Nos dias 23 e 24 de outubro, a Coletiva Profanas leva ao Centro Cultural São Paulo “Ritu.1/ Penetra!”. Trata-se da primeira ação performativa da série de rituais de trans-i-[ação] que a atriz, diretora, dramaturga e doutoranda da USP Manfrin vem elaborando em paralelo ao seu processo de transição hormonal. A convite do CCSP Manfrin traz nessa retomada das atividades culturais desse importante espaço para a arte contemporânea, uma exploração sobre o tempo em seu processo de transição hormonal por meio de uma performance de longa duração extremamente visceral.
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Nesta sequência de ritos, a artista traz para uma releitura travesti a tragédia grega de Sófocles que narra o ocorrido depois da primeira peça da trilogia, a desgraça parece ter sido o legado deixado por Édipo aos seus quatro filhos (Etéocles, Polinice, Antígona e Ismênia). Com sua partida para o exílio, os filhos lutaram pelo poder e chegaram a um acordo de revezamento no comando a cada ano. No entanto, Etéocles, que foi o primeiro a governar, ao fim do mandato, não quis ceder o lugar do poder ao irmão Polinice, que revoltado foi para a cidade vizinha e rival da grande Tebas, aliou-se traçando assim uma vingança ao irmão tirano. Ali, reunindo um exército aliado, Polinice enfrentou o irmão visando ao trono de Tebas. O conflito acabou com os dois se matando e, então, quem assumiu o poder foi o tio Creonte, irmão de Jocasta, esposa de Édipo, que também morreu na primeira peça. E é após a perda de dois irmãos, acrescida da perda do pai e da mãe, que inicia a trajetória de Antígona travesti em nossa releitura. Essa mulher despossuída de família, mas que luta para poder seguir a tradição.
No início da obra de Manfrin, semelhante à dramaturgia de Sófocles, Antígona deseja realizar os ritos fúnebres de ser irmão Polinice, dito como traidor. No entanto aqui Antigone também é Polinice, ela é o irmão morto. Como diz a cantora Linn da Quebrada em sua música “Eu matei o Junior”, Antigone deseja enterrar o corpo que ela mesma matou. No entanto, o que aqui ela reivindica é o direito ao rito a esse corpo, que a priori, todos dizem que devem putrificar em praça pública, ou seja, não merece nenhum respeito. No caso, esse corpo que dizemos é da travesti antes de sua transição. Neste primeiro “ritu”, Manfrin deseja sim se hormonizar para ser outra, mas exige que sepultemos seu Polinece com todas as honras que a tradição ensina. Ser travesti não é similar a odiar seu passado e seu próprio corpo. Antigone deseja que este corpo penetre a sociedade com os mesmos rituais que os outros penetraram.
Penetra[ação] é desejo de pertencimento, de fusão. Adentrar-se. Ser recebida ou invasiva. Penetrante. Abusadora. Antigone deseja que Polinice receba os ritos e seja recebido pelo deuses. Manfrin deseja se hormonizar para ser aceita pela sociedade como uma mulher, para ser amada como uma mulher. Esta performance narrativa, experimenta a fricção entre vida e arte que um corpo pode propor, e o que poderemos assistir, em segurança, são os respingos dos berros pornográficos. Não há erotismo. Não há corpos nus. É uma pornografia travesti. Não há ação, mas sim uma narrativa trágico-performativa de trans-i-(ação). A inércia nunca foi um pioneirismo, talvez um portal que permeia o processo de ver. Este diário duracional aberto é um manifesto pelo direito de fazermos com nossos corpos tudo que desejarmos.
Serviço:
Sábado, 23.10 – das 16h às 22h.
Domingo, 24.10 – das 15h às 21h.
Gratuito.