Cultura

Thiago Ventura estreia na Netflix e fala sobre pioneirismo na comédia stand up de “quebrada”

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Humorista brasileiro Thiago Ventura estreia especial “Pokas” na Netflix. (Foto: Divulgação/Juliana Nunes)

Acreditem: o maior desafio desta entrevista foi acompanhar o raciocínio e ritmo acelerado na fala de um dos maiores nomes do humor no Brasil. Diretamente de Taboão da Serra, região periférica de São Paulo, o paulistano Thiago Ventura ganhou o Brasil há um tempo e, agora, tem a chance de expandir suas raízes para todo o mundo.

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Tudo isso porque, nesta quinta-feira (02.07), o brasileiro estreia “Pokas”, um especial de humor stand up, na Netflix. Com duração de uma hora, o humorista mostra neste espetáculo todo o seu talento e desenvoltura para falar sobre o mais sabe fazer: sua própria vida.

Considerado o humorista que conseguiu popularizar esta modalidade de comédia por aqui, Ventura tem este feito atrelado a sua própria existência. Para ele, não foi preciso “imitar ninguém de quebrada” – como já chegaram a sugerir. “Não tem como eu imitar quando eu sou um deles. Somos da mesma rua, eu sou da rua”, contou, em papo exclusivo ao RG.

O convite da Netflix, por sua vez, veio para abrilhantar muito mais a carreira dele – que já rodou diversos países da Europa. “Isso fez eu chegar em um outro patamar na minha cabeça porque, pela primeira vez, vejo o planeta todo com a possibilidade de me ver”, concluiu.

Mesmo com esta condição, Ventura enxerga que a maior consagração de sua carreira não é chegar na plataforma de streaming, muito menos em outros países: é pura e simplesmente conquistar público.

“É a plateia que vai me consagrar sempre. Desde o primeiro momento que eu consegui reunir 300 pessoas em um teatro. Naquele dia, eu sinto que me consagrei na minha profissão”, diz o humorista, que ainda enxerga preconceito na comédia stand up por aqui.

“A comédia de stand up aqui é julgada. As pessoas nem levam esse tipo de comédia como arte. Elas julgam o que os fazem, julgam vídeos cortados e sem contextos. Não querem saber do show completo”, afirmou.

Veja o papo de Thiago Ventura na íntegra com o Site RG.

Humorista brasileiro Thiago Ventura estreia especial "Pokas" na Netflix. (Foto: Divulgação/Juliana Nunes)
Humorista brasileiro Thiago Ventura estreia especial "Pokas" na Netflix. (Foto: Divulgação/Juliana Nunes)
Humorista brasileiro Thiago Ventura estreia especial "Pokas" na Netflix. (Foto: Divulgação/Juliana Nunes)

RG – Como está seu coração para sua estreia na Netflix?

Thiago Ventura – Está saindo pela boca. Só não saiu porque eu fechei e não deixei. Juro para você! É Netflix é muito importante para mim porque eu agora estou na mesma plataforma de streaming que todas as minhas referências no meu trabalho. Agora, eu entrando com um especial de 1 hora, é bater o carimbo de uma parada muito maneira.

RG – Você acha que é a consagração do seu trabalho, depois de tantos anos?

Thiago Ventura – Eu acho que não tem como eu dizer que isso está me consagrando porque não é a própria Netflix que vai me consagrar. É a plateia que vai me consagrar sempre. Desde o primeiro momento que eu consegui reunir 300 pessoas em um teatro. Naquele dia, eu sinto que me consagrei na minha profissão. Falei: ‘Caraca, realmente eu sou um cara que a plateia comprou’. A Netflix fez eu chegar em um outro patamar na minha cabeça porque, pela primeira vez, eu vejo o planeta todo com a possibilidade de me assistir. Então, isso mudou.

RG – O “Pokas” foi espetáculo que rodou o Brasil todo, né? Me fala um pouco dele!

Thiago Ventura – Total! O “Pokas” não só rodou o Brasil, como fizemos sessões em diversos lugares ao redor do mundo todo. Fizemos show em boa parte da Europa. Fizemos uma porrada de show! Ele se desenvolveu bastante e amadureceu demais até chegarmos no dia de gravar. Então, eu estou muito ansioso. É como se eu fosse bater um pênalti sem goleiro, saca? Você já sabe que vai ser gol. Só preciso que as pessoas assistam de verdade.

RG – Foi gravado em São Paulo?

Thiago Ventura – Isso. Gravamos no Teatro Liberdade, em São Paulo. Um teatro novo com capacidade de mais de 900 pessoas e fizemos 12 sessões lotadas e com presença de figuras ilustres, vários comediantes, pessoas da música, fãs. Nossa, foi bem especial, bem daora.

RG – E neste dia de gravação, sabendo que você ia gravar, você estava nervoso? Acha que conseguiu fazer seu trabalho em 100%?

Thiago Ventura – Isso foi muito doido porque, toda vez que a gente vai gravar uma parada que independe da sua equipe, você fica um pouco apreensivo, né? Dá aquele “nervosinho”, né? Mas, mano, estouramos, ladrão. O bagulho tá louco! A equipe da Netflix foi demais. O nervosismo me atrapalhou um pouco na primeira sessão, nos cinco primeiros minutos, assim. Mas depois foi fluindo, tinham outras sessões para poder acertar, então, foi tranquilo. Foi um trabalho de começo, meio e fim e de muita gratidão.

Humorista brasileiro Thiago Ventura estreia especial “Pokas” na Netflix. (Foto: Divulgação/Juliana Nunes)

RG – Falando ainda um pouco da Netflix em si, eu tava lendo sobre você, e muita gente te define como o “humorista que conseguiu popularizar o gênero da comédia stand up no Brasil”. Você enxerga esse seu papel?

Thiago Ventura – Vou falar um negócio para você: eu consigo enxergar isso porque simplesmente é um fato. As pessoas que escutam o que eu estou te falando não conseguem levar como prepotência porque é um fato. As pessoas não iam para o teatro e agora as pessoas vão porque eu comecei a falar lá o que eu sempre falei na minha vida toda. Quando eu consegui me inserir na cena, tudo mudou. Mudou o cenário da comédia, entende? Isso é um fato. Não é uma parada que eu queria. Eu não queria o cara que populariza a parada e nem exijo respeito por isso. Não precisam me respeitar por isso. Tem que me respeitar por continuar manter o stand up vivo. Tem 10 anos que eu estou na luta. Meu trabalho é mais válido que toda essa mudança.

RG – E toda essa mudança na comédia brasileira que você causou, você acha que se deve a que? Qual fator principal?

Thiago Ventura – Amigo, de verdade, eu acho que eu sou um comediante dedicado, mas faltava alguém representar eles [a periferia]. As pessoas de quebrada que gostam de stand up nunca viram alguém falando da rotina delas. É diferente você falar sobre a rotina do pobre e do rico. São coisas que a gente passa no nosso Brasil. Nossa guerra é grande. Enquanto não resolver riqueza e pobreza, não conseguiremos resolver outras questões. Não tem como você educar e ensinar uma pessoa sobre preconceitos e novas visões se ela está passando fome em casa, tá ligado? Tem que repensar tudo isso. Acho bonito que o Brasil se pauta em agendas de causas pela “gringa”, mas e aqui dentro? Tem gente passando fome pra “caralho”, tem muita gente sem saneamento básico. Se essa galera não tem nem saneamento básico, como é que teria alguém para falar por nós. Fui pioneiro, eu sei. Demorei pra aceitar esse fato, mas está feito.

RG – Quando você começou a levar sua linguagem do dia a dia, da vida e realidade para dentro do palco, você chegou a fazer alguma modificação nela?

Thiago Ventura – Eu escutei uma coisa engraçado uma vez. O Thiago Carvalho, um outro comediante amigo meu, virou pra mim e falou: “Caraca, você imita os caras da sua rua igualzinho”. Não tem como eu imitar quando eu sou um deles. Somos da mesma rua, eu sou da rua. Esses dias me perguntaram assim: “Você já saiu da quebrada tem quatro, cinco anos e como que você mantém suas referências, sua linguagem?” e eu sou direto: uma coisa é você sair da quebrada, outra coisa é você levá-la contigo. As pessoas da quebrada são meus amigos ainda, só os vejo com menos frequência, menos tempo. Uma vez quebrada, sempre quebrada. Lá dentro, os seus jeitos, pensamentos. É a essência.

RG – E como é que você se reinventa como comediante, dentro da sua própria estética, para que alguém queira te assistir mais de uma vez?

Thiago Ventura – É o que eu chamo de “coelho na cartola”. O mágico nunca vai falar como ele faz algum truque, assim como o comediante não vai falar quais são as sequências de gatilhos cómicos que ele vai enfileirar para quebrar o raciocínio do público e fazer ele rir. Eu acredito que o comediante que estudo estrutura, ele sempre se reinventa porque, para mim, uma sequência de gatilhos fala muito mais que a história que você tem para contar. Pra ser um bom comediante de stand up, precisa estudar estrutura da comédia.

RG – Você acha que a comédia stand up no Brasil está saturada ou tem muito a ser feito ainda?

Thiago Ventura – A comédia de stand up aqui é julgada, não é saturada. As pessoas nem levam esse tipo de comédia como arte. Elas julgam o que os fazem, julgam vídeos de stand up cortados e sem contextos, tirados de todo o conjunto de um show. As pessoas estão vivendo em um mundo tão inflamado que elas esqueceram que existe contexto. Desde Rafinha Bastos falando que “comeria ela e o bebê” que as pessoas acham que stand up é isso. Só que quando você vai no teatro, você toma um soco na cara impressionante e se pergunta onde é que você estava com aquele preconceito.

RG – Eu tava vendo no seu Instagram e figuras muito importantes, como o Emicida, curtem e acompanham seu trabalho. Como é que você reage a esses elogios tão grandes curtindo tudo que você faz?

Thiago Ventura – O Emicida, em específico, foi difícil lidar porque, quando eu mandei mensagem para ele e ele retornou falando que curtia meu trabalho no mesmo grau que eu curtia o trabalho dele, eu tomei um choque. Eu sempre falo: quando o Neymar começou a seguir meu trampo, foi daora. Mas o Emicida, foi uma porrada. Entre os dois, eu queria conhecer o Emicida. Ele conversa comigo de forma que as pessoas não conversam. A música. Sempre quis ser um colega dele. Quando eu percebi que a gente virou amigo de verdade, de frequentar a casa e marcar de comer pizza, eu percebi que era muito maior o que eu estava fazendo. Eu percebi que o meu talento atrai pessoas talentosas que eu admiro. Isso é muito doido.

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