Neste ano, a Mostra 3M de Arte realiza sua décima edição e escolheu um dos espaços públicos mais importantes da cidade de São Paulo para comemorar: o Parque Ibirapuera. Viabilizada pelo patrocínio da 3M via Lei Federal de Incentivo à Cultura, a mostra que discute o coletivo e a arte encontrou um desafio: ocupar o espaço público em momento pós-isolamento social intensivo. Em um ano que o distanciamento foi – e tem sido – necessário para o restabelecimento do convívio, mais do que nunca a produção artística nacional carece de impulsionamento. A 10ª Mostra 3M de Arte selecionou quatro artistas via edital e seis convidados. Juntos irão ocupar o parque e incentivar reflexões sobre a relação do indivíduo e coletividade na sociedade.
De 07 de novembro a 06 de dezembro, a exposição que conta com a curadoria de Camila Bechelany – também pesquisadora e editora, com foco em arte e política – ocupará o parque, pela primeira vez em sua história, com dez instalações pela extensão da área verde. Acontecendo totalmente ao ar livre, a mostra promove ressignificação do nosso envolvimento com a arte em um momento em que estar dentro de uma sala de museu se tornou complicado.
Com a temática “Lugar Comum: travessias e coletividades na cidade” o conceito desenvolvido para a mostra explora a relação de cada indivíduo como participante ativo e receptivo no meio urbano. A proposta curatorial nos faz refletir que por meio de nossas experiências particulares e coletivas temos papel de agentes transformadores do espaço público.
Para a 3M, que patrocina a mostra desde sua primeira edição em saudável iniciativa para construir um projeto cultural duradouro, o tema “Lugar comum: travessias e coletividades na cidade” trabalha com pilares fundamentais da empresa. “A 10ª Mostra 3M de Arte reflete nosso espírito de colaboração e criatividade e nossa visão por uma integração respeitosa com o ambiente físico e social; apoiar a mostra por uma década e vê-la evoluir todo ano, levando arte e reflexão a espaços públicos nos aproxima ainda mais da sociedade também pela preciosa dimensão cultural”, completa Luiz Eduardo Serafim, Head de Marca e Comunicação da 3M do Brasil.
A curadora Camila – que esteve em residência curatorial no BAR Project em Barcelona no início de 2020, foi curadora da residência artística Pivô Pesquisa e curadora convidada da Pinacoteca de São Paulo em 2019, além de ser curadora assistente no Masp entre 2016 e 2018 – convidou a artista e curadora Camila Rocha Campos e a curadora Eva González-Sancho Bodero para compor um júri que discutiu e selecionou as propostas inscritas no edital da mostra. Dos 10 projetos que estarão expostos pelo parque, quatro deles foram selecionados por meio deste edital. Neste ano, o evento recebeu 338 propostas de instalações – 222 a mais que o edital do ano anterior.
Os selecionados foram: Maré de Matos (SP), Narciso Rosário (PI), Coletivo Foi à Feira (SP e ES) e a dupla Gabriel Scapinelli e Otávio Monteiro (SP). Os convidados para a Mostra são Camila Sposati (SP), Cinthia Marcelle (MG), Diran Castro (SP), Lenora de Barros (SP), Luiza Crosman (RJ) e Rafael RG (SP).
Após a chegada da pandemia e suas limitações, tanto as obras quanto a mostra foram completamente repensadas. “Tivemos momentos de muitas reflexões durante o processo, tínhamos muitas dúvidas sobre como seria trabalhar em uma montagem e na abertura de uma exposição durante a crise sanitária, e foi preciso reavaliar cada uma das obras até chegar no formato ideal, que levasse em consideração a segurança dos artistas e do público, além de repensar os projetos conceitualmente para que fizessem sentido de existirem num mundo em pandemia.”, conta a curadora.
Além de um dos únicos projetos de artes visuais a acontecer na conjuntura de retomada da rotina na cidade, a mostra deste ano é ainda mais especial: “Um dos projetos de artes visuais mais longevos no cenário brasileiro, em que já tivemos a participação de importantes curadores e artistas, a 10ª Mostra 3M de Arte é um momento de comemoração e agradecimento a todos os envolvidos, principalmente ao público, que nos acompanha há uma década, e à 3M, mecenas comprometida com as artes e cultura brasileiras”, afirma Fernanda Del Guerra, diretora da Elo 3, idealizadora e realizadora do evento.
Selecionado via edital, o Coletivo Foi à Feira – composto atualmente por Clarissa Ximenes, Gabriel Tye Luís Filipe Pôrto, Matheus Romanelli e Rayza Mucunã – apresenta o projeto “Objeto Horizonte“. Repensada e então já transferida para o contexto de pandemia, a instalação é baseada na arqueologia da memória. A obra é uma esfera, reflexiva por dentro e transparente por fora. Dedicada a ser um espaço de autorreflexão e um convite para que o visitante-participante deixe registrados seus desejos para uma cidade do futuro, a experiência imersiva conta com um painel de LCD com as mensagens deixadas e ruídos com estética futurista. As pessoas podem deixar áudios que serão enviados a um receptor que transforma, a partir de um sistema operacional, as vozes em inserções aleatórias de sons e o resultado será como escutar uma viagem no tempo. “A ideia foi mesmo de uma ‘nave espacial’, cápsula do tempo que pudesse manter as memórias durante vários anos”, conta Clarissa, uma das integrantes do coletivo formado em 2010.
A obra de Rafael RG, intitulada “O Brilho da Liberdade Diante dos Seus Olhos“, foi pensada a partir de seu interesse por astronomia e inspirada na biografia da abolicionista e ativista norte-americana Harriet Tubman – mulher negra que lutou pelo fim da escravidão nos EUA e fazia sua rota de fuga baseada na observação da constelação da Estrela Norte. A criação será uma instalação na área externa e no Planetário Professor Aristóteles Orsini (planetário do Ibirapuera) com backlight em 3D mostrando as constelações e desenhos sobre as rotas de fuga no Brasil, fazendo um paralelo com a história de Tubman e com a reflexão de que a liberdade está na observação do céu, inspirando a frase que dá título à obra. A obra também irá contar com uma programação online com astrólogos convidados pelo artista.
Também será possível olhar para o céu e vivenciar a obra “O QUE OUVE” de Lenora de Barros. por meio de um drone que sobrevoará a área do parque atrás do Auditório Ibirapuera – Oscar Niemeyer, sem câmera, mas com um alto-falante potente, serão emitidos sons de mensagens gravadas pela própria artista. Pertencente ao grupo de risco nessa pandemia, Lenora segue em quarentena gravando uma série de trechos com diferentes tons de voz e reorganizando ideias sobre o período de isolamento. Segundo ela: “No final, minha ideia é bem simbólica para mim. Como artista, vou estar na Mostra com a minha voz, independente de seguir o isolamento até a inauguração”, relata . Outras cinco caixas de som serão dispostas no parque para que emitam as mensagens de Lenora, que fala especialmente sobre vigilância e controle (em uma relação direta com as sensações que o isolamento tem nos trazido) com a ideia de gerar intervenções inesperadas aos visitantes em espaços diferentes.
Por meio da equação “[terra> tijolo= forno] + farinha x pão“, que representa a relação do homem com a produção do pão, alimento que está presente há milhares de anos na vida do ser humano, a dupla Gabriel Scapinelli e Otávio Monteiro realizou um projeto interativo para entender os processos colaborativos envolvidos na arte de se fazer pão. A obra, além de estar fisicamente entre a rota de instalações do parque, acontecerá também na Casa 1 – centro de acolhimento para a comunidade LGBTQIA+ de São Paulo. Dentro do projeto, ocorre a implementação de uma padaria a partir da construção de um forno tradicional e a organização de uma série de oficinas para aprendizagem da arte de fazer pão. O público poderá participar e entender, através da experiência, o significado de produzir o próprio alimento e as relações que se articulam por trás da ação, que carrega significado de autonomia, evolução e coletividade. A padaria deve ser uma extensão da obra, que não se encerra com o fim da exposição e intenciona iniciar uma economia criativa.
Ainda dentro da relação que temos com alimentação, a obra de Narciso Rosário, “Canteiro Suspenso“, inspirada em sua trajetória pessoal e a memória afetiva, traz a discussão de como os cidadãos se relacionam com a produção dos alimentos, passando por questões de sustentabilidade e de ancestralidade através do conhecimento e de práticas de plantio. O projeto consiste em uma instalação circular de diversos canteiros com variedades de plantas comestíveis, desde a semente até o estágio de maturação, permitindo que o público tenha contato com as diversas fases de crescimento das plantas. Em paralelo, será discutida a questão do ecofeminismo: como a mulher foi historicamente invisibilizada no trabalho do cultivo e de que forma ela se impõe nessa atividade.
“Entre Eu e o Mundo” é a obra de Diran Castro que tem objetivo de chamar atenção do público para o processo de gentrificação do Parque Ibirapuera e da cidade de São Paulo. A artista busca resgatar a memória do local, que foi apagada ao longo de um processo histórico de silenciamento. Para isso, ela irá construir uma cidade em miniatura com estrutura auto-sustentável, que terá um caminho a ser percorrido, criando um espaço de reflexão sobre o que existia naquele local antes de se tornar um parque. Essa obra é um convite para a desobediência estética por meio da instalação, que irá permitir a cada pessoa ter seu próprio entendimento a partir da obra .
A mostra, que demonstra um desejo de aguçar sentidos, ressalta a sensorialidade com “Teatro Parque Arqueológico“, obra de Camila Sposati. Com um lado teatral e outro instalativo, que retorna às raízes e deseja se conectar com a ancestralidade local, a artista conta: “Meu trabalho se faz por camadas. A proposta é olhar para dentro da terra”. Neste trabalho, Camila irá construir uma representação do antigo teatro anatômico que abrigará seus instrumentos-esculturas em cerâmica produzidos com base na série de trabalhos “Phonosophia“. O resultado será um ambiente extremamente inusitado, surpreendente e vibrante no parque. A instalação reflete sobre a passagem do tempo: uma indução à observação do passado e entendimento da tensão do futuro.
Cinthia Marcelle fará uma releitura de “Geografia [série Unus Mundus]“, obra feita no Museu da Pampulha em 2003. Orientada pelo tema de lugar comum, a artista produziu uma instalação com duas vias: a que fala de privilégio e a que fala de periferia. A partir da progressão geométrica simples, mas em grande escala, braços de mangueiras de jardim unem um curso d’água a uma torneira se repetindo numa progressão constante e “infinita” (pois que o seu fim não é revelado). Um indício de ações que se repetem constantemente na natureza e em uma relação de um para um, moldando a geografia do local. Ao inverter o sentido “natural” da água canalizada, da torneira para o lago, a artista provoca a reflexão de que a água está sempre em movimento e ainda a constatação de que uma torneira não é algo tão banal quanto parece. “A água canalizada é uma das principais conquistas da civilização moderna e ela implica de forma decisiva em como o controle sobre recursos naturais e a consequente gestão desses bens ‘universais’ auxilia a organização da cidade”, conta a curadora Camila sobre o trabalho.
O futuro, a terra, o solo, o tempo. Temas recorrentes na discussão sobre a vida em coletividade, potencializados pelas obras, ganham mais um impulso através de “O mundo versus o Planeta“, projeto de Luiza Crossman. Com três vertentes, a artista propõe o entendimento sobre a diferenciação de “Terra” e “planeta” e sobre a relação entre a arte e ciência. Sob a intenção de ter não só aspecto instalativo, mas curricular e colaborativo, Luiza resgata a ideia de escala humana e da experiência de mundo a partir da experiência física no parque, mais especificamente na antiga serraria. Já o currículo educacional (estrutura disponível para que essas informações sobre a comparação e as reflexões possam ser institucionalizadas) acontece durante a Mostra e em colaboração com dois pesquisadores. A terceira direção do trabalho é a disponibilização online de conhecimento sobre o tema a partir da continuação da Coleção Trama, uma parceria com a Zazie Edições para traduzir autores estrangeiros e atualizar a bibliografia editorial brasileira.
Maré de Matos discute a coletividade por meio de um espaço construído para que se celebrem as diferenças na sociedade, em “Púlpito Público“. Sendo um púlpito criado com três escadas permitindo acessos diversos, a instalação fala sobre a convivência e um ponto em comum possível para todos, independente dos caminhos escolhidos já que todas as escadas levam ao mesmo lugar: um espaço onde todos têm voz.
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