Zezé Motta diz que quer viver uma grande paixão 

Foto: Alllexandros/@alllexandros

Ela não precisa de apresentações, é uma artista com um currículo cheio de sucessos e um talento sem fim. Zezé Motta conversou com a redação de RG deitada em uma cama por conta de uma inflamação no joelho, acabara de tomar uma injeção de cortisona para acalmar sua dor. Apesar disso, sua gentileza e atenção não foram menores, muito pelo contrário, esteve disposta a conversar bem-humorada e cheia de lembranças da carreira e contou sobre seus planos.

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Aos 76 anos, preste a completar 77 no dia 27 de junho, a artista conhecida pela infinidade de papéis que interpretou na TV, no cinema e no teatro, ainda quer fazer shows e está lendo dois roteiros de cinema para interpretar assim que a pandemia passar, além de um seriado. Vacinada com a Coronavac, já tomou as duas doses, ela ainda é vice-presidente do Retiro dos Artistas e leva com muita determinação sua função no cargo. Zezé prepara dois shows para depois da pandemia, um com músicas de Caetanos Veloso, que ela vai retomar após cerca de 30 anos de pois de uma apresentação única, além de tê-lo feito em uma live durante o isolamento, e um de sambas, de seu mais recente trabalho, “O Samba Mandou Me Chamar”.

Apaixonada pela vida, diz que a coisa mais importante que faz atualmente é agradecer por estar viva todos os dias quando acorda. Mas quer mais. Ativista da causa negra desde sempre, acredita que a demanda preta é imprescindível e urgente, e leva sua voz para não deixar que a questão fique sob a sombra. “Eu sempre participei. Eu participo aproveitando o espaço que eu fiz na mídia para cobrar, cobrar, denunciar, lembrar ‘hei, estamos aqui’. É claro que eu não posso reclamar porque eu não paro de trabalhar, e  tem muita gente sem espaço na mídia. Mas eu sinto que essa nova geração de negros está muito antenada.”

Sobre o atual governo federal, acha triste e vê como um desgoverno. “A gente está vivendo um momento muito, muito difícil, porque são as perdas, ontem mesmo eu perdi um amigo, esse desgoverno cerceando nossos espaços, nossos sonhos. É uma momento bem complicado. Porque a gente batalhou muito contra a ditadura, pela liberdade de imprensa, enfim, pelo direito de ir e vir etc. e, de repente, a gente está em um desgoverno que a sensação que dá é que nós andamos não sei quantos mil passos para trás.”

Presente nas redes sociais, Zezé dá o crédito do trabalho a seu produtor, Vinícius Belo, mas, ainda assim, mesmo que com ajuda dele, ela não para. Além da postagens frequentes, a artista fez durante a pandemia cerca de 70 lives, algumas delas com shows musicais. Atualmente solteira, entre seus sonhos está o de encontrar uma grande paixão. “E quanto aos meu projetos eu pretendo viver uma grande paixão, quer dizer, estou exagerando, mas é que sou movida a paixão. Eu espero ainda me apaixonar, essas coisas. Eu não gosto de ficar sozinha, não precisa casar, entendeu?”

Leia a seguir íntegra da entrevista feita por telefone com RG.

Como você tem passado a pandemia?

Ai, tempos difíceis, né? Como todo mundo, com altos e baixos. Tem dia que é difícil, mais as perdas, é complicado.

Você já foi vacinada? 

Sim, já tomei as duas doses. Como sou vice-presidente do Retiro dos Artistas, e eventualmente tenho que ir lá, tinha que estar imunizada. Tomei logo no primeiro dia de vacinação no Brasil. 

Queria que você contasse um pouco da sua infância.

Nossa, já foi há tanto tempo, daqui a pouco vou fazer 77 anos. Eu nasci em Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, vim para a cidade do Rio muito pequena e fui para um colégio interno, em Botafogo, onde fiquei dos 6 aos 12 anos, quando saí e passei a ajudar a minha mãe no ateliê de costura que era dela. Estudei contabilidade e artes dramáticas. Contabilidade porque quando falei para o meu pai que eu queria fazer artes dramáticas, ele disse que me deixaria ser atriz quando eu tivesse um outro diploma mão, ter uma outra profissão, porque se não desse certo eu teria como sobreviver. Mas eu nunca exerci a profissão de contadora, fiz apenas um estágio que fazia parte do curso. Quando eu me formei em contabilidade, também me formei no Teatro Tablado, aí, logo depois da minha formatura eu fui fazer um teste, passei e estreei na peça “Roda Viva”, do José Celso Martinez Corrêa, do Grupo Oficina. Como eu passei no teste e já comecei a ensaiar a peça, eu nem sequer fui buscar meu diploma de contadora. Agora eu tenho uma lembrança do meu curso de contabilidade, é que o Paulinho da Viola estudava na mesma instituição, e eu sempre o encontrava por lá. 

Foto: Alllexandros/@alllexandros

Você se casou cinco vezes, quantos filhos você tem? 

Eu não pude ter filhos, então eu tenho filhos do coração. São três meninas e um menino, e tenho três netos. Só que eu também terminei de criar duas sobrinhas na adolescência, vieram morar comigo, e saíram só para se casar, e elas me chama de mãe. Então, por conta das sobrinhas, são no total seis netos.

Você está solteira, casada, apaixonada?

Eu estou solteira. Esperando o cara certo olhar para os lados (risos).

O fato de você ser uma mulher bonita e sensual ajudou na sua carreira?

(Gargalhada). Acredito que sim, porque com o sucesso de “Xica da Silva” eu sempre era convidada a fazer outros papéis bem sensuais. O Nelsinho Motta, meu compadre, eu sou madrinha de uma filha dele com a Marília Pêra, ele brinca comigo que os diretores não pediam, quando eu era jovem, para eu tirar a roupa, não, falavam ação e eu tirava a roupa (risos). Eu não sei qual seria o caminho não fosse por aí [pela beleza e sensualidade], mas foi um período da minha vida, durante a juventude. Eu tenho muita gratidão, que mesmo depois que passou essa fase da sensualidade, eu me mantive em cena, independentemente disso. Eu estou em cena há 54 anos. Estou aqui esperando a pandemia [passar], com dois roteiros de cinema, um seriado, uma trabalho de música que eu também quero levar adiante. Na verdade, quando começou a pandemia, eu estava ensaiando havia 15 dias um seriado baseado no texto da Fernandinha Torres, do livro “Fim”, mas tivemos que parar. E durante a pandemia recebi convite para participar da segunda temporada de “Arcanjo Renegado”, da Globoplay, e estou lendo dois roteiros de cinema.

Você me perguntou como eu passei a pandemia, teve uma coisa que facilitou muito a minha vida, que é o meu produtor, o Vinícius Belo, que é muito dinâmico, então eu trabalhei muito, fiz cerca de 70 lives, três delas musicais, e fiz algumas campanhas para empresas. Tudo remunerado. 

Quais papéis da sua carreira são os mais marcantes?

Ah, todos são, né? Olha, sem dúvida nenhuma Xica da Silva, a Dandara, de “Quilombo”, que foi muito importante na minha carreira. Nossa, em teatro eu fiz muita coisa. Mas a minha estreia em “Roda Viva”, sem dúvida, foi muito importante, eu fazia parte do coro, tive uma participação muito interessante na peça. O coro fazia vários personagens, uma hora nós éramos os fãs do ídolo, e rasgávamos a roupa dele toda, outra hora nós éramos mendigos, estudantes. Estávamos em plena Ditadura.

Você sendo uma multiartista, tem como escolher o que lhe encanta mais, se é TV, cinema, teatro ou música?

(Risos) Eu sempre me sinto entre a cruz e a espada quando me perguntam isso, porque eu adoro representar e adoro cantar, então, é muito difícil escolher. Eu fico feliz mesmo quando o trabalho junta as duas coisas. Muitos podem dizer que depois que eu comecei a cantar o teatro ficou em segundo plano, mas eu não tenho essa sensação porque meus shows de música são muito teatrais, procuro em cada música qual é o personagem, e brinco muito com isso. E eu paro para conversar com a plateia, eu improviso muito, enfim, durante o show de cantora a atriz está muito presente.

E tem algum trabalho seu, seja na representação ou na música, que você gostaria de repetir, de fazer novamente?

Tem, sim, na verdade eu estou só esperando passar tudo isso para retomar. Eu fiz muitos anos atrás um show só com músicas do Caetano Veloso, chama-se “Coração Vagabundo – Zezé Canta Caetano”, eu fiz há uns 30 anos, e agora na pandemia o Marcus Montenegro, meu empresário, recebeu essa proposta, nós adoramos e foi um dos shows que fiz durante a pandemia, e me deu uma saudade, porque há 30 anos eu fiz esse show só um dia, e na pandemia só um dia também, então queremos fazer uma temporada. 

Como você vê atualmente os movimentos em prol da cultura preta? Você participa?

Eu sempre participei. Eu participo aproveitando o espaço que eu fiz na mídia para cobrar, cobrar, denunciar, lembrar “hei, estamos aqui”. É claro que eu não posso reclamar porque eu não paro de trabalhar, e  tem muita gente sem espaço na mídia. Mas eu sinto que essa nova geração de negros está muito antenada. 

Você se sente privilegiada?

Sem dúvida. Todos os dias quando eu acordo minha palavra é gratidão. A Deus, ao universo, a todas as pessoas que me ajudaram na carreira.

E você sofreu muito perrengue pelo fato de você ser negra?

Passei por situações de ser recusada para um comercial, gravamos um piloto que era um cliente de gente de classe média e ele disse que a classe média não ia aceitar. Mas não só na carreira, na vida mesmo, eu sou de um tempo em que sendo negro, mesmo você estando bem vestido, não entrava pela porta da frente dos prédios. Já passei por isso, de ir visitar um amigo e o porteiro me apontar a porta dos fundos simplesmente pela cor da minha pele. É uma coisa muito louca, é bizarro isso no Brasil, né? Um País tão miscigenado e ainda tem esse tipo de coisa. 

E feminismo, como você se coloca a respeito disso? 

Eu me considero uma feminista, mas não faço parte de nenhum movimento, é no dia a dia mesmo. Vinte quatro horas por dia a gente tem de estar se protegendo, se defendendo, enfim, tentando virar esse jogo. 

E redes sociais, Zezé, você acha importante estar presente? Porque você é bem ativa.

Não sou muito, não (risos). Essa coisa com as redes sociais tem muito a ver com o trabalho do Vinícius [Belo] mesmo, ele não me deixa sossegada, diz “‘vambora’, vamos fazer isso, mostrar aquilo”. Tudo o que eu faço sai nas redes sociais, mas é ele quem posta. Eu mesmo na pandemia fiz muitas coisas, e apareceram lá. Essa semana mesmo eu vou gravar um audiolivro para o Marcus Montenegro, e estou aqui terminando de ler o livro, já li 100 páginas das 157. Vou passar três dias seguidos gravando. É um livro de autoajuda, sobre realização. 

O que você acha do governo federal e a sua política anticultura?

Eu sinto uma profunda indignação e tristeza. A gente está vivendo um momento muito, muito difícil, porque são as perdas, ontem mesmo eu perdi um amigo, esse desgoverno cerceando nossos espaços, nossos sonhos. É uma momento bem complicado. Porque a gente batalhou muito contra a ditadura, pela liberdade de imprensa, enfim, pelo direito de ir e vir etc. e, de repente, a gente está em um desgoverno que a sensação que dá é que nós andamos não sei quantos mil passos para trás. É muito triste.

Foto: Alllexandros/@alllexandros

E o que é mais importante na sua vida atualmente?

(Gargalhada) O mais importante é acordar e dizer “estou viva”. 

Como você cuida da beleza, você é vaidosa?

Sou, muito, aliás eu estou muito preocupada porque eu acho que engordei uns oito quilos, ou mais, ainda não me pesei direito. Inclusive meu médico pediu para eu perder um pouco de peso por conta do problema que estou tendo no joelho. Mas eu me cuido, sim, sou vaidosa, canceriana, filha de Oxum, ela é a mais vaidosa dos orixás, está sempre com um espelho na mão e se veste toda de dourado. Adoro muitos cremes, perfumes, roupas. E agora estou preocupada, porque quero ficar boa desse joelho para poder voltar a caminhar. 

Isso que eu ia te perguntar, você faz alguma atividade física?

Faço, sim, desde pequena. Eu fazia pilates, adoro caminhadas, mas nadar eu não sei não. E estou sentindo muita falta de fazer exercício. 

E você pretende gravar um álbum novo?

Antes da pandemia eu tinha lançado um CD cujo título é “O Samba Mandou Me Chamar”, só de sambas, é um álbum muito bonito e que nós não chegamos a trabalhar, eu fiz uma apresentação no Rio, outra em São Paulo, e agora eu quero dar continuidade. Eu gosto de ter mais de um projeto pronto, porque o “Zezé Canta Caetano” é um show mais intimista, piano e voz, e esse não, tem uma banda e tal. E a gente vai retomar. 

E quanto aos meu projetos eu pretendo viver uma grande paixão, quer dizer, estou exagerando, mas é que sou movida a paixão. Eu espero ainda me apaixonar, essas coisas. Eu não gosto de ficar sozinha, não precisa casar, entendeu? Eu moro sozinha, mas com tantos filhos e netos, eu nunca estou só, e, no momento, um sobrinho meu da Bahia, que veio fazer um curso aqui [no Rio], está em casa comigo. Aqui em casa é tipo um rodízio.  

Créditos

Fotos: Alllexandros – @alllexandros.
Styling: Dayana molina – @molina.ela.
Beleza: Teodoro Jr. – @makedoteo.
Assistência de fotografia:  Danielle Macario – @daniellemacario_.