“Corpos Octópodes” – Foto: Casa Estúdio
Contemplado pelo 29º edital de Fomento à Dança de São Paulo, o Laboratório Siameses inaugura nova fase com o projeto “Corpos Octópodes”, que engloba três obras inéditas – “Da Natureza da Besta”, “Moscas de Fogo” e “Nas bordas daquilo que se fura”-, além da série de encontros “Convergências” e aulas de preparação corporal voltadas para o público geral, com direção artística de Maurício de Oliveira e direção geral de Clayton Santos Guimarães (Tono). Em constante inovação e produção mesmo durante a pandemia, o grupo, que tem 15 anos de atuação em território paulistano, repensa a forma de produzir dança e se coloca como um ambiente de experimentação da linguagem artística.
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Sustentado pela tese de partilha criativa, o projeto reúne mais de 60 profissionais, com nomes já consolidados no cenário artístico nacional como Ester Laccava e Alejandro Ahmed e artistas ascendentes, e cada um tem uma posição ativa enquanto criador e propositor.
“Nos últimos dois anos, tornou-se latente a necessidade de repensar a forma de produzir dança contemporânea na companhia. Decidimos então abrir as portas para novos colaboradores que pudessem trazer para dentro dela suas próprias pesquisas e assim, crescer conjuntamente. Esse ambiente de experimentação e mobilidade nos fez perceber que a própria ideia de companhia precisava de mudanças. Assim, escolhemos o conceito de um espaço de experimentação de linguagem mais horizontal: o Laboratório Siameses”, comenta Tono.
A primeira consequência dessa nova estrutura é a série de encontros mensais “Convergências”. Ao longo de nove edições, os colaboradores do projeto se reúnem para criar uma experiência única de partilha (oficinas, masterclasses, bate-papos etc.) a partir de seus interesses comuns, suas pesquisas e questões criativas.
Abertas ao público, as reuniões têm como principal objetivo aproximar os espectadores ao cotidiano da criação e dos bastidores do espetáculo.
Mantendo o espírito de aproximação, o Laboratório oferece a formação continuada aos interessados em estudar corpo e movimento, ministrada por Maurício de Oliveira. As aulas oferecem ferramentas de alteração da consciência corporal, alinhadas à reorganização por meio da ioga e da técnica de Alexander e têm o intuito de contribuir para a construção da linguagem autoral de atores, bailarinos e demais interessados em compreender as potencialidades do corpo.
“Durante nosso processo de pesquisa e de reestruturação, percebemos os benefícios de um processo continuado na dança. Então, ao longo de um ano, vamos explorar as potencialidades expressivas do corpo em movimento e estimular a autoconsciência corporal dos participantes”, comenta Oliveira.
As três faces de “Corpos Octópodes”
Trazendo referências que vão dos pensadores Peter Sloterdijk e sua Trilogia das Esferas, Byung Chul-Han e Hans U. Gumbrecht, aos trabalhos de Emir Kusturica, Emerson Munduruku/Uyra Sodoma, Dzi Croquettes e Nina Hagen, “Corpos Octópodes” apresenta três capítulos de uma história sobre o afeto e a capacidade de compreender o outro.
“Da Natureza da Besta” abre esse novo caminho da Siameses com um solo de dança que desliza por variadas linguagens artísticas. Marcando o retorno de Oliveira aos palcos após sete anos afastado, o trabalho surge como uma reflexão sobre sua vida enquanto um artista de 54 anos, negro e vivente de um tempo que urge por um futuro regido pela vida, não pela sobrevivência. Para a direção, foi convidada a atriz e diretora Ester Laccava, que possui um trabalho de mais de 20 anos com processos de construção dramatúrgica e pesquisa autobiográfica. A light artist Mirella Brandi é responsável pelas influências da luz no espetáculo, o musicista Muepetmo explora a interação entre luz cênica e ambientes sonoros e o artista visual e designer Ronaldo Fraga assume a pesquisa e criação de figurino da primeira obra.
“Moscas de Fogo” é um espetáculo-show, inspirado no livro “A Sobrevivência dos Vagalumes” de Georges Didi-Huberman. Referência a uma citação de Pier Paolo Pasolini, em que os artistas são como vagalumes, capazes de iluminar mesmo a noite mais escura, vem como uma homenagem às artes e àqueles que se dedicam a ela. “Durante a pandemia, os artistas foram os primeiros a parar e provavelmente serão os últimos a voltar a trabalhar. Por outro lado, sem as produções artísticas, o processo de isolamento seria extremamente perturbador”, reflete Tono.
No espetáculo, a dança se enlaça com a música para compor um quase-musical sem regras. A criação e direção são de Maurício em conjunto com os bailarinos Gabriel Tolgyesi, Grazielly Perdiz, Juarez Moniz, Maria Basulto e Rebecca Tadiello. Com figurinos da designer Adriana Hitomi e projeto de luz do light artist, performer e ativista Paulo Fluxus, a apresentação ainda guarda surpresas a serem reveladas nos próximos meses.
“Nas Bordas Daquilo Que Se Fura” encerra a trilogia de espetáculos e discute as estruturas que procuram continuamente formatar nossa relação com o corpo, desqualificar a diferença e nos fechar em bolhas. Trazendo as relações de poder acerca do corpo para o centro das reflexões, o trabalho retoma a pergunta que guia todo o projeto, o estar-junto, para apontar para um caminho revolucionário: o mimo como princípio para uma sociedade da leveza, um espaço de solidariedade que dariam lugar a bolhas cada vez menores, porém juntas. Em “Nas Bordas”, Oliveira se junta a Danielle Rodrigues e Marina Salgado como intérpretes, sob direção do renomado coreógrafo Ahmed. O trabalho conta ainda com a criação musical do cantor, guitarrista e compositor norte-americano Arto Lindsay.
Com “Corpos Octópodes”, o Laboratório Siameses convida todos a deixarem suas bolhas de lado para buscar uma forma de criar-junto, de construir algo em cima do improvável, de terrenos inseguros e usar dessa instabilidade para se reencontrar com os efeitos subversores da arte.