Cultura

Érico Brás: “As redes sociais são um triturador de personalidades”

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Foto: Leonardo Pequiar

O ator e apresentador Érico Brás, que atualmente está no programa “Se Joga”, da TV Globo, ao lado de Fernanda Gentil, começou cedo na vida artística. Aos sete anos já fazia teatro no subúrbio de Salvador. “Era um teatro de igreja, mais para divertir e tal. E acabou que virou muito sério, porque nós éramos muito respeitados no que fazíamos”, conta. Sua vida como profissional acontece quando entra para o Bando de Teatro Olodum. 

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De lá para cá, Brás fez muitas coisas no teatro, no cinema e na televisão. Seus  papéis mais marcantes, na opinião dele, são o Reginaldo, de “Ó Pai, Ó”, que revelou uma porção de atores gigantes, e o Jurandir, de “Tapas & Beijos”. “O Reginaldo foi muito marcante porque ele me coloca no cinema, na televisão. E eu tenho um carinho muito especial por ele por ser do Bando”, lembra.

Mas Brás não só atua, ele dança, canta, compõe, toca violão e está escrevendo um livro. Não quer dar spoiler sobre a obra, mas diz que é um livro sobre a vida. “Vou falar sobre a minha vida, sobre experiências, sobre redes sociais, racismo, a vida em si.”

Sobre as redes cosias, inclusive, é bastante crítico, vê como as coisas acontecem e analisa a depressão coletiva que envolve esse mundo das redes. “Com qualquer conteúdo que seja interessante, dificilmente você vai conseguir 1 milhão de seguidores, é muito difícil, por isso que eu digo que [a rede social] é excludente.” 

Ativista, Brás fala muito sobre racismo, mas diz estar cansado de ter de ensinar o que isso significa, porém nem por isso se cala, muito pelo contrário, ele entende a necessidade de se colocar, mas não está aí para ser professor de brancos racistas. “Acho que racista é racista e é problema dele, ele tem que resolver, porque se nós, as pessoas pretas, tivermos que resolver só tem uma forma: cadeia.” E ele está certo, tem que haver formas mais duras de combater esse problema sério que tanto aflige o Brasil.

Brás teve uma conversa longa e interessante com RG via Zoom, onde contou que quer ter um promana dele e muito mais. Leia íntegra da entrevista a seguir

RG – Como tem passado a pandemia?

Érico Brás – Cara, como todo mundo, cheio de ansiedade, aproveitando o tempo para fazer coisas que eu não fazia, mas tem uma hora que enche e você fica meio murcho. Estou seguindo os protocolos, como usar máscara, manter o distanciamento, lavar as mãos, não fazer aglomeração e esperar a hora de ser vacinado. Eu tenho ficado muito em casa, às vezes tenho um pico de ansiedade, de angústia, de tristeza, mas a esperança é maior do que tudo, que a vacina chega já, já para podermos voltar ao normal. 

RG – Você é casado? 

Érico Brás –Eu moro com minha esposa, Kênia Dias. Eu tenho uma filha, Érica, mas ela mora em Salvador. Eu moro com Kênia, fazemos companhia um para o outro, às vezes ela fica no ateliê, aí eu fico mais sozinho. Ela é escritora, participa das Mulheres Negras na ONU, já fez algumas coisas de teatro e cinema comigo. 

RG – Voltando lá atrás, como nasce o ator Érico Brás?

Érico Brás – Eu comecei teatro aos 7 anos de idade, no subúrbio de Salvador, era um teatro de igreja, mais para divertir e tal. E acabou que virou muito sério, porque nós éramos muito respeitados no que fazíamos. Aí cedo eu já decidi que eu queria ser ator, fazer televisão, cinema. E fui perseguindo isso até me profissionalizar, que foi por volta de 1999, no Bando de Teatro Olodum, mas eu já tinha feito muita coisa em teatro desde criança. Quando entrei no Bando foi a grande virada, porque tive certeza de que não ia fazer outra coisa senão ser ator, porque até então eu trabalhava em outras coisas, eu fui empacotador de supermercado, professor de educação artística. Ser ator surge da necessidade de te uma opinião crítica da sociedade, porque eu sempre tive muito contato com as questões políticas.

RG – Quais foram seus principais papéis na carreira? Os que mais lhe impactaram.

Érico Brás – Eu gosto de todos os personagens que fiz, mas tem dois que foram importantíssimos: o Reginaldo, de “Ó Pai, Ó”, que é uma obra que o mundo inteiro viu e fala dela até hoje, foi uma revelação de muitos atores. Então, o Reginaldo foi muito marcante porque ele me coloca no cinema, na televisão. E eu tenho um carinho muito especial por ele por ser do Bando; e o Jurandir, de “Tapas & Beijos”, que já é uma outra fase da minha vida. Fiquei cinco anos com aquele elenco maravilhoso, e de modo especial o Flávio Migiaccio, que morreu, que era um mestre de cena, eu convivia com ele todos os dias de segunda a sexta. E todos os outros atores, a direção do Maurício Farias, que foi genial. Foi mais uma escola para mim e que me firmou no cenário da televisão.

Foto: Leonardo Pequiar

RG – Como acontece o “Se Joga” na sua vida?

Érico Brás – Já tinha uma tempo que eu tinha muita vontade de ser apresentador. Eu sempre me via nesse lugar, eu posso ser um ator, apresentador. Por outro lado, surge da necessidade de termos pessoas negras nesses espaços, nesses lugares, porque nós não temos ainda uma quantidade significativa. Os programas não colocam pessoas negras apresentando, o que é muito ruim. Mas o “Se Joga” chega e eu fui convidado para fazer, e eu fiquei muito feliz, porque houve um planejamento para isso. 

RG – Como é trabalhar com Fernanda Gentil, conte sobre essa parceria?

Érico Brás – Maravilhoso, ela é parceirona, joga junto, é generosa.

RG – Você já tem 23 anos de TV, como é voltar às gravações do programa agora após a paralisação por conta da pandemia? Qual sua expectativa?

Érico Brás – É muito boa, a gente tem conseguido bater a audiência, tem conseguido arrumar o programa, porque esse formato agora é para o sábado à tarde, então está muito gostoso de fazer, superpositivo, e uma coisa que eu falei, embora a gente tenha que ter tido de parar por causa da pandemia, é que a gente merecia ser feliz com esse programa, e a gente está sendo feliz. 

RG – Tirando o “Se Joga”, você está com outros projetos? Cinema, teatro?

Érico Brás – Por enquanto, não. Na pandemia eu estou bem em casa fazendo coisas, escrevendo, pintando, comecei a fazer umas coisas de artes plásticas, voltei a compor, estou mexendo nesses outros canais. Eu acho que artista tem que fazer tudo aquilo que ele acha que tem aptidão. No Brasil a gente tem a mania de dizer que o cara é só ator, não, ator canta, dança, pinta, compõe. 

RG – Multiartista?

Érico Brás – Não, um artista, porque um artista é uma pessoa que tem as artes dentro de si. 

RG – Você toca algum instrumento?

Érico Brás – Eu toco violão em casa, para mim, mas no teatro eu toco qualquer coisa, porque tem a partitura e você estuda, eu tenho facilidade com isso.

RG – Você é bem ativo na causa negra e nas redes sociais, como é ser eleito um dos 100 negros mais influentes do mundo? E qual a importância disso para você?

Érico Brás – Eu sempre respondo a essa pergunta, mas ela é muito importante. Essa nomeação é recheada de responsabilidade. A primeira é que o trabalho que eu venho fazendo ao longo da minha vida, dedicando parte da minha vida para explicar aos brancos o que é racismo, e que inclusive eu estou de saco cheio disso, valeu a pena, salvou vidas, transformou a sociedade, isso é muito bom. Por outro lado me dá responsabilidade. Eu preciso continuar fazendo, e a forma é essa, é não ter tolerância com branco racista, sabe? Acho que racista é racista e é problema dele, ele tem que resolver, porque se nós, as pessoas pretas, tivermos que resolver só tem uma forma: cadeia. Pagar pelos atos racistas, processo. Quer ser racista, querida? Seja, mas vai pagar por isso. Quando me chamam para lives de conscientização para ensinar branco sobre racismo, isso me enche o saco, porque com tanto canal de informação, com tantos fatos, a gente ainda tem que parar para responder aos brancos. Quem quer fazer mesmo não empresta a senha da rede social para um negro assumir a conta por que tem 10 milhões de seguidores, não é isso, isso não vai salvar, o jeito é salvar as pessoas que estão na favela, a menina preta que está lá, todo mundo na idade produtiva e ao mesmo tempo na mira da bala. 

Foto: Leonardo Pequiar

RG – Mas isso se tornou um hábito, artistas e influencers liberando suas contas para pessoas negras, trans…

Érico Brás – Virou um hábito e está tudo bem, cada um faz o que quer, eu é que não topo isso. Eu acho que o avanço vem de outro lugar. Não existe um problema como o racismo no Brasil. O racismos é um sistema, um sistema criado pelos brancos. Não há como resolver isso que não seja pela via do poder, e a única via de poder capaz de começar a resolver isso é o dinheiro, empoderamento financeiro. A gente tem dez apresentadores na TV Globo, cinco têm que ser pretos, têm que ser gays, trans. Isso é empoderar. Agora ficar com papo nas redes sociais, “ah, porque eu sou solidário”, solidariedade nas redes não mata fome, solidariedade nas redes não coloca dinheiro na sua caderneta, não te dá o poder de escolher, e quando você tem dinheiro você pode escolher. Quem não tem o que comer vai escolher o quê? 

RG – Fale sobre seu trabalho como Conselheiro do Fundo de População da ONU, como acontece?

Érico Brás – A comissão agora está um pouco parada, por conta da pandemia, é um trabalho onde a gente se reúne uma vez por ano para traçar diretrizes para atacar os problemas sociais. O que fazer com a juventude brasileira e como as artes podem contribuir para a transformação social. E como a gente pode atacar o governo para uma maior responsabilidade com as comunidades. E eu fico muito feliz quando a gente consegue algum contato, quando alguém lê um email. 

RG – O que são as rede sociais para você?

Érico Brás – Eu acho necessário no mundo que a gente está, não tem como não estar conectado neste mundo globalizado. Só que tem problemas, tem dois pontos. O primeiro ponto é que a rede social já se instalou, mas a rede social é excludente. Vou lhe dar um exemplo: blogueiros ou pessoas de movimentos interessantes e fortes negros têm uma quantidade de seguidores muito pequena. Se você não for branco ou branca, você tem que falar besteira nas redes sociais para ter milhões de seguidores. Com qualquer conteúdo que seja interessante, dificilmente você vai conseguir 1 milhão de seguidores, é muito difícil, por isso que eu digo que é excludente. Eu sou ativo nas redes sociais, confesso que, às vezes, me cansa, porque é ingrato, é uma espécie de mercado, que vai se modificando. Eu estou numa idade em que eu não quero sofrer mais, com nada, e as redes sociais são um triturador de personalidades, um formador de pessoas deficientes, um espelho para depressão coletiva que a gente vive no mundo, e mais especial no Brasil. A rede social é um espelho que alimenta isso, todo dia você se olha ali, e quando você olha, não é para si, mas para outras pessoas que estão iguais a outras, que estão mal, mas pelo fato de ser em bloco acham que isso é normal. Isso é uma característica da depressão coletiva, que é um termo que eu cunhei para um livro que estou escrevendo. E essa depressão coletiva é alimentada pelas redes sociais, é um verdadeiro buraco sem fundo. Quem cai nisso não consegue voltar. 

RG – Me fala do seu livro.

Érico Brás – Não vou dar spoiler. Vou falar sobre a minha vida, sobre experiências, sobre redes sociais, racismo, a vida em si.

RG – O que pensa sobre o feminismo? Defende a causa?

Érico Brás – É necessário, importante, mas a gente só precisa prestar atenção porque o feminismo é um movimento criado pelas mulheres brancas. O feminismo não atende a mulher preta. A mulher preta tem outras necessidades. Na fundação do feminismo não foi pensada a condição da mulher negra. Tem que se levar em conta a raça, as consequências históricas, a condição social. Era bom uma mulher preta falar sobre isso.

RG – Tem projetos futuros?

Érico Brás – Quero muito ter um programa meu. 

RG – Que tipo de programa?

Érico Brás – Ah, não sei ainda. Por enquanto eu estou satisfeito no “Se Joga”, a gente voltou há pouco, eu estou aprendendo. Mas no futuro, com certeza, eu queria um programa para mim.

Foto: Leonardo Pequiar

RG – E sonhos?

Érico Brás – Ah, minha filha, quem não sonha não anda de avião (risos). Eu tenho muitos sonhos, muitos. Mas sonho não se conta, porque sonhos são ideias que vêm de um lugar que a gente não conhece, e as ideias dos lugares que a gente não conhece são preciosas. Enquanto não materializá-las, não conto.

RG – Como cuida do corpo? 

Érico Brás – Eu faço tudo, eu como quase tudo, dá na telha eu vou malhar, não suporto academia, acho um saco, mas precisa ir, então prefiro sempre ao ar livre. Aí engordo, aí emagreço. Esse negócio é uma loucura. Tinha que ter uma fórmula que você tomasse uma vacina e ficava no peso que quisesse. Mas é isso, eu faço uma dietinha básica, fico ali honesto com ela, mas às vezes dou uma escorregada. 

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