Em tempos de Covid-19, onde as diversas culturas, coletivos e indivíduos se desafiam na travessia da crise global, os afetos e as conexões parecem ter ganhado uma importância ainda maior nas limitações daqueles que se propõe viver o distanciamento social. Como resposta à esta crise que vai muito além das áreas da saúde pública, economia e política, pensadores e profissionais relacionados à criatividade, humanidades e design se esforçam para construir narrativas afetivas, sensíveis e empáticas para manter a união pulsando na coletividade.
A mais recente obra do Estúdio Guto Requena, chamada “Estímulos Emocionais“, convida seis pessoas a vivenciarem uma experiência interativa audiovisual, na qual dados emocionais de cada participante são coletados em tempo real e transformados numa pintura digital mapeada na superfície de uma mesa. Trata-se de uma instalação imersiva, que provoca os visitantes a se conectarem consigo e com as pessoas ao redor, para juntos refletirem sobre a qualidade das nossas relações com as pessoas, os coletivos e os espaços privados e públicos que habitamos. A obra busca impactar o público sobre os efeitos que as emoções e narrativas-afetivas têm em nosso corpo e em nossas vidas, além de nos relembrar que é por causa das nossas emoções, que nos reconhecemos como pares, em nossas necessidades e experiências humanas universais.
Numa sala escura, seis pessoas são convidadas a se plugarem em módulos tecnológicos, compostos por uma cadeira, um sensor de ondas cerebrais, um sensor de batimentos cardíacos e um fone de ouvido. Sentados juntos em torno de uma mesa circular, esses seis participantes formam um circuito humano perfeito, naturalmente valorizado por civilizações ancestrais ao redor do mundo. O círculo é geometria sagrada e uma forma pura e infinita. É espaço onde todos têm o mesmo direito de fala e expressão. Naturalmente sugere igualdade, uma não hierarquia e abre espaço para conexão.
Assim que todos se acomodam e vestem os módulos tecnológicos, as luzes da sala se apagam, uma projeção se inicia e o público é guiado por uma voz suave. No início da experiência a narradora explica como os dados de biofeedback gerados pelo cérebro de cada participante e absorvidos pelos sensores, irão se transformar em partículas (pontos) projetadas na mesa central. Primeiro é possível ver a projeção de uma partícula, que representa o nível de atenção e dispersão capturado pelo sensor de atividade cerebral. Os participantes podem observar suas reações de atenção a partir dos pontos que se movem pela mesa.
Em seguida, uma segunda partícula surge na mesa, se movimentando, conforme o nível de relaxamento e tensão de cada participante é capturado e atualizado. Esses dados são coletados através da leitura das ondas alfa e beta pelo sensor de atividade cerebral do tipo Neurosky, que encontra-se encaixado na cabeça de cada participante. Essas imagens projetadas se iniciam como um eixo-gráfico explicativo que lentamente se expande, transformando-se em uma pintura abstrata, coletiva e viva que se modifica em relação às respostas sensoriais captadas de cada pessoa do grupo.
A experiência então entra em um segundo momento. A narradora convida os participantes a se perceberem ainda individualmente, conforme instiga-os com perguntas reflexivas relacionadas às vivências triviais e especiais do cotidiano. Com isso, a arte digital ganha novas formas inéditas, que surgem a partir das capturas sensoriais dos presentes. Perguntas estas que sugerem lembranças do passado, de encontros especiais, de contatos com a natureza e situações inesquecíveis.
Em próximo momento da narrativa, as perguntas disparadoras migram para o campo coletivo. Os participantes são convidados a estabelecer uma conexão ainda em silêncio, mantendo o “olho no olho” e sinalizando com as mãos, quando se identificam com a situação posta pela narradora. Este talvez seja o momento mais forte e sensível da experiência, por tatear temas extremamente sensíveis, tais como: o racismo, a homofobia, o nacionalismo, o machismo, a violência, a solidão, entre outros que geralmente geram uma certa vulnerabilidade e emoções fortes. No entanto, promovem também afeto, empatia e conexão humana, pois os participantes são convidados a ora se expressarem, ora testemunharem as reações do grupo, reconhecendo suas “expressões humanas comuns e necessidades universais”.
No último momento desta vivência, a arte generativa mapeada no topo da mesa transforma-se num círculo multicolorido. Esta nova arte é ativada pelos dados coletados pelo sensor de batimento cardíaco, que está plugado no dedo indicador de cada participante. É nesse momento que podem sentir o seu próprio coração batendo, para que em seguida, sintam também o coração de todo o grupo, um de cada vez, através de uma multiplicidade de estímulos, que somam sensações visuais, auditivas e físicas. Os batimentos cardíacos ativam também os amplificadores localizados nos encostos e assentos de cada cadeira que, por serem de madeira, transmitem intensamente a vibração do pulsar dos corações, adicionando uma nova camada sensorial, no momento mais catártico dessa experiência, com todos conectados num verdadeiro circuito humano perfeito.