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Sara Antunes estreia hoje, em versão online, “Sonhos Para Vestir”

Foto: Fabio Audi

Sara Antunes, 38 anos, é uma atriz respeitada no circuito artístico. Formada em teatro e filosofia, ela se dedica à arte o tempo todo e não só atua, como escreve. Mãe de Benjamin, 8, e Antônio, 6, frutos de sua relação com o também ator Vinícius de Oliveira, Sara estreia neste sábado a versão online de “Sonhos pra Vestir”, de sua autoria, com direção de Vera Holtz.  A peça fala de sonhos e de seu pai, falecido em 2007, mas que foi grande inspiração na vida dela. Aliás, os pais sempre foram grandes apoiadores de Sara, desde pequena, quando ela, aos 10 anos de idade, decidiu que seria atriz.

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Está não é a primeira vez que Sara se arrisca no mundo audiovisual. Além de já ter feito cinema e TV – onde sua mais recente participação foi em “Todas as Mulheres do Mundo”, da TV Globo, ela apresentou 12 sessões online de seu monólogo “Dora”, que conta a história da estudante de medicina mineira Maria Auxiliadora Lara Barcelos – a Dora, que foi presa, torturada, exilada e suicidou-se na Alemanha em 1976, aos 31 anos.

Ela tem aproveitado a pandemia, que diz ser um período em que todos nós estamos nos reinventando, para trabalhar bastante e pôr em prática seus projetos teatrais em formato digital. Vale a pena acompanhar, atriz-raiz, Sara não perde tempo e se reinventa para manter vivo seu projeto mais importante: a arte.

Leia a seguir entrevista dada via Zoom ao RG.

Como surge a atriz?

Com dez anos de idade eu disse para os meus pais que eu queria ser atriz, muito novinha, mas meus pais falaram “vamos”.  Sempre me apoiaram muito. Minha mãe tinha trabalhado com a Dra. Nise da Silveira, no Rio, quando ela fez um estágio como psicóloga, então ela procurou aqui em São Paulo uma escola que tivesse as raízes de Nise, e fui estudar no Ventoforte, e eu nunca mais parei. Me lembro que com 15 anos aquilo [o teatro] já era muito sério para mim, fiz muito teatro. Recentemente, há dez anos, eu comecei a fazer cinema e mais recentemente TV.

Conte um pouco da peça “Dora”.

A “Dora” é uma peça muito curiosa porque eu fui fazer um filme, um documentário, em que eles queriam que a atriz lesse cartas da Maria Auxiliadora, que foi uma guerrilheira brasileira, estudante de medicina, muito inteligente, incrível, e que lutou contra a ditadura no Brasil. Quando eu conheci essas cartas eu fiquei muito mexida com a história dessa mulher, e fiquei com isso guardado dentro de mim. Meu pai também se envolveu com a ditadura, ele foi preso, exilado, morou muito tempo fora, e aquilo tocou numa história pessoal minha, a história da Dora. E agora nessa pandemia eu estava com essas cartas e a família dela já havia dito que eu poderia usá-las, eles tinham me dado essa confiança e eu resolvi escrever e trazer a peça, então foi uma escolha minha. Eram cartas da Dora trocadas com a mãe dela, eram cartas muito afetivas. Então a gente trata desse período da história de uma maneira muito íntima, muito afetiva. Primeiro nasceu um curta que foi para Tiradentes, e agora vai para outros festivais, e depois a peça online, que nós fizemos 12 apresentações.

Foto: Fabio Audi

E como foi a experiência de fazer peça online?

Tem um lado que é assustadora porque tanto tempo com público, com trocas, as minhas peças sempre são interativas, eu respiro com o público. Mas tem um lado de você estar na sua casa, de transformar a casa, que também é desafiador. Mesclar essa experiência do audiovisual com o teatro é descobrir novas linguagens, novas imagens, porque a gente não está fazendo cinema realista do jeito que a gente conhece, a gente pode explorar uma coisa mais imagética, mais livre mesmo, foi muito legal. Eu tive um grande parceiro, que foi a Henrique Landulfo, que  é de cinema, então ele vinha aqui e a gente montava, ele fez a direção de fotografia. Muita gente envolvida com cinema, mas é um produto híbrido, acho que estamos conhecendo agora essa nova expressão. Eu fiz várias apresentações, e eram ao vivo, então o público sabia que eu estava aqui. Mas a gente fica morrendo de vontade de voltar para o palco, né?

E como você se preparou para esse papel?

É um papel difícil, mas que eu venho me preparando desde que tenho mexido na história do meu pai. Depois eu fiz uma peça chamada “Guerrilheiras ou Para a Terra Não Há Desaparecidos”, da Grace Passô, que eu mexi nesse material com outras atrizes. E fiz um filme chamado “Deslembro”, que foi até para o Festival de Veneza, um filme que foi muito bem recebido. Então esses trabalhos todos dão conta da minha pesquisa, do momento da ditadura, da história do meu pai, da história do Brasil, em um momento de tanto negacionismo, para mim era muito importante falar isso. Essa mulher [Dora] não vive mais, mas se ela estivesse aqui ela poderia estar nos ajudando a pensar, a sair desses problemas que a gente está vivendo, então eu quis trazer a voz dela de volta. As pessoas diziam que era um trabalho muito duro, mas depois que viam a peça, diziam “que bom que eu vi, “que bom que dá para lutar”. E no fundo essas pessoas que lutaram deixaram um legado, porque entregaram o corpo, os pensamentos.

É um monólogo que tem a voz da Dora mesmo, e outras vozes da época, porque conseguimos esses áudios. E tem a participação da minha mãe, que faz a Dora [já idosa]. Coincidentemente minha mãe nasceu no mesmo ano da Dora, também em Minas Gerais. Então a minha mãe fecha a peça como se fosse a Dora. É bem emocionante.

E “Todas as Mulheres do Mundo”, como foi a experiência?

Foi uma coisa muito maravilhosa que veio para a minha vida, porque eu fui muito amiga do Domingos Oliveira (1936-2019), na época em que eu morei no Rio, cheguei a morar com eles. Foi um tempo que eu fui para ficar um tempo, mas começaram a surgir trabalhos e eu fui pulando de casa em casa e a deles foi uma delas. Fomos muito amigos, fui assistente dele, fiz um filme com ele. Então quando veio o convite ele tinha falecido há pouco tempo. Aí eu fui fazer uma leitura, com a Maria Ribeiro, a Patrícia Pedrosa, e os diretores, depois eles me levaram para conhecer o espaço de pesquisa de “Todas as Mulheres do Mundo”. Eu me lembro que saí de lá muito emocionada e liguei para a Priscila, esposa do Domingos, contando que ele virara estudo. Foi uma forma de ficar próxima dele novamente, e fiz com muito carinho. Fiz com pessoas maravilhosas, o Fábio Assunção, a Maria Ribeiro, o Emilio Dantas. Foi um presente mesmo.

E como é trabalhar com Vera Holtz? Vamos falar de “Sonhos Para Vestir”. 

A Vera Holtz é muito grande. Eu a conheci há 11 anos, ela foi me assistir em uma peça e nós nos conectamos muito. Quando surgiu a ideia de fazer “Sonhos Para Vestir”, estávamos eu e a Analu Prestes, que já era minha amiga há muito tempo, a Vera também é muito amiga da Analu, então o nome dela [Vera] surgiu facilmente, porque ela tem uma capacidade de ver as coisas com muita profundidade e leveza. Então eu fui levar o material para ela, disse que queria tratar desses sonhos, desses desejos muito íntimos, que às vezes a gente passa vida toda falando. Sonhos acordados, hipóteses de vida muito radiantes, que às vezes a gente tem capacidade de realizar, mas acabou levando nosso cotidiano para outros lugares. Eu estava com esse questionamentos quando fui levar a ideia da peça para ela. Aí, durante o papo, eu comecei a falar do meu pai, que ele era um cara que me mandou cartas muito positiva, me incentivando, a vida inteira quando ele era vivo, ele faleceu em 2007. Ele apostava muito na ideia de criarmos modos, de apostarmos nas coisas que a gente deseja. Então a Vera disse, “mas Sara, você não está só querendo falar sobre sonhos, você está querendo falar sobre seu pai”. Ela diz que fez a direção como uma acupuntura, ela tocava em alguns pontos e eles reverberavam. E nós trouxemos o meu pai para dentro da peça, de forma poética, dessa relação e dessa figura muito luminosa que ele era, desse grande sonhador e humanista que ele foi. Nós bebemos muito de poesia para que as pessoas também se identificassem. Foi uma peça muito despretensiosa, nosso encontro foi muito sincero e nós nos dedicamos muito.

O cenário tem umas lampadazinhas que foram todas bordadas com muita delicadeza, pela família da Vera, a Analu também, e acho que agora com essas apresentações online o público vai poder perceber esses detalhes. A peça nasceu em 2010, há dois anos fomos convidadas para fazer apresentações em um festival na África, eu e Vera fomos para Cabo Verde, foi nossa última apresentação ao vivo, em um teatro que estava lotado.

Eu acho que hoje em dia, em uma época de tantos lutos, muitas perdas, essa peça que fala de uma perda, mas de uma maneira muito leve, pode ajudar as pessoas a elaborarem melhor.

Foto: Fabio Audi

E como foi atuar ao lado dos seus filhos?

A peça era muito interativa, eu tirava palavras do público e tal. Aí a Vera sugeriu que eles participassem da versão online. Eles não conheceram o avô, mas escutam muito sobre ele. E resolvemos experimentar com os meninos, que estão aprendendo a ler e a escrever agora. Então eles escrevem palavras no meu braço, deram verbos, e foi muito emocionante. Eu não esperava eles terem a oportunidade de encontrar o avô que eles não conheceram. Foi realmente muito emocionante. Diferentemente de “Dora”, “Sonhos Para Vestir” não é ao vivo, foi gravado. Mas foram muito especiais essas gravações, porque tem uma hora em que o Benjamin conversa com o avô.

Nestes sábado (12.06) e domingo (13.06) há duas apresentações dessa peça em versão online, qual sua expectativa? 

Nós quisemos começar com essas duas exibições para sentirmos como vai ser. Eu estou com uma expectativa alta, porque achei muito bonito o que foi feito. Muita pessoas viram a peça e estou curiosa para saber o que elas vão achar desse novo formato, gravado e online.

E você pretende transformar essa peça em filme?

Acho que não, porque seria um filme muito diferente, já que a peça é muito poética. Se fosse para fazer para o cinema eu traria outras histórias também.

E quais são seus próximo projetos?

Olha, o futuro está muito incerto. A nossa classe teatral, classe artística está pisando em ovos, projetos que são adiados, muitas produções paradas, a gente não sabe quando as coisas vão voltar. Por enquanto o que eu tenho de certo são esses trabalhos teatrais nesse formato online. Vamos ver como vai ser essa estreia e trabalhar outros materiais já feitos, como o “Dora”, que vai participar de outros festivais.

Você é feminista?

Sou. Eu acho que hoje em dia a mulher, sobretudo depois que eu virei mãe, é uma realidade muito concreta como a gente sente a desigualdade de gêneros. É uma das primeiras pautas, porque são muitos séculos de opressão. A nossa dificuldade de ser protagonista na escrita, de contar as histórias como queremos contar. Eu trabalho com muitas mulheres diretoras, e acho que isso faz diferença, as mulheres que escrevem, que dirigem, que atuam. Acho que o dia a dia é muito opressor para a mulher, trabalhar, cuidar dos filhos. São questões que temos que lutar diariamente. Eu digo que o machismo está dentro de cada um de nós de acordo com a forma como fomos educados. Mesmo para a minha mãe, que trabalhou, que deu muitos passos, estava impregnado nela muitos pontos machistas. O meu feminismo vive lutando contra o machismo dentro de mim, a cada dia, quando eu tomo frente a certos assuntos que eu acho que deveria caber a mim. Eu tento deixar essa pauta sempre acesa em todos os ângulos da minha vida.

E a causa preta? 

É uma pauta igualmente importante, já fiz pesquisas e peças sobre isso. Meu pai foi padre em Volta Redonda (Rio de Janeiro), e ele foi exilado porque foi defender operários. Ao ser exilado, na França, ele largou a batina e foi estudar psicanálise. No exílio ele ficou um tempo na África, na época do Milton Santos. Então nada década de 1970, quando ele voltou para o Brasil, isso já era uma causa muito grande na vida dele, como o racismo estrutural. Em casa, a gente sempre discutia sobre isso, e, às vezes, eu não entendia do que ele falava, por sermos brancos, mas, rapidamente, eu comecei a perceber do que era feito o Brasil e como se dava o racismo. Com 20 e poucos anos eu fui para a Bahia e comecei assistir cerimônias de candomblé. Acabei sendo feita no candomblé [iniciação ao culto], que é uma coisa muito importante na minha vida. Eu me aproximei da cultura religiosa africana de uma maneira muito, muito profunda, e tenho um respeito e uma admiração e vejo muita potência. Então toda essa representação de violência ligada ao negro me fere no sentido que eu queria estar falando dessa potências toda, da nossa influência negra, de todas as influências afirmativas da cultura negra no Brasil. E a gente vai sendo soterrado só por casos de extermínio. Não podemos falar que são balas perdidas, elas têm alvo. E é muito triste a gente ter que continuar falando sobre isso, sendo que a gente ainda tem que falar muito sobre a história do negro no Brasil, da influência, da força, da cultura, da música, de como a gente é formado por dentro com tudo isso. Eu acho que vamos ter que enfrentar coisas muito sérias para sair desse problema.

Foto: Fabio Audi

E como você lida com as redes sociais?

Olha, eu fiz uma série chamada “Segunda Chamada”, da Globo, antes de “Todas as Mulheres do Mundo”, e um colega ator disse: “Sara, agora que eu vi que seu Instagram é fechado!” Faz um ano e meio que eu abri o meu Instagram, esse amigo me ajudou, porque eu não sabia nada, que tinha que colocar que era pessoa pública, não sabia nada, nada. Então há pouco tempo que eu venho investindo nisso. Eu gosto de olhar, de ler, mas é algo recente ainda a minha relação. Eu estou aprendendo, mas quero aprender com moderação, porque às vezes a gente fica muito tempo.

E como você cuida da beleza?

Eu gosto de cuidar com coisas naturais. Durante a pandemia, eu moro em uma casa, então plantei muita coisa. Eu gosto de pegar a babosa, por exemplo, misturar com mel, azeite. Todas as receitas que eu vou aprendendo a lá Bela Gil, eu faço. Gosto muito de me cuidar, sobretudo nesse período em que a gente está tão isolado. Tem um amigo que diz que todo mundo está vendo as rachaduras da casa, as rugas, que o rosto está mais velho, mas que na verdade é só que temos mais tempo agora para ver essas coisas.

“Sonhos Para Vestir”

12 e 13 de junho, às 20h.

Mais informações: sympla.

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