Cultura

João Lee cria remix das músicas de Rita Lee e Roberto de Carvalho

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João Lee – Foto: Denise Andrade

Por Camila Martins

Nascido e criado em São Paulo, o DJ e curador João Lee, 42 anos, é um cara muito interessante. Ele estudou na Escola Graduada de São Paulo – que tem parceira com algumas das melhores escolas do mundo, o que o ajudou a explorar mundos diferentes. Ele tem a capacidade de alcançar e entender a linha de raciocínio e a inteligência dos outros com facilidade, como, por exemplo, a da própria mãe, Rita Lee, que é extremamente criativa e artista genial.

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Como a mãe, em diálogo, tem tiradas inteligentes e irônicas que, conforme a situação, podem vir a tanto rígidas quanto polidas, tudo no decorrer de sua discrição. João se formou em administração na Insper e possui característica únicas dentro de sua família – formada por músicos -, já que engloba uma sapiência para o mundo dos negócios.

Apesar de ter atuado no mundo dos negócios, João tem mesmo é veia para arte, além de DJ, ele também encarou a responsabilidade de ser o curador da exposição sobre a vida de sua mãe no MIS (Museu da Imagem e do Som), a “Samsung Rock Exhibition Rita Lee”, que terminou no último dia 20. Ele escolheu a dedo, ao lado de Rita, o que iria para o público apreciar.

Filho do também músico Roberto de Carvalho, o DJ resolveu homenagear os 50 anos de carreira de seus pais em fusão com seus 25 anos de atuação na música eletrônica.

Sendo assim, assumiu a responsabilidade de assinar versões mais jovens das músicas de seus pais, selecionando DJs com projeção, nacional e internacional, em que cada um incorpora para o eletrônico melodias que resultam a personalidade de três histórias em uma só: a dele, um remix com cada um dos DJ e as musicas de seus pais.

Leia a seguir papo que RG teve com João Lee.

Como você avalia o resultado da exposição no MIS?

O resultado foi impressionante. Mesmo com as questões da pandemia, ficamos perto, senão no limite do museu. Foi excelente para nós, assim como para o MIS também. Ainda não sei os números totais, mas foi muito, muito, muito positivo. Vamos agora para a segunda cidade que é o Rio de Janeiro. Ainda estamos conversando com alguns lugares, mas acredito que ainda seja neste ano.

Como é o processo para organizar uma exposição musical? 

A  Dançar tem 40 anos de história. O propósito da Dançar”é trabalhar com exposições musicais. Há uns 8 anos eles desenvolveram uma plataforma que é a “Rock Exibition”. Fizeram a exposição do Nirvana e do Jimmy Hendrix. A nossa foi a primeira artista brasileira, e parte criativa ficou por conta da gente.

Sua mãe, Rita Lee, foi a mulher mais censurada durante o regime militar. Explique um pouco sobre essa parte da mostra.

A sala da ditadura militar é uma das salas mais interessantes e me surpreendeu absurdamente. Muitos dias com fila de uma hora e meia. Conseguimos ter acesso aos Dops (Delegacia da Ordem e Política Social) daqui de São Paulo. Nos deixaram olhar todos os documentos que a ditadura produziu. Como materiais de censura, vetos, cartas de um segurança para outro, daquela época. E assim criamos este filtro entre a ditadura e o público. Deixamos a própria ditadura, os sensores falarem por si – e olha que são documentos originais. Você passa a ter uma dimensão da mentalidade de quem viveu naquela época. Ou seja, como que eles aplicavam a censura em cima da minha mãe e também de outros artistas.

Acredito que o fato de as pessoas estarem lendo palavra por palavra, o que foi falado e produzido naquela época, as deixaram em choque. Principalmente a molecada que não viveu na ditadura. Em cima disto, também, juntamos documentos que foram para a mídia, como recortes de jornal para as pessoas poderem entender como é que a narrativa foi construída e passada para o publico. Que, por muitas vezes, no caso dela também, não condiziam com a verdade.

Olha, é uma loucura saber que ela [Rita Lee] foi a artista mais censurada naquela época. Se você for ler as argumentações e as justificativas pela censura – parece um esquete de um programa de comédia, e hoje não faz o menor sentido.

Quando adulto, lembro muito pouco deles viverem este processo, de fazerem músicas. A gente tem na exposição um vinil dos anos 1980 que teve música censurada. O que a ditadura fazia era pegar o disco e riscar com gilete para ninguém poder ouvir.

Então, é assim, é muito surreal ainda, mas fazendo um paralelo de um mundo que a gente vive hoje. Agora a informação está circulando praticamente na velocidade da luz. Eu acho que é importante sabermos como foi o nosso passado para impedirmos que coisas ruins que aconteceram lá atrás não voltem a acontecer novamente.

Me conta em pouco sobre o projeto do remix.

Estou querendo fazer há mais de 20 anos este projeto. Há uns dois anos fiz uma reunião com o Paulo Lima, presidente da Universal, e assim demos um start. Desenvolvi toda a parte de produção e em cima disso conversei com DJs e produtores para afinar o que fazia sentido para cada um deles. É uma fusão dos 50 anos de historia de carreira dos meus pais com os meus 25 anos de historia musical, que nesta toada também entra o momento que seleciono os DJs que fizeram parte da minha vida em um formato bem específico. Cada DJ trás sua identidade. Ou seja, é um remix de três histórias, três situações diferentes, e é o que fez este projeto ser bem diferente.

Quais são os seus projetos futuros? 

Os que temos em vista são projetos derivados da biografia do livro que se desdobram em série, documentário e filme. Além da exposição que vamos levar para todo o brasil e o mundo. O Rio de Janeiro será a próxima cidade.

Já pensou em fazer um remix da época da Tropicália? 

Claro, que sim, é uma época muito importante da musica brasileira. A década de 1960 e 1970 para mim é caule, mas preciso ter acesso aos “multrecs” que eu não sei se existem.

De que forma a morte de Elza Soares impacto vocês e sua família ? 

Ficamos todos muito tristes. Minha mãe e a Elza se adoravam. Tinham um carinho e respeito mútuo de longa data. Recentemente minha mãe compôs uma música para a Elza, mas acho que não chegou a ser gravada.

O que pensa das redes sociais? 

Quase que não entro, tem uma energia muito negativa que circula em torno de rede social. Tem algumas, por exemplo, que entro e não tiro nada de positivo. Um segmento meio de mentira, como por exemplo: a superficialidade da vida perfeita sendo que a vida real não é esta. Até mesmo o TikTok, que entre as redes sociais, é a mais divertida. Para a musica, por exemplo, pode ser uma fonte de pesquisa.

Você tem alguma experiência na Amazônia, até mesmo pelo fato de sua mãe ser engajada em assuntos relacionados à natureza?

Tenho muitas boas memórias da Amazônia. Eu ia muito quando criança com a minha família nas férias. Víamos muitas casas flutuantes, muito contato com a floresta e os animais.

Como você vê as queimadas naquela região? 

Não preservar um dos nossos maiores patrimônios é de uma imbecilidade tremenda.

Atualmente, você toca em um dos mais conceituado clube de música eletrônica do Brasil, o D-Edge, como é isso?

Estou voltando a tocar lá. Sou alucinado por aquele lugar, muitas vezes, pareço uma criança. O D-Edge é vanguardista, à frente do tempo.  Sempre colaboraram para a cena da cultura da musica eletrônica brasileira. Fui residente do D-Edge por de anos, e depois dei um tempo por não dar conta do cronograma deles. O dono, que é o Renato Ratier, e é um grande amigo, está em um dos meus projetos.

Rita Lee chegou a ganhar o prêmio na categoria da literatura do APCA – Associação Paulista de Críticos de Arte. Como você enxerga o processo literário dela? 

Nenhuma pesquisa. A parte dela como escritora é muita mais natural do que qualquer outra coisa. Ela tem este dom de se comunicar, de escrever bem. Minha mãe estudou letras na USP, mas não chegou a concluir. Teve também muita influência de Caetano Veloso e Gilberto Gil. Que na época dos Mutantes foram um dos grandes padrinhos. Eles erma mais velhos e mais experientes, então minha mãe ficava observando como eles  compunham as músicas no backstage. Basicamente, foi o momento em que ela percebeu que existia algo nela para desenvolver.

De que forma você vê a evolução da música eletrônica? 

A musica eletrônica cresceu muito. Quando comecei a tocar não tinha este holofote todo. Antigamente, a molecada queria tocar guitarra. Hoje muitos querem ser DJs. Era um nicho muito mais undergound, e também para pouca gente. Atualmente, a eletrônica está em tudo quanto é lugar – um dialogo universal. Você pega estes artistas novos como, por exemplo, The Weeknd, não existe barreira para eles.

Você mencionou que seu pai tem ouvido absoluto, conte mais a respeito?

Não é percussão, é ouvido absoluto mesmo. Pessoas que têm ouvido absoluto conseguem identificar um tom sem ver a tecla que está sendo tocada. Ele tem a possibilidade de criar uma música com uma complexidade completamente diferente. Uma forma que repercutiu na vida deles. Quando estavam tocando, por conta disso, tudo tinha que estar superafinado, caso contrário, incomodava a audição dele, intensamente. Teve uma turnê que meus pais fizeram nos anos 1990 que a minha mãe estava sentindo falta de uma pessoa tocando gaita. Em dois meses ele aprendeu a tocar gaita para tocar no show. Então eles sempre tiveram essa dinâmica. Minha mãe se concentrava nas letras, enquanto, meu pai focava mais nas melodias. Em consequência, ficavam nesta troca e acredito, eu, que fluiu perfeitamente bem.

O que você acha do Giordio Moroder?

Moroder para mim é o papa do sintetizadores, ele toca uma das minhas musicas favoritas como: “I Feel Love”, de Donna Summer. Ele influenciou muito gente.

Você é vegetariano?

Me alimento de sol.

Você produz na melancolia? 

Não, ela tira minha criatividade.

Qual é a sua musica preferida, atualmente?

Cada semana tem uma nova. Depende muito da situação. Quanto a dos meus pais é difícil dizer. Gosto de todas, mesmo;  “Mutante”, Cor de Rosa Choque”… Agora com os remixes gosto da música “Nem Luxo, Nem Lixo”.

O que você pensa das musicas atuais?

De uma maneira geral, acho que o mercado atual está bem quente e as plataformas estão aí para facilitar. Quando paro para escutar uma musica, prefiro as antigas. As que eu já tenho alguma ligação. Já as novas, preciso sentir mais, e muitas vezes acabo gostando de muitas. Quanto ao rock, basicamente, não vejo muita coisa surgindo, percebo que as musicas com mais histórias e consolidação ainda são as melhores.

Entretanto, não sou muito a pessoa mais indicada para abordar este nicho. O meu é o eletrônico.

Falando sobre um trecho do livro “Rita Lee – Uma Autobiografia”, de sua mãe, você se sente parte da família Addams que ela aborda na obra, focando na infância? 

Sem dúvida que faço parte da família Addams, alias, toda família é meio “Addams Family”.

Como você enxerga o caos ou a rebelião?

Evito o caos ao máximo, um pouquinho tudo bem, mas o extremo eu evito.

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