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Eli Iwasa: com mais de 20 anos de carreira, a DJ segue no auge expandindo seus horizontes

Foto: Divulgação/Jorge Alexandre

Eliana Sumiko Iwasa, ou simplesmente Eli Iwasa, é uma unanimidade para quem gosta de música eletrônica no Brasil. Uma das principais vozes femininas e nomes da cena por aqui, a paulista de 43 anos segue nas pick-ups há mais de 20 anos e não para nunca. Ou melhor, foi obrigada a parar por conta da pandemia do coronavírus que derrubou todas as festas, mas nem assim se acalmou.

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Durante os meses de pandemia, seguiu gerindo seus dois clubes em Campinas – o Caos e o Club 88 – driblando a falta de apoio governamental para o setor cultural e a ausência de eventos oficiais. Além disso, também conseguiu tirar do papel um sonho que tinha: lançar o podcast “Fazendo Festa”, que fala dos bastidores da cena eletrônica no Brasil.

Lúcida, consciente e empoderada, Iwasa entende e tem completa noção de sua influência para diversas outras meninas e mulheres que sonham em trilhar caminhos parecidos com o dela. Neste papo com RG, a DJ, empresária, modelo e influenciadora digital fala um pouco de tudo.

Foto: Divulgação/Image Dealers/Thiago Xavier

RG – Como foram os meses de quarentena para você?

Eli Iwasa – Eu fiz uma quarentena bem rigorosa, principalmente no começo. Agora estamos mais relaxados, as coisas começaram a reabrir. Mas fiquei, pelo menos, quatro meses sem ver ninguém nem meu pai, nem minha família. Acho que consegui lidar da melhor maneira que eu pude. Tentei me manter produtiva e ativa, para tentar usar este tempo para entregar muitas coisas que nunca tinha muito tempo para preparar, desde novas músicas, podcasts, entrevistas, vários talks. Foi uma sequência bem grandes de lives, fui convidada por núcleos muito diferentes entre si, todos os dias. Desde Só Track Boa até Mamba Negra. Falei com todo mundo. Isso foi muito legal, acabei podendo estar perto de todos os núcleos que eu gosto. Bem bacana tudo isso.

RG – E como ficaram todos estes meses sem festas? Você sentiu um baque financeiro por ser DJ?

Eli Iwasa – Foi um baque em muitos sentidos porque eu venho de muitos anos tocando todo fim de semana, com uma agenda bem atribulada e eu vinha em uma crescente bem grande nestes últimos dois anos. 2020 era, realmente, um ano de colher muitos frutos. Os últimos anos eu vinha sentindo isso: de ser uma colheita, mas este tinha muito potencial não só como DJ, mas os clubs que eu sou sócia também. Um deles, o Caos, estava com programação até dezembro. Sorte que, graças a Deus, tanto eu quanto meus sócios, tínhamos reservas e conseguimos segurar a onda. É o privilégio que muita gente não teve e não tem. É permanecer em casa, com a cabeça realmente tranquila, com estabilidade emocional para pensar como lidaríamos com tudo isso. O maior baque de todos foi o emocional, sem sombra de dúvidas. Você ficar pensando o que poderia estar fazendo. Tive de adiar diversos planos, de turnês, de visitas internacionais nos meus clubs, muitas coisas que eu queria ver acontecer este ano e foram adiados ou cancelados. O mais difícil no começo foi lidar com essa frustação, mas acho que consegui lidar bem com isso. Ninguém escapou, todo mundo teve de lidar com isso de uma maneira ou de outra. O importante é que eu e todos da minha família estão bem, com saúde. Isso já é uma coisa incrível.

RG – Você tinha algum lugar ou festival que você iria estrear neste ano e estava mega animada?

Eli Iwasa – Tinham várias coisas legais. Eu já tinha confirmações de festivais grandes, praticamente todos importantes que iam acontecer este ano no Brasil. Nenhum inédito, mas todos eram retornos muito esperados porque, para um DJ, é óbvio que é incrível tocar nos clubs todos os finais de semana, mas os festivais são marcos dentro da carreira. São importantes para você se posicionar no mercado, é um momento de realização muito grande, onde você consegue ver pessoas do Brasil inteiro, às vezes, até de outros países. Era uma das coisas mais legais que iam acontecer comigo este ano. Foram planos que foram adiados, a grande maioria dos festivais foram remarcados e serão remarcados. Viveremos isso ainda.

RG – Durante a pandemia, surgiram as tão faladas “festas clandestinas”. Queria saber como você enxerga isso, se você foi convidada, se sugeriram de você abrir suas casas?

Eli Iwasa – Eu e meus sócios fomos muito firmes em relação a ficar fechado, apesar de todas as dificuldades, manter a estrutura de dois clubs fechados é muito oneroso, mas a gente sempre teve muito claro na nossa cabeça o que era certo. Podiam oferecer qualquer valor que sempre a gente deu negativos para qualquer tipo de proposta. Para tocar também, mesma coisa. Até agora ainda estou bem resistente com tudo que chega, e chegam muitas coisas, principalmente de outros estados fora de São Paulo onde a fiscalização está um pouco menor, mas tanto eu quanto minha agência somos bem rígidos quanto a isso e só temos feito coisas dentro dos formatos autorizados, como lives, drive-ins e coisas do gênero.

Foto: Divulgação/Recreio Clubber

RG – Você como artista, DJ e empresária como sentiu o respaldo das autoridades governamentais diante do setor do entretenimento diante de tudo isso?

Eli Iwasa – Vou ser bem honesta com você: acho que a gente vive um momento muito triste para a cultura do País. Estamos vendo um desmonte do setor cultura no Brasil. É muito triste observar e ver tudo isso acontecendo, com um sentimento de impotência gigantesco. Diante da pandemia, o setor de entretenimento foi abandonado. Estamos nos organizando nos bastidores para fazer uma articulação política para pressionar o governo, porque, nem é a questão de retomar os eventos, mas tem muitas pessoas que não pode retomar os eventos ainda, como, por exemplo, as festas da cena independente. Mesmo que se tenha uma retomada, vai ser uma retomada com capacidade limitada e isso inviabiliza os produtores a realizarem suas festas, principalmente os pequenos, porque a conta não fecha simplesmente. Acho que faltou este olhar que englobasse as necessidades e demandas de todo os tipos de produtores, artistas. Não tivemos linhas de crédito especiais para o setor cultural para pagar seus funcionários. Eu senti isso na pele: a gente não conseguia conseguir isso, não tinha essa disponibilidade de crédito tão fácil assim como as pessoas gostam de ficar falando que existe. É muito triste, a gente foi abandonado. Não teve essa preocupação de falar sobre uma retomada segura, um protocolo que funcione. O que aconteceu? Estamos chegando no verão, são quase 7 meses sem eventos. Festas clandestinas pipocando e a coisa acontecendo de uma forma nada segura. É preocupante.

RG – Outro tema que eu queria tocar com você é o crescimento da música eletrônica no Brasil. Quem acompanha este estilo e frequenta festas nota que, nos últimos anos, este estilo cresceu muito no Brasil e em diversos eixos regionais, invadindo espaços do País todo. Como você enxerga isso?

Eli Iwasa – Com certeza, ela cresceu. Acho que a música eletrônica no Brasil se consolidou e ela chegou as massas, chegou no mainstreaming, nas rádios, na Globo em horário nobre. Falo das vertentes comerciais e das vertentes mais independentes porque acho muito relevante todas as camadas porque a pessoa tem que começar ouvindo algo até chegar na vertente que eu toco, por exemplo. Sinto que o mercado brasileiro se consolidou, não só em termos de entrega de eventos, mas também na qualidade musical que é feita aqui. Não só o techno, house, mas também as vertentes mais comerciais. Estamos vendo música brasileira nas paradas internacionais. É algo muito significativo. Sobre a pulverização que você citou, eu realmente sinto que aconteceu e fico contente de notar que você também notou porque é algo que realmente acontece. Hoje em dia, eu vou tocar no Amapá, em Rondônia, em diversas cidades do Nordeste. Não só no litoral, mas no interior do Brasil. Já fui para uma cidade que tinha 8 mil habitantes e você chega lá e tem uma baita festa. Isso é um sinal de como a cena brasileira cresceu. Ela está em todos os lugares, não só nos grandes centros.

RG – E como você sente a recepção da música eletrônica brasileira fora do Brasil?

Eli Iwasa – Eu vejo que a cena brasileira ela é muito respeitada lá fora. Acho que conseguimos construir algo que é único, que tem muita personalidade. Tem uma entrega gigantesca dos eventos e festivais, mesmo as marcas internacionais que vem para cá, eles tem essa entrega de produção e curadoria artística. A exemplo, o Time Warp aqui, que é um festival lindo e não deixa nada a desejar. Quando falamos disso, acho relevante falar sobre como a cena independente de música eletrônica em São Paulo ajudou a projetar a cena para fora e fizesse com que a imprensa internacional especializada voltasse os olhos para cá porque ela é única, tem um vigor, um frescor, trouxe uma renovação e ainda conversa com figuras históricas das músicas. O mais legal é que a cena paulista trouxe uma ressignificação dos espaços urbanos para as festas, levando cultura de uma maneira madura, inclusiva, democrática, inspirando conversas de questões de gênero, sexualidade e de raça. Isso tudo é muito significativo. Sei que o momento é muito especial que a gente está vivendo hoje: esta cena que fez a gente ser reconhecido lá fora. Eu que sou mais das antigas, aprendo muito observando este público e estas pessoas, não só consumindo em questão de arte mas também como humano.

RG – Eu estava vendo seu histórico e você estreou na música em 1999. De lá pra cá, você sente que seu som se transformou ou você toca o mesmo estilo estes anos todos?

Eli Iwasa – Eu diria que eu toco mais ou menos o mesmo estilo. Na verdade, toco muita coisa daquela época porque a música tem ciclos, né? Ela vai e vem, se renova e vai ganhando novas roupagens, mas eu sempre fui muito fiel em tocar techno e house e tudo que permeie estes estilos. O bom disso é que eu tenho esta personalidade, meu nome é muito ligado a estes dois estilos, principalmente ao techno. Mesmo tendo uma carreira consolidada, eu nunca deixei de me aventurar em novos sons, de ouvir novos artistas.

RG – Pensando nestes anos todos de carreira, você ainda busca fazer algo, musicalmente falando, que você ainda nunca fez?

Eli Iwasa – Deixa eu ver…Eu já fiz tanta coisa! [risadas] Meio que já fiz de tudo. Este ano, eu vou estrear um podcast em que eu converso com várias figuras da cena eletrônica. Não só artistas, vou falar com pessoas dos bastidores. Falarei com pessoas das artes visuais, da galera que cuida dos sons dos festivais, vou falar sobre curadoria, vou falar sobre documentação. Um pouco de tudo! Era um projeto antigo e consegui colocar em prática. Estamos em fase de pós-produção. Ele vai se chamar “Fazendo Festa” e estará disponível em todas as plataformas de streaming.

Foto: Divulgação/Jorge Alexandre

RG – Aproveitando que a gente falou sobre o início da sua carreira, quando você começou, o movimento feminista nem era pauta vigente na agenda como é hoje em dia. Eu queria entender com você como você sente esta diferença neste anos todos. Como é isso para você? Seria retórico, provavelmente, eu perguntar se você viveu uma situação machista?

Eli Iwasa – Sim, já vivi, até hoje. Quando eu comecei, não tinha essas conversas. Só queríamos tocar e encontrar nosso espaço. Quando comecei, tive poucas referências femininas. Tinham poucas DJs, poucas mulheres nos bastidores, na produção. Acho que uma das maiores mudanças na cena foi o papel da mulher dentro dela. Quando comecei, era muito discrepante: tinha 1 mulher em um festival com cinco pistas. A mulher sempre fazia a abertura para atração principal, que era homem. Tudo isso mudou em 20 anos. Eu fui acompanhando, fazendo parte das mudanças. Hoje em dia, temos muitos nomes e nomes importantes, no caso, como a Peggy Gou, a Nina Kravitz, a Anna. A gente realmente vê esta crescente e as mulheres ocupando lugar de protagonismo na cena, não só na parte artística, mas na produção, manager, donas de agências. Por isso que toda discussão de representatividade é importante. Outras meninas vão nos enxergar neste espaço. Elas se reconhecem na gente, muitas delas se inspiram em nós e vão atrás de seus sonhos.

RG – Ainda falando sobre sua carreira, você é sócia de dois clubs em Campinas, o Caos e o Club 88. Como é seu lado empresária?

Eli Iwasa – Sou a mãe que é boazinha, mas que pega no pé. Na verdade, assim, eu tenho uma dinâmica de trabalho que é puxada. Em tempos normais, dificilmente, eu estou nos clubes aos finais de semana e eu acabo concentrando toda a minha energia em toda organização que precisa ser feita antes das festas, fazendo reuniões com a equipe. Esse momento pré é muito importante para mim porque preciso deixar realmente tudo pronto e engatilhado, mas tenho uma relação afetiva com todo mundo que trabalha comigo e eu carrego isso há um tempo já. Acabo sendo amiga de todo mundo e isso é muito bom para todos nós.

RG – Agora, pra encerrar, vamos falar de uma vertente que você também atua. Vi que você assinou contrato para a Ford Models Brasil te representar no universo da moda. Queria entender como foi esse convite e quais são suas expectativas.

Eli Iwasa – Na verdade, eu não tenho grandes expectativas. Tenho desejo de fazer coisas que acredito que sejam legais, com marcas que eu acho que estejam alinhados com meus valores. Eu me divirto muito. Tenho uma carreira muito sólida como DJ e este lado como modelo e influenciadora digital é um nicho separado. Me divirto, é leve, é gostoso. Eu acabo escolhendo fazer o que me faz feliz, o que eu gosto. Claro que temos planejamento e sonhos, mas as coisas comigo sempre foram acontecendo sem eu ficar articulando e pensando muito. Vão fluindo e eu vou seguindo no “flow”.

 

 

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