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Pedro Fasanaro sobre personagens em “Deserto Particular”: “É de uma intensidade que não sei descrever”

Ator Pedro Fasanaro vive Robson/Sara no filme de Aly Muritiba, “Deserto Particular” – Foto: Ian Rassari/Divulgação

Pedro Fasanaro vive a dupla de personagens Robson e Sara no longa-metragem “Deserto Particular“, que entrou para o circuito nacional de cinema este mês. O filme dirigido por Aly Muritiba é o concorrente brasileiro a uma vaga de Melhor Filme Internacional no Oscar 2022.

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Em papo com o RG, o ator não-binário reflete sobre a importância de se viver personagens como ele no cinema. “Nunca tive muitas referências de atores, atrizes e personagens não-bináries. Pensar e refletir sobre esse lugar é de uma intensidade que, sinceramente, não sei descrever”, conta, completando. “Tem que escancarar as portas, mesmo. Mostrar para o mundo que estamos aqui, que existimos, queremos ser ouvidas e amadas.”

Ao lado de Daniel, interpretado pelo ator Antonio Saboia, ele vive uma jornada embaraçosa de autoconhecimento, desejo e dúvidas. “Tinha receio de fazer um trabalho tão delicado com um cara heterossexual, cisgênero e ele se mostrou ser o oposto disso: é um cara sensível, delicado. Trazia essa delicadeza e esse respeito muito grande para o set”, diz, aliviado.

Se preparando para dar vida a seu primeiro vilão em um curta-metragem que será rodado este mês no Ceará, ele diz estar analisando projetos para a televisão. Leia abaixo íntegra da entrevista com o ator Pedro Fasanaro.

Ator Pedro Fasanaro vive Robson/Sara no filme de Aly Muritiba, “Deserto Particular” – Foto: Ian Rassari/Divulgação

Onde você mora, Pedro? Estou curioso!

Moro em Natal, no Rio Grande do Norte. Na verdade, moro no mundo, mas nasci e estou por aqui. Voltei para cá na pandemia e fico por aqui até os primeiro dias de novembro porque vou passar um tempo no Ceará gravando um outro trabalho.

Vocês gravaram “Deserto Particular” antes da pandemia, em 2019. Queria saber como foi sua preparação específica para dar vida a estes dois personagens distintos.

O processo de preparação foi uma delícia. A gente teve um trabalho com uma preparadora de elenco chamada Nara Chaib Mendes. Foi incrível, inclusive. Boa parte do filme, acho que devo a ela porque foi realmente muito importante. Começamos ainda no Rio de Janeiro, onde estava morando na época, depois continuamos em Juazeiro, que foi onde a gente gravou. Passamos entre um e dois meses lá. De início, eu e Antonio [Saboia] fizemos esse processo separados e, quando nos encontramos, foi de maneira sensorial. A gente não se via e estávamos sempre vendados para criar esse subtextos das personagens. Foi muito importante porque eles são muito complexos.

E esse não-encontro na preparação ajudou no encontro, de fato, de vocês em cena? Como aquela cena da boate que Daniel e Sara se encontram pela primeira vez!

Sim, completamente. Ajudou demais! A gente começou a se encontrar como atores quando estávamos indo para Juazeiro. Fomos no mesmo voo, ficamos no mesmo hotel. Mas até esse momento, a gente não tinha tido um momento real de introdução um ou outro. Quando personagens, o encontro foi, de fato, em cena e isso potencializou muito.

E como que foi trabalhar com o Antonio Saboia? Como foi essa troca? Você já tinha trabalhado com ele?

Nunca havia trabalhado com Antonio. Já tinha assistido em ação em “Rotas do Ódio” e “Bacurau”, mas foi uma surpresa muito positiva neste trabalho. Vamos ser sinceros: tinha muito receio de fazer um trabalho tão delicado com um cara heterossexual, cisgênero e ele se mostrou ser o oposto disso que estava com medo. Ele é um cara sensível, delicado. Trazia essa delicadeza e esse respeito muito grande para o set. Descobrimos uma química em cena que fazia tempo que não sentia com outro homem hétero e cis. Foi muito legal.

A cena da rodoviária é uma pegação real, né? Se entregaram, de fato, ao que a cena pedia!

Tem que ser, né? Tenho muito receio dessa coisa de beijo técnica, pegação técnica porque meu compromisso é com a cena. Acho que um beijo sem língua não chega no público, ainda mais um daquele que era tão desejado, tão esperado pelos dois. Tinha que ter beijo, tesão, língua, dente. E teve tudo isso. Ainda bem que éramos esses dois atores que topamos fazer tudo.

Ator Pedro Fasanaro vive Robson/Sara no filme de Aly Muritiba, “Deserto Particular” – Foto: Ian Rassari/Divulgação

E houveram cenas que você recorda uma dificuldade maior de fazer do que outras?

Todas foram bem difíceis, mas as cenas com a avó dele foram bem delicadas porque tenho uma história muito próxima do Robson, guardada todas as especificidades. Moro com a minha avó desde criança. E foi muito especial trabalhar com a Zezita Matos, que é uma atriz aqui do Nordeste que é um ícone para todos nós. Ela tem vários trabalhos icônicos e foi muito especial contracenar com ela. Sempre que a gente ia gravar, tinha que controlar o choro porque era um lugar de emoção de estar com ela. Além disso, as cenas que envolviam uma certa violência, não exatamente física, mexeram muito comigo. Eu, como pessoa não-binária, dissidente de gênero e sexualidade, sempre acabavam batendo gatilhos naturais. 

Falando nisso, estava pensando em como é simbólico para você fazer uma personagem no cinema que é gay, do sertão nordestino, que é não-binário, que tem vontade de viver essa vida fora de lá. Como é para você dar vida a esse personagem e servir de referência para outros meninos e meninas que sejam iguais ou parecidos com Robson/Sara?

Fico extremamente arrepiado de ouvir você falando isso porque é sempre um grande impacto, né? Nunca tive muitas referências de atores, atrizes e personagens não-bináries. Pensar e refletir sobre esse lugar é de uma intensidade que, sinceramente, não sei descrever. Já tiro um pouco isso pelos meus amigues que já trocam comigo sobre isso. É muito intenso saber que, hoje, a gente consegue fazer um cinema que traz um personagem relevante. Que hoje a gente tem esse espaço e que vai abrir outros espaços ainda mais importantes. Agradeço muito ao Universo por ter me dado essa oportunidade. Tem que escancarar as portas, mesmo. Mostrar para o mundo que estamos aqui, que existimos, queremos ser ouvidas e amadas.

Como foi trabalhar com o Aly Muritiba, que tem despontado como um grande nome desta geração de cineastas.

Aly é um paizão. Lembro de um momento que tivemos com toda equipe antes de começarem as gravações e ele me abraçou e disse: ‘Seja bem-vindo, Pedro. Este é um lugar de amor. Espero que seja para você também’. E sinto que todo o set foi exatamente sobre isso. Também tive receios quanto ao Aly por ele ser hétero, cis, mas ele tem uma escuta imensa. Ele me deu muita abertura para a gente dialogar sobre o texto e as cenas para que fosse tudo respeitoso quanto aos meus personagens. Ele é um cara muito tranquilo e respeitoso. Que honra que foi.

E para acabarmos mesmo, quais são seus próximos projetos que vão estrear por aí?

Vou viajar para o Ceará para gravar um curta-metragem. Vou interpretar meu primeiro vilão. Não posso falar muito, mas é um vilão meio sonso. Ele é jovem, alto astral, energia lá em cima mas que, por dentro, é cheio de veneno. Para televisão, estamos analisando as possibilidades.

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