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“Meu Sangue é Vermelho” mostra por meio do rap o genocídio indígena no Brasil

Foto: Divulgação

Os dados de crescimento da violência contra indígenas no Brasil são espantosos: até o início de 2020 o número de lideranças mortas em conflitos de campo foi o maior em pelo menos 11 anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT). Tendo como principal motivo a desapropriação de terras em favorecimento da expansão do agronegócio e pecuária – isso somado à ocorrência da pandemia de coronavirus, em que o potencial de morte para estes povos foi 16 vezes maior -, a causa pela sobrevivência indígena é urgente, representada também pelas manifestações recentes no Congresso Nacional, em Brasília.

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Por isso, a união da produtora britânica Needs Must Film com o rapper Owerá, da tribo brasileira Guarani M’bya, foi importante: por meio dela lançam o documentário “Meu Sangue é Vermelho”, que mostra ao mundo a realidade de indígenas brasileiros.

O roadmovie leva Owerá em uma peregrinação por comunidades indígenas dos estados de Mato do Grosso do Sul e Maranhão para dar voz aos seus líderes e mostrar como vivem, também as injustiças sociais que sofrem – e que grande parte do Brasil desconhece. Ao mesmo tempo, o filme é também um registro da jornada de Owerá como músico, que traz sua história e as vivências do documentário traduzidas nas letras de rap para gerar conscientização.

Meu Sangue É Vermelho from Indie Rights on Vimeo.

 

Inspirado e incentivado por Criolo, com quem desenvolve uma bela relação no decorrer do filme, Owerá é ainda orientado por líderes como a carismática Sonia Guajajara, o sábio e gentil Inaldo Gamela, e nos permite um entendimento mais profundo através da sabedoria de personalidades importantes como Vincent Carelli, antropólogo, indigenista e franco-brasileiro – idealizador do projeto Vídeo nas Aldeias.

Movido por letras e batidas, o filme mostra a violência brutal e o genocídio do qual esses povos são alvo; desapropriação de terras, levando alguns deles a viverem na beira de estradas; perda de identidade, que desencadeia depressão; a relação ancestral e com a natureza; desmatamento; e outros.

Momentos históricos também são abordados, como o protesto durante o acampamento Terra Livre no Congresso Nacional (DF), com cerca de 200 caixões simbolizando as mortes indígenas, e que foi duramente reprimida pela polícia. Este documentário é, então, sobre extermínio de pessoas e a resposta de um jovem músico sobre isso.

“Meu Sangue é Vermelho” foi apresentado em diversos festivais internacionais durante o ano de 2020, onde recebeu 25 indicações a prêmios, levando 17 deles. Entre os destaques estão: Filme do Festival, no Festival de Nottingham (Nottingham, Reino Unido); Melhor Edição e Melhor Trilha Sonora no Milestone Worldwide Film Festival (Battipaglia, Itália); Melhor Filme Ambiental e Melhor Documentário no Crown Wood International Film Festival (Kolkota, India); Melhor Filme no Buenos Aires International Film Festival (Buenos Aires, Argentina); Melhor Trilha Sonora no London Independent Film Awards (Londres, Reino Unido);  Melhor Documentário no Beyond the Curve International Film Festival (Paris, França); entre outros; além de méritos e menção honrosa no Twilight Tokyo Film Festival (Tokyo, Japão) e IndieFEST Film Awards (Califórnia, EUA).

Foto: Divulgação

Onde está localizada a aldeia em que você mora?

Fica na região de Parelheiros, na zona sul de São Paulo. Moramos na aldeia, na mata atlântica. Existem nove aldeias nesse território indígena. Onde eu vivo se chama Krukutu. Faz divisa com São Bernardo, no bairro da Barragem.

Qual a situação da aldeia? Os indígenas costumam sair de lá para trabalhar em grandes centros, por exemplo?

Nas aldeias têm professores das escolas, alguns são motoristas, mas a maioria faz artesanato para vender. Como tem muito turista que vem conhecer nossa região, vendemos nessas artes. Nossa cultura de trabalho é assim. Com muita luta, o sofrimento das lideranças de antigamente, que sofreram muito, para conseguir o que temos hoje: escola, postinho de saúde, centro de cultura indígena.

Você se identifica com a realidade vista nas aldeias que você visitou no filme?

Tanto na música que eu faço, como nos trabalhos, eu gosto de ver a realidade. Eu gosto de falar também sobre a realidade. Então no filme que está rodando o mundo todo, fico muito feliz de estar conhecendo os parentes e triste também de vê-los na situação em que estão agora. E isso me deu força para  ajudar todo o meu povo, somos irmãos. Cada um tem sua cultura, própria língua, mas vejo todos como irmãos. E ver essa luta me incentivou a lutar por eles.

O que você sentiu ao visitar essas aldeias e conversar com as lideranças? Como isso lhe impactou?

Me deixou triste e feliz, por saber que muitos ainda sofrem. Aqui em São Paulo a gente é mais tranquilo. Só que sofremos muito preconceito ainda. Mas em outras aldeias que eu fui, eles sofrem violentamente pelos fazendeiros. Temos que divulgar isso. Conversar com as lideranças me deixou feliz também. Por eles estarem conversando comigo como se eu fosse a esperança, assim como muitos jovens que estão aí na música para poder mostrar  pro mundo sobre a nossa luta. Divulgar, manifestar.

Como foi para você a experiência de gravar o filme? 

Foi uma experiência brilhante. Consegui fazer, foi um desafio. Estou já em andamento com um novo documentário. Sobre meu novo projeto do disco, que será lançado em 2022. E vai rodar o mundo também.

Qual o objetivo da sua música? Que mensagem deseja passar?

O objetivo da minha música é manifestar cada lugar, região, momento. Mas tento falar um pouco de tudo. Sobre a família, sobre a mãe natureza, sobre respeito. Sobre a vida. Geralmente faço mais em Guarani. A Must Films me ajudou muito a fazer esse documentário e me apoiou para lançar um EP, que gravei várias músicas.

A mensagem que deixo é de respeito ao povo indígena e à mãe natureza.

Como foi para você a experiência de mentoria de Criolo?

Toda experiência é uma nova vivência. Não tem nada melhor do que uma nova experiência. É um novo começo. Minha maior felicidade é lembrar também do começo de tudo. Quando gravei meu primeiro curta aos 6 anos. Começo da minha vida artística. Fiquei muito feliz de ter conhecido muitos artistas, muitas lideranças indígenas e o Criolo. Desejo muito revê-lo. Ter esse encontro foi maravilhoso. Ele me deu muito incentivo para essa caminhada, na carreira, muita força para continuar.

Foto: Divulgação

O que você acha que precisa ser feito para a melhoria da realidade indígena no País?

Muita gente nos critica porque moramos perto da cidade. A gente mora no mesmo lugar desde 1500, foi a cidade que cresceu e com isso perdemos nosso espaço, animais para caçar, rios cada vez mais poluídos, floresta. Passa muito carro, avião e helicóptero, isso nos afasta da realidade. Isso nos afasta da nossa realidade. Temos pouco para caçar, temos que ir fazer compras na cidade porque nosso alimento sempre foi a caça. A terra já não dá mais frutos.

Para nosso País melhorar na questão indígena, é necessário respeito e conhecimento sobre nossa cultura. Não é falar pelos indígenas, é ouví-los. Apenas isso.

https://vimeo.com/ondemand/meusangueevermelho

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