Atriz, atriz, grande atriz, ela é Ana Beatriz Nogueira, estrela do teatro e de inúmeros papéis na TV e no cinema. Mais que uma exímia representante da classe artística, ela é generosa e se preocupa com alguns colegas que, neste momento pandêmico, não têm com se virar. Criou o projeto “Teatro Com Bolso”, que ela fez durante a pandemia para transmitir teatro para as pessoas, em casa, com segurança, além de conseguir renda para os que por ventura não têm como atuar neste momento e precisam de ajuda financeira. “A vontade era a de não querer parar, de as pessoas não desanimares, de a gente estar se manifestando por meio de um aparelho. Só que tem sido tudo por minha conta, e não sei se consigo mais por muito tempo, porque é gratuito e a contribuição é voluntária [as pessoas podem assistir sem pagar nada ou adquirir um ingresso, com diferentes valores, para colaborar]”, explica.
Ela também está ao vivo no teatro com a peça “Um Dia a Menos”, texto de Clarice Lispector, no Renaissance, em São Paulo, cujas apresentações vão até o dia 19 de dezembro. Motivo para não deixar de ir assistir Ana Beatriz em um monólogo em que a a quarentena, lá em 1977, já se apresentava na vida de uma mulher, e vendo a peça nos vemos agora reportados àquela situação. “E é interessante, porque estreou antes da pandemia e é sobre uma mulher que está quarentenara desde sempre. É louco, por para você ver, um texto escrito em 1977, sobre uma mulher quarentenada, e agora a gente também ficou quarentenado. Tem uma coisa que você olha e pensa que isso acontece com aquela mulher, só que agora acontece com todos nós.”
Ademais, Ana Beatriz está em papel impecável em “Um Lugar ao Sol”, novela das 21h da Rede Globo. Na trama, ela faz Elenice, a mãe de Cauã Reymond, que interpreta os gêmeos Cristian e Renato. Dedicada, ma também fútil, ela faz de tudo para que nada atinja o filho – neste pé novela já houve a troca dos gêmeos, mas ela não sabe.”É um texto muito bom e o resto são as referências de vida da gente.” Ela conta que está assistindo à novela como espectadora – embora tenha lido todo o roteiro, de todos os personagens -, porque foi toda gravada antes das transmissões, durante a pandemia.
Ah, mas não acaba aí. Ela já está angariando patrocínio para um novo espetáculo, qem que pretence encenar a história de Melanie Klein [psicanalista austríaca], que sabia tudo sobre crianças. A peça é um recorte da vida de Melanie com os filhos dela. O nome é “Senhora Klein”. Mas falta patrocínio.
Leia a seguir entrevista de Ana Beatriz a RG.
Como surgiu o convite para a novela “Um Lugar ao Sol”, atual trama das 21h da TV Globo?
Foi um convite da autora (Lícia Manzo) e do diretor (Maurício Farias) da novela. O Maurício foi o primeiro diretor dos meus trabalhos na televisão. Ele é um diretor que eu gostei desde àquela época. Eu conheci a família inteira dele. E agora tive essa oportunidade de trabalhar com ele novamente, é um diretor maravilhoso. E a Lícia é uma grande autora.
Como se preparou para sua personagem, a Eelenice?
Eu me preparei para a novela lendo e relendo o texto, por que é muito bem escrito, a gente absorve. O texto dela [Lícia] é tão bom que está tudo ali. O importante é fazer a personagem que a autora escreveu, do jeito que ela imaginou, vestir a camisa daquela história. É um texto muito bom e o resto são as referências de vida da gente.
E como foram as gravações durante a pandemia, tiveram muitas paradas?
A grande parada foi a de todos, de dez meses. Eu estava na turma que ia começar a gravar em janeiro de 2020, gravei janeiro, fevereiro e paramos esses dez meses. Aí voltamos, e gravávamos poucas cenas por dia para poder ter um protocolo absolutamente seguro, e com o tempo foi aumentando. Ainda assim, com esse protocolos todos, foi uma novela que me deixou muito feliz fazendo.
E como você vem recebendo sua personagem frente ao público?
Tenho resposta positiva tanto do público como da crítica, elogios e tal. Eu estou assistindo como espectadora em casa, porque não vi nenhuma cena da novela enquanto gravava. E estou adorando assistir. Porque normalmente uma novela estreia com 10 ou 12 capítulos e você vai vendo e gravando, mas desta vez fizemos tudo antes. Para mim, cada novo capítulo é uma grande surpresa. É tudo diferente, até o assistir à novela é diferente.
E como você está sentindo essa experiência de se assistir?
Olha, eu estou gostando muito da novela, então é interessante. Eu li a novela inteira, porque eu não leio só a minha personagem, eu costumo ler tudo. E é muito gostoso ver os personagens, não só a minha, mas dos colegas todos. Eu estou gostando muito.
Vamos falar sobre teatro. Me fale sobre a peça “Um Dia Menos”, de Clarice Lispector, com a qual você está em cartaz em São Paulo.
Clarice Lispector é tão boa que você lê apenas um conto dela e já tem tudo. Clarice você pode fazer a vida inteira. É um mundo inteiro na obra dela. Eu sou uma fã de Clarice Lispector, sou uma leitora desde sempre. Eu estava relendo o livro dela de contos e reli esse, “Um Dia a Menos”. Aí eu pensei em encenar algo dela. Então chamei um amigo meu, que também é diretor [Leonardo Netto], e ele sugeriu encenar esse conto, que ele sempre quisera fazer, então eu disse: “Se você sempre quis fazer, vamos fazer”. É o conto preferido do meu diretor. E é interessante, porque estreou antes da pandemia e é sobre uma mulher que está quarentenara desde sempre. É louco, porque, para você ver, um texto escrito em 1977, sobre uma mulher quarentenada, e agora a gente também ficou quarentenado. Tem uma coisa que você olha e pensa que isso acontece com aquela mulher, só que agora acontece com todos nós. Eu queria voltar com a peça, mesmo sem patrocínio.
Essa peça tem uma pegada também de humor e você tem uma veia engraçada bem bacana, eu queria que você falasse um pouco sobre isso.
Primeiro eu acho que a Clarice tem um humor ali no subtexto. Eu sou uma atriz que vê o humor em muitas coisas, mas não um humor de risada, um humor de situação. É como a vida, você pode estar fazendo uma cena dramática, e se você para para pensar tem uma coisa engraçada. Depois, na retrospectiva, você pensa: “Não acredito que eu disse aquilo”. A pessoa que nunca faz graça não significa que está condenada a não fazer. É ter essa consciência de que as pessoas são multifacetadas.
Acabando a temporada em São Paulo, no dia 19 de dezembro, você pretende viajar com a peça?
Eu pretendo, sim. Mas a questão do viajar depende muito de apoio, você já viu quanto está uma passagem de avião? Então precisa ter um patrocínio, senão você só paga para trabalhar. Eu gostaria antes de voltar a São Paulo, em outro lugar, porque no Rio de Janeiro eu já fiz uma temporada. E depois viajar.
Agora no dia 2 de dezembro você faz uma leitura de “As Partes Nuas”, com a Claudia Schroder, fale sobre isso.
Esse é um projeto da Claudia. Eu fui presenteada com um livro dela e gostei muito, eu adoro poesia. Primeiro ela me pediu que gravasse um poema, eu gravei, e agora veio essa nova versão das leituras. Eu conheci a autora, gostei muito da pessoa e do trabalho dela. Então Claudia me fez um convite para ler alguns poemas dela, e eu aceitei com o maior prazer.
E o “Teatro Com Bolso”, cuja ideia é de ajudar outros artistas?
Começou como “Teatro Sem Bolso” e eu rebatizei de “Teatro Com Bolso”. É um projeto que eu fiz durante a pandemia para transmitir teatro para as pessoas, em casa, com segurança. A vontade era a de não querer parar, de as pessoas não desanimarem, de a gente estar se manifestando por meio de um aparelho. Só que tem sido tudo por minha conta, e não sei se consigo mais por muito tempo, porque é gratuito e a contribuição é voluntária [ as pessoas podem assistir sem pagar nada ou adquirir um ingresso, com diferentes valores, para colaborar]. Mas me deixa feliz saber que todo mundo pode ver. Mais importante é que as pessoas saibam que tem o ingresso, basta retirar na sympla.com, seja ele gratuito ou pago. A ideia é a beneficiar alguns colegas nossos que estejam passando por necessidade. E beneficiar com alguma coisa que a gente saiba fazer. Porque não é uma coisa vamos fazer uma “vaquinha”, vamos fazer cena, vamos fazer arte. Qualquer empresa que quiser abraçar o projeto é bem-vinda, qualquer mesmo, pois é muito pouco o que precisa para continuar, só que eu sozinha, durante tanto tempo, bancando assim, não consigo. E com R$ 5.000 por mês eu consigo fazer esse projeto. É como se fosse “apoio a fulanos de tal”, ajudaria muito.
Você tem outros projetos em vista?
Sim, tenho. Além da peça, eu preciso captar, mas nosso presidente [Jair Bolsonaro, sem partido] não nos deixa captar, porque ele não nos deixa ter a nossa Lei Rouanet, ele não nos deixa nem ter a lei. As pessoas acham que ter a lei é ter dinheiro, e não, ter a lei é a possibilidade de talvez conseguir o patrocínio. Porque é assim, você tem um deadline para estrear, depois de seis meses você perde o direito. Eu preciso estrear o meu [novo espetáculo], que é a história da Melanie Klein [psicanalista austríaca], que sabia tudo sobre crianças. A peça é um recorte da vida de Melanie com os filhos dela. O nome é “Senhora Klein”. Mas falta patrocínio.
Foi até bom que você falou sobre isso porque eu ia te fazer uma pergunta, como você avalia o atual momento da cultura no País?
Não tem momento, houve um desmonte da cultura. Não que estivéssemos maravilhosamente bem antes, existe uma série de questões econômicas e politicas, mas com a pandemia fomos os mais afetados, porque nós precisamos encher uma sala de gente para poder viver. Não só os atores, estou falando de todo um segmento, porque a cada espetáculo muita gente é empregada. E temos ainda a pandemia. Mas estamos retornando, as pessoas vacinadas com as duas doses ou três, e com todos os cuidados.
E tem algum recado que você gostaria de deixar?
Alô, alô, amantes das artes, contribuir é sempre uma maravilha.
“Um Dia a Menos”
Teatro Renaissance – Alameda Santos, 2.233, Jardim Paulista, SP; tel: (11) 3069-2286. Sábados às 17h30 e domingos às 20h30.
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