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Luisa Arraes: “Diadorim que estamos buscando não é nem uma donzela guerreira nem apenas um homem trans”, diz atriz sobre criação do personagem

Foto: João Arraes

Luisa Arraes e Caio Blat estão juntos há mais de 4 anos, são vizinhos de porta e dividem não só a vida, mas o trabalho. A atriz vai além da interpretação, gosta de escrever, criar, pretende dirigir. Filha do diretor Guel Arras e da também atriz Virginia Cavendish, Luisa não tinha muito como escapar da profissão: cresceu no backstage e nos camarins em que os pais atuavam, sempre como uma arte de criança. “Eu sempre tive muitas reações com o cinema e o teatro ao longo da minha vida, porque eu nasci metida nisso. Quando eu era criança era uma grande brincadeira, como não podiam me deixar em casa, o combinado era ou eu fazia apresentações escondida no teatro ou dormia no camarim”, conta.

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Sobre viver em casas separas com o marido, embora sejam vizinhos de porta, Luisa explica que sempre prezou por sua liberdade e solidão, mas que há uma abertura entre eles para deixar a porta que os separa aberta ou fechada, dependendo do momento de cada um. “Foi uma dinâmica muito acertada, queremos patentear isso porque eu vejo muita gente se separando e pensando ‘nunca mais vou conseguir morar com ninguém’. Tem gente que começa a namorar e já se casa, mas eu batalhei muito pela minha solidão. Desde que li ‘Um Teto Todo Seu’, da Virginia Woolf, achava que eu tinha que enfrentar isso. Então resolvemos fazer esse experimento, às vezes a porta [dos dois apartamentos] fica aberta, às vezes, fechada.”, explica.

Foto: João Arraes

Indignada com o atual governo brasileiro, Luisa diz não entender como uma pessoa votou em Jair Bolsonaro [sem partido], quanto mais 60%. “Eu considero o fim do mundo. Não entendo o país em que vivo. Não consigo entender uma pessoa que vota nele, imagina entender 60%? Eu saí das redes sociais durante uns seis meses, depois voltei, porque fui estudar a morte da verdade para entender as coisas”, – referindo-se ao livro “A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump“, de  Michiko Kakutani. Fiquei pensando na questão do conservadorismo do Brasil. A política anticultura é um ressentimento tão infantil, tão imaturo”, diz.

Pronta para começar as filmagens de “Grande Sertão: Veredas”, filme e série em que vai interpretar Diadorim, Luisa se diz animada. Para ela, criar o personagem foi um longo aprendizado e treinamento. “Ele não é nem uma donzela guerreira nem apenas um homem trans.” Pela primeira vez, Luisa será dirigida pelo pai, e, sobre isso, afirma ser uma novidade que promete. “Pois é, estamos vendo. É a primeira vez que a gente trabalha junto, e com esse desafio. Então como diria ele: “ou sai todo mundo morto ou cheio de glórias”. 

Leia a seguir o papo que Luisa teve com RG via Zoom. 

Como nasce a atriz Luisa Arraes?

Muita gente me pergunta isso, mas é difícil responder assim. Eu sempre tive muitas reações com o cinema e o teatro ao longo da minha vida, porque eu nasci metida nisso. Quando eu era criança era uma grande brincadeira, como não podiam me deixar em casa, o combinado era ou que eu fazia apresentações escondida no teatro ou dormia no camarim. Então eu segui fazendo aula de teatro, ainda como uma grande brincadeira, e aí, quando virei adolescente, meu pai disse que a brincadeira tinha acabado: ou eu estudava ou largava tudo. Então comecei a fazer testes para espetáculos, nem falei nada em casa, e fui passando e fazendo, mas sempre movida por esse ímpeto de querer trabalhar. É claro que sempre tinha uma responsabilidade, porque filha de artistas sempre tem.

Foto: João Arraes

O que você estudou?

Eu sou formada em letras, entrei no mestrado recentemente na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), mas tive que trancar porque essa coisa de aula online não deu muito certo comigo. Então pedi para voltar quando a gente tiver “vida de novo”. Eu não sou só uma atriz, eu gosto muito de escrever, também quero dirigir.

E quando você engata mesmo como atriz?

Eu engatei logo não início. Fui emendando um trabalho no outro, paralelamente eu fazia a CAL (Casa das Artes de Laranjeiras) e faculdade de cinema. Em letras eu fiz produção de escritor, na PUC (Pontifícia Universidade Católica).

Você já participou de algumas peças, filmes e novelas. Nesse tempo, teve alguma personagem que te marcou muito?

Puxa, muitas personagens, mas duas [interpretações] eu guardo com muito carinho: em “Justiça”, que eu fiz e não me esqueço, era um trabalho muito forte, foi quando eu entrei na ioga, e em “A Fórmula”, que eu dividi com a Drica [Moraes]. Eu sempre imitei a Drica em tudo o que eu fazia, e depois me pagaram para fazer isso na série, foi o maior barato. 

Como foi esse período de pandemia para você, psicologicamente falando?

Foram muitas fases. Eu estava otimista até o Brasil me provar o contrário. Eu sempre pensava, vão ser 15 dias, vão ser três meses, porque se eu pensasse que seriam dois anos, eu teria surtado. Esse tempo a tempo foi a maneira que encontrei de lidar com isso. Fui vivendo muito um dia após o outro. Na minha vida, o que estamos vivendo no Brasil é a pior fase de longe. Não me lembrava de tanta gente passando fome, e para mim a angústia vem muito daí. E eu me preocupo. Desde que o Bolsonaro foi eleito já estava tudo errado. Foi quando eu entrei no mestrado, e o Caio propôs que nós nos comprometessemos a dar aulas gratuitas em alguma instituição. Como os médicos que atendem no consultório e uma vez por semana atendem no hospital público. Então, pensei, por que os artistas não fazem isso? Quando você vai para o estado é preciso ter formação, ter licenciatura, então foi muito mais complicado do que imaginávamos. Mas fomos lecionar em uma instituição que o Caio conhecia e foi muito legal. Mas agora com essas aulas online estamos esperando voltar o presencial. 

Antes da pandemia eu já estava com angústia com o governo. Então acho que a forma de lidar com a angústia foi criar. No início da pandemia nós fizemos a série “Amor e Sorte”, a gente filmava aqui em casa. Teve um dia que entrou um motoboy aqui em casa, e ele disse: “não acredito que eu estou na casa do “Amor e Sorte”. Depois disso inventamos outra coisa, por conta do mestrado de autoficção, comecei a escrever uma dramaturgia [“Nunca Estive Aqui Antes”], aí em dezembro a gente estreou a peça, que tinha 40 minutos. Depois ficamos dedicados a filmar a peça. Acho que é isso, a solução para a angústia foi criar sem parar, trazendo o amador de volta, o precário como linguagem. 

Você estreou recentemente vídeos em seu IGTV, no Instagram, que são uma espécie de esquetes suas atuando. Como tem sido desenvolver estes projetos pessoais e no que se inspira?

Eu estava com dois primos meus que também trabalham como cinema, e estavam parados por conta da pandemia, e nós resolvemos fazer alguma coisa. Eu falei: “gente, músico de orquestra, precisa exercitar mesmo que não haja a orquestra, então como vamos exercitar isso de escrever, de ter ideia, de dirigir”? Eles pensaram em montar uma produtora, mas quem tem grana para montar uma produtora? Então fomos pelo caminho da internet. Uma vez por semana a gente se encontra, filmamos quatro ideias, e a gente vai colocando lá [no Instagram]. Se alguém vir, vai ser muito legal, se ninguém vir, a gente vai estar praticando, o que vai ser muito legal para o ofício. Então é isso, agora eu sou amadora do profissional.  

Foto: João Arraes

Como você se preparou para interpretar Diadorim, em “Grande Sertão: Veredas”? E como é essa versão que vai para a favela?

Em tese eu estou começando, mas estamos há um ano nesse projeto. Estou ensaiando faz uns três meses, antes de o filme começar, porque é uma atualização muito doida do Diadorim, ele não é nem uma donzela guerreira nem apenas um homem trans. É algo entre um e outro, a gente tenta buscar todos os dias como é exatamente esse personagem. Durante a pandemia nos tivemos que parar de ensaiar, e eu aproveitei para mallhar para ter um corpo mais musculoso, porque tem muito essa preparação física de luta, de dança, de transformação que eu nunca tinha feito dessa forma. Eu passo o dia preparando esse personagem. Estava com tanta saudade de pesquisar um personagem assim, que eu passo o dia nisso. 

Essa versão é louca, mas é parecidíssimo [com o original], porque, na verdade, a história se encaixou como uma luva. Os jagunços são os bandidos, com todo o seu lado bom e seu lado mau. O que se passa no Rio de Janeiro é isso, a “guerra” todos os dias. É comparar e dar o valor que essas guerras merecem, são tragédias gregas que vivem aqui no nosso cotidiano. Não é uma favela realista, é parte do pressuposto de uma favela para algo não teatral. Não é bem uma guerra, mas tem a sua parte dos conflitos, dos bandidos com a polícia. Mas a linguagem não é a do morro, e, sim, do Guimarães [Rosa]. 

Como é ser dirigida pelo próprio pai?

Pois é, estamos vendo. É a primeira vez que a gente trabalha junto, e com esse desafio. Então como diria ele: “ou sai todo mundo morto ou cheio de glórias”. 

Você está ansiosa?

A gente já está trabalhando muito, e, sei lá, nem consigo ficar pensando nisso, estou pensando no hoje. 

E quando começam as filmagens?

Agora, no fim de outubro.

Foto: João Arraes

Como você vê o governo Bolsonaro e sua política anticultura?

Eu considero o fim do mundo. Eu não entendo o País em que eu vivo. Não consigo entender uma pessoa que vota nele, imagina entender 60%? Eu saí das redes sociais durante uns seis meses, depois voltei, porque fui estudar a morte da verdade para entender as coisas – referindo-se ao livro “A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump“, de  Michiko Kakutani. Fiquei pensando na questão do conservadorismo do Brasil. A política anticultura é um ressentimento tão infantil, tão imaturo. Eu fui nesse fim de semana assistir à exposição da Nise da Silveira, e fiquei pensando que a cultura não é uma coisa que a elite faz para ela mesma, é um formato de educação, é um formato de pensar todo o mundo. Um país sem cultura, é um país morto. A vida é acordar, bater ponto e voltar para casa? O que é a cultura senão tirar as incertezas, fazer a gente pensar que entre o certo e o errado tem mil opções, e sensibilizar o afeto. Um país sem cultura é bruto, o pior do bruto no sentido da palavra. Nós precisamos do estado, do subsídio. Nã dá para fazer um monólogo e cobrar ingresso, só para uma pessoa que tenha trilhões de seguidores. Todo mundo tem que pagar aluguel, todo mundo tem que comer. É lamentável. 

Quais seus planos para o pós-pandemia, o que podemos esperar de Luisa Arraes?

Tem alguns, mas se eu falar me matam. Não posso ainda. 

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