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David Junior estreia em “Sob Pressão”: “Meu personagem é um ato político por si só”

Ator carioca David Junior entra como o novo neurocirurgião Mauro na série “Sob Pressão” (Foto: Divulgação/Rede Globo)

Muita aguardada, a série “Sob Pressão” – que retrata dramas e dilemas de ambientes hospitalares públicos ao redor do Brasil – retorna nesta terça-feira (06.10) na Rede Globo para uma temporada curta de apenas 2 episódios, tendo como tema central a Covid-19 que já levou mais de 145 mil pessoas somente no Brasil.

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Com um elenco já fixo e bastante conhecido pelo público, nesta nova temporada, o ator carioca David Junior, de 34 anos, passa a integrar o elenco como o neurocirurgião récem contratado Mauro, que é um homem negro, solitário e religioso que chega na série para ser o novo chefe da emergência do hospital de campanha que foi montado por conta da pandemia do coronavírus.

Para ator, o fato dele ser um médico negro em um ambiente hospitalar reflete um ato político por si só. “Só o fato de ter um médico negro na ativa, dele estar atendendo, cuidando de vidas. Isto já é um ato político impresso”, contou com exclusividade ao RG. Junior, completa ainda, que – muitas das vezes – não precisa-se dizer nada. “A gente não precisa dizer. Já está ali implícito.”

Ator carioca David Junior entra como o novo neurocirurgião Mauro na série “Sob Pressão” (Foto: Divulgação/Rede Globo)

Tendo trabalhado em meio a uma pandemia e a gestação de sua mulher, o ator carioca contou ainda que entregar uma mensagem em meio a um momento tão delicado do mundo é sua obrigação como artista.

“Não consigo me ver como artista fazendo algo banal, que não tenha relevância. ‘Sob Pressão’ é um espelhamento do que o SUS é para o Brasil, um país continental que tem saúde básica unificada e que não funciona da maneira correta”, completa.

Tendo gravado por 4 semanas consecutivas dentro do hospital de campanha que a emissora carioca construiu em seus estúdios, David conta ainda que não conseguiu ir a campo se preparar para seu personagem, mas que achou mais relevante conversar com um amigo negro e médico que conhece.

“Para além das questões técnicas, eu queria ter uma referência de alguém que fosse negro porque podemos contar nos dedos das mãos quantos médicos negros nos atendem. Essa disparidade é algo que precisava ver e entender. Saber como é a relação, como eles precisam se portar nos ambientes em que eles não são vistos como referências, muitas das vezes”, refletiu.

Veja o papo na íntegra com o ator carioca David Junior a respeito de sua estreia na série “Sob Pressão”.

A equipe de atores e atrizes que integram o elenco da série “Sob Pressão”, que terá nova temporada dedicada a retratar a Covid-19 (Foto: Divulgação/Rede Globo)

RG – Antes de tudo, como é que foi sua preparação para dar vida ao médico Mauro, nesta nova temporada de “Sob Pressão”? 

David Junior – A gente tem a ajuda do Márcio Maranhão, que nos auxilie tecnicamente durante as filmagens porque foi ele que escreveu o livro que deu origem à série. É uma pessoa que está totalmente inteirada no assunto, além de ser médico. Como estávamos em meio a uma pandemia, não pudemos ter uma preparação tão intensa como o elenco que já fazia parte da série, que tiveram experiências em campo, foram a hospitais. Eu não pude fazer nada disso por conta da pandemia. Fora essa ajuda mais técnica, fiz minhas pesquisas, vi filmes com temática deste gênero e também troquei muito ideia com um amigo médico meu chamado Lamir. Ele é chefe da emergência de um hospital conceito do Maranhão. Ele é médico, negro, mais ou menos da minha idade. Para além destas questões técnicas todas, eu queria ter uma referência de alguém que fosse negro porque podemos contar nos dedos das mãos quantos médicos negros nos atendem. É a exceção, da exceção, da exceção. Em uma classe média, certamente, você conhece um tio, um amigo, um vizinho negro que é médico. Você nem precisa pensar: ou você conhece ou você não conhece nenhum. Essa disparidade é algo que eu precisava ver e entender, como é a relação, como eles precisam se portar nos ambientes em que eles não são vistos como referências, muitas vezes – não desmerecendo outras profissões -, mas são vistos como enfermeiros, técnicos. O Lamir me apresentou um universo muito louco, a chegar no ápice dele me contar de ter pacientes que não aceitaram serem atendidos por ele por não confiarem no potencial, não se sentiam seguros de ter um médico negro ali dentro. Eu precisava saber como ele se porta, como lida com todo esse preconceito dentro da própria profissão. Isso cria um pano de fundo para um personagem que eu ainda estou construindo e tenho muito estrada para criar.

RG – Dito tudo isso, você acha que a negritude do seu personagem foi abordada nesta nova temporada de Sob Pressão especial Covid-19 com apenas 2 episódios?

David Junior – A negritude não foi abordada, mas meu personagem é político por si só. Só o fato de ter um médico negro na ativa, dele estar atendendo, cuidando de vidas. Isto já é um ato político impresso. A gente não precisa dizer. Já está ali.

A equipe de atores e atrizes que integram o elenco da série “Sob Pressão”, que terá nova temporada dedicada a retratar a Covid-19 (Foto: Divulgação/Rede Globo)

RG – Como foram os períodos de gravações?

David Junior – A Globo reproduziu um hospital de campanha dentro dos Estúdios Globo e ficamos imersos ali por 4 semanas, sendo 2 semanas para cada episódio, digamos assim. Gravando todos os dias, dentro deste “covidário” – que era como a gente chamava. Tudo foi novo, desde o momento que eu sai de casa para pegar o carro da produção que tinha um acrílico entre eu e o motorista, onde tinha uma informação sobre a última higienização do carro. Tudo foi novo e eu não gosto de falar de novo normal porque eu espero ter meu antigo normal de volta. É um trabalho que se tem para a mente poder lidar com tudo novo, né? Entender como é lidar com pessoas, se devemos dar abraços, se devemos ser calorosos. Mas ao mesmo tempo, estávamos com uma equipe bem disposta a fazer um ótimo trabalho. Uma direção incrível e uma equipe de atores já toda enturmada que estavam todos muito solícitos e abertos para receber novas pessoas. Me senti parte de tudo aqui muito rápido. É como se você estivesse em uma zona de conforto, segura.

RG – Como é que você como ator – o seu “eu artístico” mesmo – enxergou a oportunidade e a chance de entregar para as pessoas um produto que pode ser muito sensível, no sentido de que, alguém que possa assistir vocês, tenha perdido alguém pro Covid, por ser algo tão delicado e atual?

David Junior – Eu acho que a ferramenta arte ela exige isso da gente. Não consigo me ver quanto artista uma pessoa que não envie uma mensagem significativa para a sociedade. Não consigo me ver como artista fazendo algo banal, que não tenha relevância. “Sob Pressão” é um espelhamento do que, primeiro, o SUS é para o Brasil, um país continental que tem saúde básica unificada. Tinha tudo para funcionar bem, mas que não funciona. A série é um reflexo disso. Ele apresenta esta realidade. Eu, enquanto artista, tenho na minha cabeça o dever de reverberar este espelhamento para as famílias que conheço, que são da periferia e estão fazendo churrasco ignorando o Covid, por exemplo. Enviar mensagens como esta para ajudar pessoas. Fora isso, só o fato do meu personagem Mauro estar presente na série é um ato político. Eu sou um homem negro e estou tentando salvar vidas negras que estão ali à margem da sociedade, vivendo esta pandemia, esta loucura mundial sem uma estrutura adequada.

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