Cultura

Fernando Carpaneda é único brasileiro na Bienal de Long Island; veja obras

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“Jesus Cristo”, obra de Fernando Capanema (Foto: Divulgação)

Por Matheus Lopes Quirino

Homens másculos e vigorosos dominam a cena, e é colocado em evidência seu trato bruto com tudo e todos que orbitam ao seu redor. Vestindo roupas apertadíssimas, uniformes náuticos e de construção civil, couro, ou nada, são esses personagens que levam o espectador se jogar em uma narrativa lasciva e agressiva, enquanto vê o desenrolar da história desembocar em surubões, banheiros e dark rooms. Ao mesmo tempo, o corpo talhado de uma miniatura em um diorama revela o pulsar de cada contração muscular carregada pela libido em pleno ato sexual, a todo vigor.

Essa verve combina com as clássicas personagens dos homens torneados que ganharam os Estados Unidos do pós-guerra e depois o mundo. Foi influenciado pelo áspero ambiente da guerra que Tom, pseudônimo de Touko Valio Laaksonen, chegou a servir, mas logo passou a se sustentar tocando piano em bares cosmopolitas de Helsinki e a fazer peças de publicidade para jornais e revistas. Esse é Tom of Filand, que completaria 100 anos em 2020, ícone do brasileiro Fernando Carpaneda, que expõe as obras “Caso n° 17” e “Jesus Cristo” até janeiro de 2021 na Bienal de Long Island. A obra de Finland ressoa em todo trabalho realizado por Carpaneda, seja em esculturas, pinturas ou maquetes.

“O trabalho que ele (Tom) criou é genial, e ele continua sendo o artista queer número um”, conta Carpaneda. Ícone da arte queer, Carpaneda ganhou notoriedade internacional por ambientar seus trabalhos a partir de influências do movimento punk, underground e LGBTQIA+. Baseado em Long Island, no estado de Nova York, Carpaneda também edita a Carpazine, publicação voltada para a arte contemporânea, segue antenado nas tendências que surgem: “Tenho acompanhado as exposições realizadas pelo Museu Leslie Lohman, que é o museu dedicado à arte queer contemporânea”, completa o artista e publisher da revista, que está na décima Bienal de Arte de Long Island.

Imigrante, homossexual e artista, Carpaneda já expôs em inferninhos brasilienses aos telões da Times Square. Ele retrata a sociedade que se digladia ao seu redor, mas não só os EUA, o Brasil também. “Minha pintura selecionada para a bienal fala justamente disso. A pintura Homofobia mata. Caso número 17 é um trabalho pessoal, uma página do meu diário, e faz referência a uma agressão que sofri há 20 anos, quando fui espancado e esfaqueado nas costas por um homofóbico que odiava minhas pinturas de retratos masculinos nus e obras de cunho homoerótico. A pintura também é um alerta para os acontecimentos atuais sofridos pela comunidade LGBTQIA+ ao redor do mundo e sobretudo no Brasil”, afirma ele.

Hoje, aos 53, com prestígio internacional, está em ótima fase da carreira. Tendo recebido prêmios da Art League e do Huntington Arts, nos EUA, o brasiliense de Taguatinga teve sua primeira individual aos 13 anos e não parou mais. Em 1980, ele integrou a cena punk e underground de Brasília, conheceu Renato Russo enquanto o canto ainda fazia parte do Aborto Elétrico e, já em Nova York, em 1995, conheceu o artista visual Billy Name, em uma exposição que reuniu sremanescentes da era de ouro da pop arte. “Naquela época, a galeria CBGB [Country, Bluegrass, and Blues and Other Music For Uplifting Gormandizer, no East Village] organizou uma exposição chamada “Back to the Bowery”, que reuniu alguns artistas da famosa The Factory (A Fábrica, estúdio de arte fundado por Andy Warhol) e artistas novos, que retratavam a cena underground da cidade. Foi uma exposição histórica”, diz.

Obra “Homofobia mata. Caso n° 17”, que está em exibição na Bienal de Long Island (Foto: Divulgação)


BIENAL DE LONG ISLAND
Ao começar transitar no metiê, Carpaneda beberia direto da fonte de ícones lendários, pertencentes à cena de Long Island, como ele observa “Vários artistas da The Factory, como Lou Reed, Candy Darling, Joe Dallesandro moraram aqui em Long Island nos 1960 e 1970. A exposição no CBGB definitivamente abriu várias portas para mim no circuito de arte da cidade, e foi um ponto decisivo na minha carreira internacional.”

Realizada desde 2010 pelo Museu de Arte Heckscher, a Bienal de Arte de Long Island manteve as programações presenciais, mesmo durante a pandemia do coronavírus. Para conferir as obras dos 54 artistas selecionados, o espectador precisa agendar um horário no site da instituição. Neste ano, o decanato da mostra coincide com a efeméride do centenário do museu. Exibindo artistas da cena local, o evento se tornou um dos mais visados do mercado de arte norte americano.

Observando além do atlântico, Carpeneda também opina sobre o que acontece aqui no Brasil, fala de política e arte, sobretudo da situação em que se encontra o mercado restrito Rio-São Paulo: “O Brasil possui várias realidades, e é difícil avaliar um mercado fora do eixo Rio e São Paulo. Acho que o mercado de arte no Brasil, fora desse eixo de excelência, sempre funcionou em duas vertentes bem distintas: para galerias que batalham no cotidiano para se manter, e, em alguns casos, galerias levadas sem a necessidade de venda de trabalhos, em que, em sua maioria, seus proprietários não vivem disso e, por essa razão, as mantém. O Brasil precisa comer muito feijão com arroz nesse caso para alcançar um nível competitivo internacional.”

ARTE E POLÍTICA
Sobre política (e arte), é no Museu Leslie Lohman, o templo da arte visual dedicada a artistas LGBTQIA+, que está a escultura mais polêmica da carreira de Carpaneda. Intitulada “Bolsonaro’s Sex Party”, a peça colocou o então deputado federal, hoje presidente, em uma suruba gay em um dark room. Na época em que veio a público, a representação idealizada por Carpaneda gerou ódio contra o artista nas redes sociais. Seguidores do político conservador o achincalharam, ameaçando-o de morte. Transgressor, o artista mistura influências do sagrado e do profano em sua obra, fazendo releituras de clássicos da história da arte, como as representações de “Adão e Eva” profanos e também “A Idade do Bronze” de Rodin (versão punk) no corpo do ator Keanu Reeves. Por trabalhar pautado nessas ambiguidades, o artista chegou a ser esfaqueado por uma pessoa que odiava suas obras. A escultura “Bolsonaro’s Sex Party” não está mais disponível, nem em suas páginas pessoais, nem no acervo virtual do Museu Leslie Lohman, embora continue no acervo físico. “Cansei de promover o ignorante do Bolsonaro, e tirei a escultura da internet”, diz Carpaneda.

BYE BYE, BRAZIL
Bem estabelecido fora do Brasil, Carpaneda frisa que no exterior há mais nichos de mercado para artistas que seguem outras propostas e iniciativas. Nos EUA, ele vê novos movimentos sendo cultuados, como a DarkArt, que faz referência à cultura Dark (terror). “Com essa atitude, [as galerias e museus] dão oportunidade para artistas crescerem e construírem uma carreira, indiferentemente se ele segue uma linha acadêmica ou contemporânea.” E dispara: “Acho importante para o crescimento da cultura vista de forma mais ampla de um país. Eu saí do Brasil por falta de espaço, e como queria construir uma carreira em uma outra direção e continuar trabalhando, larguei tudo e me mudei.”

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do Site RG.

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