Foto: Galeria Nara Roesler/Divulgação
No próximo dia 10 de novembro, Vik Muniz inaugura a exposição “Fotocubismo”, na sede paulistana da Galeria Nara Roesler. Resultado de uma longa pesquisa em torno de obras clássicas do cubismo, assinadas por mestres como Pablo Picasso, Georges Braque e Juan Gris, esse conjunto de trabalhos revela como aspectos relacionados à memória, às ambiguidades da representação imagética e uma rica inter-relação entre diferentes meios de expressão constituem a base sobre a qual repousa a produção do artista. Na sequencia, em 8 de dezembro, será lançado ‘Epistemas‘, livro que se debruça sobre sua produção recente, iluminando conexões entre diferentes momentos de sua trajetória. Fartamente ilustrada e com textos do próprio Vik Muniz, da crítica Luísa Duarte e do cientista e escritor inglês Phillip Ball, a obra toca em pontos nevrálgicos da reflexão conceitual e formal do artista, que há quase quatro décadas investiga essa zona híbrida, habitada pelas contradições entre percepção visual e o mundo físico. Editada pela Nara Roesler Livros, a publicação faz parte da vertente Recortes, focada em aspectos específicos da carreira ou obra do artista, e tem patrocínio da Turim.
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Essa observação arguta acerca do que chama de ‘ambiguidades visuais’ da nossa época, seu profundo interesse em desmontar certezas técnicas e teóricas do mundo visual contemporâneo provavelmente estão na origem do protagonismo exercido por Vik Muniz na cena artística brasileira e internacional, tornando-o presença incontornável nas principais coleções institucionais de todo o mundo. Afinal, como sintetiza Luisa Duarte, seus trabalhos “congregam em um só espaço a hipernitidez característica da nossa época e a dúvida que esta mesma época tende a dispensar ou mesmo desprezar”.
O processo adotado pelo artista nessas produções mais recentes é profundamente complexo. Seja tomando por algo banal como um prego ou um furo (“Sempre gostei de fotografar buracos”, confessa) ou revisitando obras fundamentais da história da arte como ‘Nu descendo a Escada‘, pintado por Marcel Duchamp em 1912, há na abordagem de Muniz uma tentativa de levar ao paroxismo a relação entre a fotografia (meio associado a uma grande objetividade) e a imagem mental, como a memória ou a imaginação. São obras que pertencem a esse grande museu das imagens icônicas da história da arte, que Muniz já visitou com frequência ao longo de sua carreira, e neste momento servem de motivo e tema para uma investigação poética e visual sobre espacialidade, repetição e diversidade de meios.
Nas obras da série ‘Superfícies‘, a serem mostradas na galeria, ou naquelas reunidas sob o nome geral de ‘Handmade‘, presentes no livro, o processo se dá em muitas etapas. Tem início com a eleição – por critérios muitas vezes subjetivos – de uma imagem fulcral do cubismo, que é em seguida pintada, fotografada, reprocessada por meio de colagens, impressões, até atingir aquele ponto de indiferenciação desejado pelo artista. Como ele próprio explica, são criadas “quantidades insanas de camadas”, que geram no espectador uma dúvida sobre onde estaria a superfície original, em meio a essa sobreposição de intervenções, em diferentes mídias.
Os títulos, no caso de Vik Muniz, agregam importante significado à sua poética. Não à toa esse processo de explorar, iluminar contradições aparentes entre o espaço e o plano – lugar por excelência das experimentações cubistas – é associado à ideia de ‘Superfícies‘, numa referência clara e irônica à sobreposição de meios, leituras e estratos visuais. Da mesma forma, o título da exposição, ‘Fotocubismo‘, propõe um mordaz jogo de palavras, que transforma o termo “clubismo” – associado à fotografia clássica – em “cubismo”, remissão direta aos mestres que no início do século XX procuraram dar conta de um dos maiores desafios da arte naquele período: a superação dos paradigmas clássicos vigentes de uma arte mimética, em busca de um tipo de representação, analítica e sintética, do real.
Se revisitar obras-primas ou períodos determinados da história da arte é algo comum na trajetória de Vik, mapear técnicas, estratégias e tendências comuns ao cubismo têm um atrativo extra para o artista. Afinal, este movimento encontra-se no cerne do embate entre linguagens, fornecendo ao artista uma rara e ampla liberdade de experimentação. “A fotografia havia libertado há pouco a pintura de uma função descritiva, havia a certeza de que o mundo não é uma coisa parada”, explica Vik, que nos últimos cinco anos dedica-se a elaborar conceitual e tecnicamente esse universo criativo que buscava um novo lugar para a pintura. Em sua pesquisa, o artista passeou de forma ampla pelas pesquisas cubistas, percorrendo um caminho que vai dos trabalhos mais sintéticos e abstratos (como aqueles mostrados há dois anos na Nara Roesler) até as investigações mais recentes, marcadas por uma maior complexidade, espacial e temporal. “Obra para mim é a série toda e a relação de desenvolvimento que uma obra tem com a próxima e a anterior”, explica ele, indicando como os nexos entre os trabalhos individuais vão muito além das semelhanças formais ou temáticas.
Av. Europa, 655, Jardim Europa, São Paulo.