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Nesta sexta-feira (29.01) é o Dia Nacional da Visibilidade Trans, data realmente muito necessária, principalmente no Brasil. O País lidera um vergonhoso ranking sendo a nação que mais mata pessoas trans e travestis no mundo todo. Em 2020, foram 175 travestis e mulheres transexuais assassinadas, apresentando alta de 41% em relação ao ano anterior (2019), que somou mais de 124 homicídios.
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Estes dados alarmantes e brutalmente vergonhosos fazem parte do dossiê feito pela Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais) divulgado nesta sexta. Mesmo com todas essas notícias lamentáveis, é notório que, cada vez mais, artistas trans de diferentes ramos do mundo cultural vem ganhado notoriedade e espaço no mainstreaming para ocupar o espaço que lhes cabem.
Pensando nisso, o RG conversou com cantoras trans e travestis que entoam suas vozes, na busca por esta igualdade: Raquel Virgínia e Assucena Assucena, integrantes do trio As Baías (o antigo As Bahias e a Cozinha Mineira), e a lendária cantora Urias.
As Baías – Raquel Virgínia e Assucena Assucena
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RG – Qual a importância que vocês têm junto à comunidade trans?
Raquel Virgínia – Difícil se autodeclarar importante para uma comunidade toda. A comunidade trans é muito diversa e tem várias frentes e linhas de pensamentos. Creio que para uma parte das pessoas trans, pode ser que nossa música e estilo de vida inspire e ajude a se relacionar melhor com os desafios que é ser trans nessa sociedade extremamente transfóbica.
Assucena Assucena – A nossa importância já se justificaria por nossa existência na vida, mas é na arte que ela manifesta sua relevância. Desde 2015 quando lançamos o nosso primeiro disco, nossa banda se despontou como a primeira em discutir “transgeneridade” na imprensa e por questionar a ocupação de espaços. Nós fomos as primeiras pessoas trans a ganhar o Prêmio da Música Brasileira e a ser indicadas ao Grammy Latino, por dois anos consecutivos. O fato de termos sido as primeiras não é reconfortante, mas é sinal que temos grandes desafios a superar e também a de silenciar narrativas e histórias de mulheres trans que foram silenciadas na vida e na arte.
RG – O que vocês podem comemorar neste dia 29 de janeiro, acreditam que os muros estão caindo?
Raquel Virgínia – Podemos comemorar nossa existência, isso devido à nossa ancestralidade que lutou muito para nos abrir caminhos. E comemorar que nós, cada uma à sua maneira, está dando continuidade à nossa existência e ao fato de estarmos vivas, embora com a vida sempre por um fio. Os muros ainda estão altos e muito difíceis de serem penetrados, mas creio que estamos escalando.
Assucena Assucena – Comemorar a vitória de Erika Hilton como a vereadora mais votada da cidade de São Paulo, comemorar que temos a Erica Malunguinho como deputada estadual na Alesp. Mudança, numa democracia, começa com representação política coerente.
RG – Vocês chegaram em um patamar artístico que muitas mulheres, trans ou não trans, sonham em chegar. Quais foram as maiores dificuldades encontradas para chegar até 2020 como cantoras de sucesso e com todo esse reconhecimento?
Raquel Virgínia – A maior dificuldade é fazer música e sua música ser consumida. Sempre querem consumir nossas pautas de gênero e em geral querem ouvir nossas histórias tristes – fazer disso um movimento quase que sensacionalista. Nossas histórias tristes rivalizam e a música muitas vezes fica pra trás.
Assucena Assucena – As dificuldades ainda existem, pois, a transfobia é tão real quanto cruel. Uma das maiores dificuldades foi acreditar que podíamos estar aqui consolidando nossa dignidade, quando estruturas machistas do mercado tentavam invisibilizar nossa música. Ainda bem que música não se vê, se ouve. Nossa voz chega mais longe que nossa imagem, quando se dão conta, as pessoas estão curtindo duas travestis.
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RG – Vocês fazem parte de um trio com Rafael Acerbi, que é um homem heterossexual cisgênero. Acreditam que essa integração entre vocês ajuda a mudar o olhar das pessoas?
Raquel Virgínia – Acho que o Rafa ajuda a quebrar o preconceito de algumas pessoas que sempre querem se pautar pelo que o homem diz ou faz. Se algumas pessoas partirem das atitudes dele para se comportarem melhor com a gente, ótimo, que assim seja. Para mim, o que importa é que as pessoas se comportem melhor a nosso respeito, se fosse nos ouvindo seria melhor, mas se for por conta do exemplo que ele promove, tudo bem também.
Assucena Assucena – Evidentemente, as pessoas idealizam para bem ou para o mal aquilo que não é passível de exemplo. Se somos um exemplo, logo entramos para obra prima do que é concreto.
RG – Hoje vocês são mulheres de sucesso e donas de si. Qual frase, palavra ou pergunta incomoda mais?
Raquel Virgínia – Me incomoda quando sou questionada sobre genitália e cirurgia. Falta empatia nas pessoas quando fazem este tipo de pergunta, além da falta de discrição. Acredito que essa informação não vá agregar em nada em nosso convívio social.
Assucena Assucena – “Qual que é seu nome de verdade, mesmo?”. Essa pergunta é um desrespeito a quem luta todo santo dia por reconhecimento de sua identidade. Essa questão tem o objetivo de deslegitimar uma trajetória de resistência.
RG – O que acham que nossos governantes ainda podem contribuir para que o Dia da Visibilidade Trans não fique preso apenas no dia de hoje?
Raquel Virgínia – Políticas públicas efetivas de inclusão. Desde melhor atendimento em hospitais até cotas em espaços de ensino.
Assucena Assucena – Que nossas pautas possam ser legisladas para não ficarmos reféns da vontade política de mandatos. Precisamos de legislação pela dignidade das pessoas trans. O Transcidadania, por exemplo, é um dos programas sociais pioneiros para a população “T” (trans), mas nunca foi ampliado ou melhorado para um nível estadual e federal.
RG – O Brasil ainda é o País que mais mata travestis e transgêneros no mundo, segundo dados da Antra. A que vocês atribuem isso?
Raquel Virgínia – Atribuo isso ao machismo que aterroriza nossas vidas, todos nesse País.
Assucena Assucena – À falta de educação que desemboca num estado que ainda é pautado por demandas morais e religiosas.
Urias
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RG – O que pode-se comemorar da data de hoje? Acreditam que os muros estão caindo?
Urias – A data foi escolhida como o dia da visibilidade trans e travestigenere e podemos comemorar que tem se falado mais de nossas existências, mas a visibilidade não é o suficiente, é preciso pensar além de representatividade. Creio que precisamos começar a pensar em proporcionalidade. Acredito que, agora que nós pessoas trans estamos conseguindo olhar por cima do muro e gritar pedindo direitos humanos básicos que ainda não temos e o muro nem treme.
RG – Você chegou em um patamar artístico que muitas mulheres, trans ou não trans, sonham em chegar. Quais foram as maiores dificuldades encontradas para chegar até 2020 como cantora de sucesso e com todo esse reconhecimento?
Urias – Houveram muitos desafios, tanto internos quanto externos, tive que me conhecer como artista, entender a minha voz e aprender a como usá-la, tanto pra cantar quanto pra dar espaço pra pautas importantes. Ainda acho muito louco tudo que está acontecendo, muita coisa me surpreende ainda. Mas tento muito manter o pé no chão e focar no próximo objetivo.
RG – Hoje você é uma mulher de sucesso e dona de si. Qual frase, palavra ou pergunta incomoda mais?
Urias – Ainda são feitas muitas perguntas que não deveriam ser feitas pra mim, mas não curto nada quando me resumem a minha identidade de gênero, quando todo o resto é ignorado e focam na minha transexualidade pra poder simplesmente falar da pauta de maneira rasa.
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RG – O que acham que nossos governantes ainda podem contribuir para que o dia da visibilidade trans não fique preso apenas ao dia 29/01?
Urias – Como falei acima, ainda estamos lutando por direitos humanos muito básicos, como por exemplo, acesso à educação, a saúde, ao mercado de trabalho, segurança. Se você parar pra olhar o nosso lado da história não temos nem isso ainda.
RG – O Brasil ainda é o País que mais mata travestis e transgêneros no mundo, segundo dados da Antra. A que você atribue isso?
Urias – A um sistema que ensina a todos, inclusive a nos mesmas, a nos odiar. E esse ódio que é ensinado nos custa muito caro.