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O paradoxo das redes sociais

Foto: Pixabay

Por Marcos Tenório

Em tempos de quarentena, um recurso muito utilizado para se manter próximo das pessoas que amamos são as redes sociais. Criadas para simular um mundo virtual onde compartilhamos nossas ideias e trocamos fotos, informações e nosso cotidiano mutuamente.

Utilizamos chamadas de vídeo individuais e em grupos, as famosas lives nas redes que transmitem vídeos, atualizamos nossas redes e nos atualizamos sobre as redes de quem nos interessam a partir de fotos que mostram o cotidiano e diminuem a nossa saudade.

Seria lindo se funcionasse dessa forma, mas não é sempre assim. Vimos várias redes sociais surgirem e desaparecerem em questão de poucos anos. Sempre que nosso direito de opinião é usado sem pensar no direito do ouvinte, essa relação costuma tornar-se nociva e as redes, que deveriam ser ambientes leves e de entretenimento, começam a se transformar em lugares pesados e cansativos.

O Orkut experimentou essa decadência há alguns anos por conta de posicionamentos dos usuários e o excessivo uso de gifs. O Facebook anda dando sinais de cansaço com seu algoritmo que prioriza alguns assuntos que nem sempre estamos interessados por conta do número de curtidas e compartilhamentos. Inclusive a rede social vem sendo questionada por não limitar a difusão de notícias falsas.

Resultado de tudo disso: muitas amizades foram desfeitas e até relacionamentos acabaram por conta de opiniões políticas, posicionamentos sobre assuntos que sequer as pessoas têm conhecimento, entre outras coisas.

O Instagram, famoso por toda a ostentação de muitos perfis, mostrou-se arrogante durante a quarentena, quando diversos influencers, vivendo em suas bolhas surreais, preferiam mostrar suas posses para pessoas que estavam angustiadas com seus empregos e com saudades do simples ato de sair de casa.

Restou o Tiktok, uma rede divertida e jovem que oferece todos os dias música, dança e humor para alimentar nossas almas com alguma alegria sem compromisso com estética ou patrocínio de grandes marcas de forma escancarada.

A cultura do cancelamento vem se repetindo diariamente. Artistas e pessoas comuns, que expressam alguma opinião contraditória, polêmica e até equivocada sofrem com um movimento que mais parece a modernidade líquida de Zygmunt Bauman e deixam, em poucas horas, de ser celebridades ou conhecidas respeitosamente, por conta de uma frase ou foto postada em uma das redes.

Zygmunt Bauman – Foto: Carlos Rosillo

Bauman falava isso logo após a Segunda Guerra, principalmente em meados de 1960 ele percebia que as relações sólidas (chamada por ele de modernidade sólida) estavam dando lugar a relações mais voláteis (chamadas por ele de modernidade líquida). Se antes a humanidade baseava suas relações no estabelecimento de relações duradouras, agora ela colocava as relações como algo passageiro.

Isso se reflete muito na nossa cultura atual, chamada por Pierre Lévy de Cibercultura, por estar baseada em conexões cibernéticas. O filósofo falava, em 1999, que nossa cultura iria se modificar ao ponto de não podermos mais optar por fazer ou não parte disso, mas que ao mesmo tempo estaríamos imersos em um oceano (ou dilúvio) de informações úteis e inúteis e teríamos dificuldade para identificar o que era verdadeiro ou não (bastante semelhante com o momento, permeado de fake news e, em breve de deep fakes).

Em uma cena de “Years and Years” (série da HBO que falei aqui no ano passado), uma das personagens, adepta do transumanismo, utilizava emojis para cobrir seu rosto enquanto interagia com seus pais, escondendo assim seus sentimentos reais. Bem semelhante com o que muita gente faz para mascarar suas próprias angústias.

Ainda citando Lévy, esse grande número de conexões se contrapõe ao comportamento de pilhagem que algumas vezes os usuários do ciberespaço possuem. Sempre que alguém influente fala algo equivocado, inicia-se um processo muito grande de ataques em cima dele, ao ponto em que não há a possibilidade de defesa e a reputação dessa pessoa acaba-se em questão de horas.

Esse efeito manada dos internautas tem levado a alguma reações muito boas em algumas questões, mas ao mesmo tempo preocupante por ter um perfil de linchamento virtual, sem o direito de defesa nem a apresentação de provas contundentes, criando grandes tribunais da internet. Não quero citar um caso específico aqui, mesmo porque não pretendo julgá-lo, mas tenho visto diversos semanalmente e, alguns, injustamente.

O fato de nos escondermos por trás de avatares em nossas redes sociais não nos exime do dever de respeitar as outras pessoas, assim como não nos tira o direito de sermos respeitados. Também não nos dá o direito de sermos juízes de acusação ou defesa de quem cometeu erros, isso cabe à polícia, quando necessário.

Foto: Pixabay

Em uma cultura baseada nas conexões cibernéticas, na qual o virtual tornou-se real, é importante buscar estabelecer laços para buscar criar vínculos mais próximos dos reais, como na modernidade sólida, antes que toda essa modernidade líquida faça com que nossas relações se percam por entre nossos dedos, como água.

Durante esse confinamento, você deu bom dia a alguém com quem você não falava havia algum tempo? Talvez seja um bom momento para isso, crie sua própria rede social, independentemente de sites ou apps. Inspire, incentive e busque pessoas, faça conexões sociais com elas, pois somos animais sociais e precisamos desses elos em nosso cotidiano. E já que não podemos nos encontrar pessoalmente, que virtualmente seja caloroso e saudável.

Marcos Tenório é Designer, Sócio da Kalulu Design&Comunicação, mestre em Design de Artefatos Digitais pela Universidade Federal de Pernambuco e Professor na UNIFG. 

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