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João Côrtes sobre “Flush”, curta LGBTQIA+: “Responsabilidade em honrar nossas histórias”

Joao Côrtes/Foto: Italo Gaspas

João Côrtes – Foto: Italo Gaspas

João Côrtes roteirizou e atuou no curta “Flush”, que vem abocanhando prêmios em diferentes festivais pelo mundo. O filme de temática LGBTQIA+ narra a história de um jovem heteronormativo, personagem interpretado por Nicolas Prattes, que fica preso em um banheiro com Sarah, não-binária, e vai descobrindo outras nuances de sua sexualidade. “Sinto um potente senso de responsabilidade em honrar nossas histórias, lutas, dores e resistências”, explica em entrevista ao Site RG. Em meio à pandemia, o ator revelou ser gay em carta aberta nas redes sociais.

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“Me sinto motivado e constantemente inspirado a escrever e contar mais e mais histórias LGBTQIA+, que desconstruam a imagem conservadora que parte da sociedade, infelizmente, ainda tem sobre essa comunidade.” Para ele, há de se humanizar outras narrativas em personagens da comunidade, mostrando todas as suas dores, resistências, medos e angústias. “Nossa vulnerabilidade é nossa maior potência. É o que nos conecta. E a arte entra aí.”

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Além do curta-metragem “Flush”, ano passado, o ator também escreveu e dirigiu um longa-metragem, chamado “Nas Mãos de Quem Me Leva” – um drama sobre a vida de uma jovem mulher, Amora, e seu processo de amadurecimento, independência e liberdade, ao lidar com os desafios que vida lhe impõe. Em suas palavras, o longa também está trilhando uma carreira “super bacana” em festivais pelo mundo, com estreia prevista para início de 2021. Leia abaixo a íntegra da entrevista!

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João Côrtes – Foto: Italo Gaspar

RG – Em algum momento você ou equipe ficaram com medo de as pessoas apontarem dedos, por estar interpretando uma personagem não-binária?

João Côrtes – Não vou dizer que sentimos medo, mas com certeza essa era uma questão que estávamos colocando na mesa. Porque a ideia, desde o início, era que a Sarah fosse fruto da imaginação do Tom (personagem do Nicolas). Ela representa o lado feminino dele, um arquétipo da personalidade de alguém precisando se libertar. É sobre isso que queremos falar. Sobre liberdade de gênero, sobre reconhecer as nossas identidades e potências.

RG – Ficar preso no banheiro pode ser interpretado como um confronto. Para onde você vai quando quer refletir sobre um assunto ou esfriar a cabeça?

João Côrtes – Assisto muitos filmes e séries, escrevo, leio… Isso me acrescenta e me distrai. Existem várias maneiras de se curar, de se trabalhar e de buscar um equilíbrio para a mente e o corpo, funciono muito a base de rotina, que de alguma maneira é meu mantra. Me traz disciplina, estrutura. Pratico exercícios diariamente, faço yoga, medito, terapia… Isso me ajuda a me manter são e a manter minha energia elevada e positiva.

RG – Diálogos em inglês foram a maior dificuldade, já que você precisava demonstrar emoções de nativo?

João Côrtes – Emoções não têm nacionalidade ou região, não tem barreiras. Aí está o poder. As emoções, vulnerabilidades, medos, desejos, são universais. Isso nos conecta enquanto raça humana. Não acho que o inglês foi a maior dificuldade. Originalmente, eu escrevi o roteiro em inglês, e a ideia era filmarmos apenas em inglês para ter material no mercado internacional. Somente depois, durante nossas conversas e reuniões em equipe, que decidimos que faria sentido filmar em português também. Dito e feito: filmamos nas duas línguas em um fim de semana só. Foi intenso, catártico, mas muito prazeroso.

RG – Você é quem confronta o personagem do Nicolas Prattes a respeito de felicidade, que para ela é liberdade. Para ti, qual o conceito de felicidade? Você se enxerga como uma pessoa feliz?

João Côrtes – Para mim, felicidade é a constante busca pelo equilíbrio entre mente e corpo. Felicidade é presença, qualidade dessa presença. Estar presente, aproveitando e absorvendo o melhor cada situação, de cada momento. Felicidade é amar e se valorizar profundamente. E felicidade é liberdade também. A palavra liberdade é absurdamente ampla. Neste momento da vida, eu estou muito feliz.

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Foto: Italo Gaspar

RG – O filme está acumulando vitórias nos festivais pelo mundo. Quando escreveu o roteiro, sabia desse potencial para os festivais, em especial os que põe luz às questões LGBTQIA+?

João Côrtes – Não fiz o projeto pensando nos festivais e prêmios. Fiz o filme pensando, antes de tudo, no que eu teria para contribuir como artista e também em ter material para o mercado internacional. “Flush” foi um projeto que, desde o primeiro momento, acreditava 100%. Via claramente a importância de produzir mais filmes que abordassem diversidade, isso é essencial! A arte tem como função principal questionar, transformar, levantar diálogos, reflexões e epifanias. Por meio da emoção, trazemos a conexão.

RG – Você só veio a público falar sobre a sua orientação sexual no meio da pandemia. Como foi esse processo de descoberta pra ti? Foi uma segunda saída do armário?

João Côrtes – Sei o quanto representatividade é importante e, por isso, resolvi falar um pouco mais sobre o João como pessoa, além do ator, diretor e roteirista. Foi muito importante e significativo. Ainda recebo mensagens de pessoas me agradecendo e me dizendo como elas se sentiram ao ler o meu texto. O quanto o meu posicionamento representou e até ajudou em suas vidas, a se sentirem mais à vontade na própria pele e, cada vez mais, confiantes e orgulhosas de serem quem elas são. No fim, é sobre isso.

RG – Como é para ti fazer parte da sigla e poder propor outros questionamentos à comunidade, que ao longo dos anos se acostumou a ser retratada apenas em romances proibidos ou de finais trágicos?

João Côrtes – Fico feliz em ver que isso vem mudando. Ainda tem muito a ser conquistado, com certeza, mas estamos em um caminho positivo em relação ao olhar do audiovisual para temáticas LGBTQIA+.

RG – Tem alguma coisa que não perguntei e gostaria de acrescentar?

João Côrtes – A questão da saúde mental não só na indústria do entretenimento, mas dessa geração. Ansiedade, angústia, insegurança e uma constante sensação de que não estamos fazendo o suficiente. Acredito que nossa essência é de criar e se expressar livremente por meio da arte, mas para estar em contato íntimo com isso, precisamos limpar a poluição mental, se descolar do ego, e nos relacionar com quem realmente somos. É no nosso interior mais visceral que reside a nossa potência real.

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Foto: Italo Gaspar

Veja o trailer do curta-metragem “Flush” dirigido por João Côrtes

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