentando o mesmo texto de formas diferentes. Enquanto a peça estiver em cartaz, sei que vai estar se transformando.

Foto: Rodrigo Lopes

Sua personagem atende e aconselha diversas pessoas em um momento de virada de ano, quando as metas são criadas e as crises batem. No seu círculo de amizades, você é mais do tipo que está sempre com um conselho pronto para compartilhar ou mais para quem adora ficar horas no telefone desabafando?

Eu sou muito a Dizuite, muito mesmo. Desde criança, sempre fui a boa ouvinte, boa conselheira, para todos os momentos. Não posso dar spoiler da peça, mas já há alguns anos pude perceber que até as melhores conselheiras também precisam ser ouvidas. Não tem como só cuidar, precisamos nos permitir ser cuidados também.

Hoje, acho que estou em um lugar mais equilibrado nesse sentido. Posso ser uma ótima ouvinte e conselheira, mas consigo pedir socorro, abrir meu coração, ligar para os meus amigos e dizer “Hoje só me ouve, porque eu estou arrasada, preciso botar para fora e de um colo”. A peça é sobre isso também. A gente entende que ninguém dá conta de ser uma coisa só o tempo inteiro, precisamos nos ouvir e nos acolher também.

Para encerrar, conte sobre você. Já pensou no que quer fazer antes do ano que vem?

Antes do ano que vem, eu tenho muuuuita coisa para fazer. Eu quero rodar muito com essa peça pelo Brasil, quero voltar a descobrir meu País e levar essa mensagem para o máximo de pessoas que conseguir. Quero sentir de novo esse prazer de estar no palco, que é tão importante para mim.

Teatro é o lugar de onde vim e descobri que a fama e o ofício são coisas completamente diferentes. É onde me preencho e sei que meu trabalho faz a diferença para quem pode ser impactado por ele, é o que dá sentido para minha existência.

Teatro Unimed – Ed. Santos Augusta, Al. Santos, 2.159, Jardins, São Paulo (a menos de 100 m da estação de metrô Consolação).
Curta temporada: de 4 de março a 24 de abril de 2022.
Sextas e sábados, às 21h. Domingos, às 18h.

Todas as sextas-feiras, Mariana faz um bate-papo com a plateia após a apresentação, falando sobre o processo de produção e concepção do espetáculo.

As sessões aos sábados contam com intérprete de libras.

Acesso para pessoas com mobilidade reduzida