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Joana Bentes celebra a beleza da imperfeição em “Kintsugi”; assista

Foto: Quéli Unfer

Kintsugi é uma técnica de restauração japonesa. Dentre tantas referências orientais que agregamos à nossa cultura, a arte de reparar peças de cerâmica quebradas com ouro é, para além de um ofício, uma filosofia de vida. No início de 2021, Joana Bentes comemora o nascimento de “Kintsugi” em um momento simbólico, a abertura de um ciclo novo mundial e a celebração dos defeitos, fragilidades e cicatrizes.

“Esta música é um convite a assumir algumas características inerentes ao ser humano, mas isso nem sempre é muito fácil”, pontua a multiartista. “A vulnerabilidade ocupa um lugar de tabu na nossa sociedade. E cada vez mais se adia a compreensão dela como um processo natural de existência”, completa.

“Kintsugi” traz elementos da música brasileira como cenário para a película que se inicia nos primeiros segundos da canção, ao ligar o projetor 16mm e revelar a história de uma vida, que se repete através dos tempos. O piano captado pelo celular aliado aos sampler e instrumentos virtuais fundamentam essa produção independente em um contexto de isolamento social e da vontade de conexão além dos limites geográficos. A canção, assim, celebra a união do orgânico com o eletrônico de forma não convencional e pouco ortodoxa.

O videoclipe que partiu dos registros de uma performance de mesmo nome foi feito por Joana. Ela consistiu em uma espécie de ritual com três momentos: argila, corte e ouro. O final conta com uma surpresa que já indica o que o público verá no disco, previsto para o final deste mês, “A Gota do Mar Contém o Oceano Inteiro”. A produção ficou a cargo da JOB, com edição de Silvia Ferreira e Joana Bentes, que também assina sua montagem.

A foto da capa por Quéli Unfer vem, então, dessa performance íntima, início do processo pelo qual Joana se submeteu para abrir o novo ciclo, pessoal, artístico e como uma transição física para o ano que chega. No ritual quase meditativo de limpeza, purificação e cura com a argila – matéria-prima da cerâmica – em que a artista se cobre e permanece alguns momentos até que ela seque e craquele, como forma de demonstrar no próprio corpo a beleza da imperfeição, tal qual as rachaduras emendadas por meio da técnica kintsugi.

Como a segunda prévia de “A Gota do Mar Contém o Oceano Inteiro”, o lançamento – com participação de Igor Ferreira no piano e produção da própria Joana – antecede o primeiro disco cheio da cantora, compositora, produtora e artista plástica com oito faixas.

Longe de uma lógica específica, o processo foi sendo desenhado organicamente, num primeiro momento como dois EPs, com três músicas cada. Novas composições nasciam fruto da tentativa de elaboração de sentimentos como perda, frustração, ansiedade e, por outro lado, empatia, autoconhecimento, perdão. Além disso, também o desejo de revisitar canções antigas com a experiência do agora. “Em um ano onde se vive uma situação limite numa esfera mundial, o encontro consigo mesma, proporcionado inclusive pelo isolamento social, pode ser visto como “o bônus da pandemia”. O retorno à essência, ao que não se pode viver sem, diz também da auto-aceitação, do autoamor, de ‘eu não posso viver sem mim’. A essência fundamental de existir”, reflete.

“Kintsugi” veio, paradoxalmente, por último, após todas as outras músicas do disco estarem prontas, na rapidez do insight do processo. Ela nasceu do desejo de ser a resina e o ouro que une as partes da compositora, ora em estado de sofrimento, mas também de encantamento pelo seu desvendar.

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