Cultura

Teatro da Cia. Pessoal do Faroeste sofre ação de despejo

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Ação de distribuição de itens de higiene pessoal, barracas e sacos de dormir realizada na segunda-feira (10.08) – Foto: Luca Moela/Divulgação

Durante toda a pandemia do coronavírus, a movimentação no teatro da Cia. Pessoal do Faroeste tem sido de famílias em busca de ajuda da campanha #FomeZeroLuz. Iniciada por Paulo Faria, diretor e fundador do espaço, a ação de solidariedade têm colocado alimento e itens de higiene nas casas do entorno da Cracolândia.

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No entanto, nesta quarta-feira (12.08), o espaço recebeu uma visita diferente: um oficial de justiça que tinha em mãos um aviso de despejo e o prazo de 15 dias para desocuparem o imóvel.

Paulo Faria e Leona Jhovs em cena do espetáculo “O Assassinato do Presidente”. Última temporada teve apenas duas apresentações até começar a quarentena – Foto: Divulgação

História se repete

No início de 2019, o espaço da companhia teatral já sofrera uma ação de despejo. Na época, houve uma mobilização da sociedade na campanha #FicaFaroeste e foi realizado um acordo com o proprietário e o pagamento realizado com recursos conseguidos pelo Programa Municipal de Fomento ao Teatro.

“Naquela ocasião, praticamente todo o dinheiro que recebemos do fomento foi utilizado para o pagamento dos aluguéis atrasados. Conseguimos evitar o despejo, no entanto, como consequência não contávamos mais com esse recurso para manter o espaço e as mensalidades voltaram a se acumular”, recorda Faria.

Dívida de R$ 200 mil

O diretor conta que, neste ano, ainda não conseguiram acesso ao fomento da prefeitura e com a paralisação da programação, o problema apenas cresceu e a dívida acumulada com aluguéis atrasados chega a R$ 200 mil. “Em 2020, não tivemos nenhum apoio financeiro por meio do Fomento ao Teatro, que é o que mantém a companhia em atividade. Nosso espaço é pequeno e todos os espetáculos têm como bilheteria o sistema ‘pague quanto puder’. Em março estreamos a peça ‘O Assassinato do Presidente’ que, devido a recomendação de isolamento social, teve que ser interrompida depois de apenas duas apresentações.”

Paulo Faria na ação de distribuição de itens de higiene pessoal, barracas e sacos de dormir realizada na última segunda-feira (10.08) – Foto: Luca Moela/Divulgação

Da quarentena à mudança definitiva para dentro do teatro

Assim que teve início a recomendação do isolamento social, o diretor da Cia. Pessoal do Faroeste tomou a decisão de cumprir sua quarentena dentro do teatro. Seu propósito foi o de acompanhar de perto as medidas de acolhimento que seriam tomadas na região da Luz. Assim que identificou que as famílias em situação de vulnerabilidade social estavam totalmente abandonadas, deu início por conta própria a uma ação de solidariedade que até hoje distribui cestas básicas.

O que Faria não imaginava é que a experiência de viver dentro do teatro caminhava para se tornar definitiva. Alguns dias antes do aviso de despejo do teatro, ele recebera o mesmo aviso em seu próprio apartamento, no bairro da Santa Efigênia, a algumas quadras da sede da companhia e da Cracolândia.

“Eu vivo do teatro, e assim como a própria instituição Cia. Luz do Faroeste está sem recursos, o mesmo se reflete na minha situação. Tentei negociar com o proprietário de todas as formas mas não chegamos a um acordo que eu pudesse sustentar. Eu e meus cachorros nos mudamos para dentro do teatro, adaptei um dos andares para moradia”, conta.

#FomeZeroLuz

A campanha “FomeZeroLuz” tem como missão erradicar a fome na região, que tem suas ruas, pensões e cortiços totalmente ocupados por famílias em total vulnerabilidade, principalmente em um momento como este. “Basta acompanhar a imprensa e as redes sociais que é possível perceber como a situação fez aflorar o egoísmo e a intolerância em uma grande parcela da população. Logo o Brasil que tem uma dívida enorme, escandalosa, com a pobreza e o racismo, segue, descaradamente, fazendo jus a essa história tão triste e revoltante”, diz Faria, idealizador da ação e que já tem um histórico de trabalhos sociais na região onde, propositalmente, fica a sede de seu grupo de teatro.

“Estão distribuindo cestas básicas no teatro”, correu a notícia por todo o entorno e, em pouco tempo, já são mais de mil famílias cadastradas, cerca de quatro a 5.000 pessoas, que estão colocando alimento em suas mesas graças a companhia. Para se ter algum controle de que as doações seguiriam realmente para o seu propósito, criou-se a regra de que apenas as mulheres poderiam retirar os mantimentos (com algumas exceções analisadas caso a caso). Moradoras de rua, prostitutas, travestis e viciadas que, antes de qualquer rótulo, são em sua grande maioria mães.

A campanha foi ganhando apoio enquanto Faria divulgava cada passo da ação, e seus relatos quase como um diário, nas redes sociais. “Foi por meio da internet que as pessoas conheceram nosso trabalho, resolveram ajudar com suas doações e ajudando a divulgar a campanha. A situação atual em que nos encontramos também comprova como cada centavo que entrou como doação foi utilizado apenas na compra das cestas básicas”, conta.

Paulo Faria organizando as filas nos primeiros dias de entrega de cestas básicas do #FomeZeroLuz, em abril – Foto: Paulo Brasyl/Divulgação

Sobre a Cia Pessoal do Faroeste

Em 2020, o Pessoal do Faroeste completou 22 anos. A companhia de teatro tem tido como fonte de pesquisa a vida social e política do povo brasileiro por meio de seu imaginário popular e de sua cultura, e com um olhar especial à cidade de São Paulo, especificamente o centro, onde tem a sua Sede Luz do Faroeste.

Com o objetivo de realizar trabalhos artísticos que reflitam momentos históricos da sociedade brasileira, a proposta é produzir intervenções que valorizem a cidade, o centro de São Paulo e a Santo Dias ação de pertencimento com a região. É nela que se desenvolvem os projetos e a contribuição para o espaço urbano. A Cia Pessoal do Faroeste ganhou o Prêmio Shell em 2014, na categoria Inovação pelo trabalho de ocupação e intervenção social e artística que contribui para transformação urbana da região da Luz. Em 2019, o diretor Paulo Faria recebeu da Alesp O 23º Prêmio Santo Dias em Direitos Humanos.

#FicaFaroeste

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