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Racismo: o que quatro artistas negras pensam a respeito

O racismo é uma doença que está impregnada nas veias da sociedade. Não há como negar, o pretos são maioria e minoria onde deveriam dominar, ou, no mínimo, ter a mesma proporção que os brancos. Há que haver mais consciência e menos preconceito e diferença. Não dá mais para vermos pretos afastados e isolados, prejudicados e vistos, muitas vezes, como o a última opção quando se fala em mercado de trabalho e na própria vida.

O racismo tem de ser exterminado, de uma vez por todas.

Veja o posicionamento de quatro artistas negras e suas opiniões sobre o racismo e como lutar contra ele.

Como você, artista, leva essa luta contra o racismo para a vida profissional? Como você transforma isso em arte?

Any Gabrielly – Foto: Reprodução/Instagram/@anygabriellyofficial

Any Gabrielly

O racismo está enraizado na sociedade, e na indústria do entretenimento não é diferente. Infelizmente muitos artistas negros têm que se curvar para coisas como alisar o cabelo, fazer cirurgias plásticas etc. Se nos recusamos a mudar nossa aparência, ficamos limitados a estereótipos: a sofredora, a empregada, a melhor amiga doida. 

A forma que encontrei de combater tudo isso com a minha arte até agora é mostrar que nós negros podemos ser tudo, podemos estar em qualquer lugar, do jeito que somos. Não aceito mais as limitações do que posso fazer ou ser.

As pessoas ainda vão me ouvir cantar sobre isso, mas por enquanto, não me curvo à supremacia branca!

Mariana Sena – Foto: Reprodução/Instagram/@eumarianasena

Mariana Sena

Não dá para não levar comigo meu posicionamento militante antirracista. É impossível porque meu corpo, minha voz e minha presença imprimem a todo momento que sou uma mulher preta, e se não me posiciono diante disso sou suprimida em qualquer ambiente que frequento, seja na rua, na padaria, no restaurante e no ambiente de trabalho. Então isso está sempre presente em mim, na forma como lido com as pessoas com quem trabalho, com quem divido um set, um teatro, um palco, desde a equipe técnica até os atores e diretores que estão ali trabalhando comigo, construindo um projeto comigo. 

O que sinto como a maior dificuldade para nós, artistas pretos, é o transformar em arte a nossa luta antirracista já que muitas vezes estamos desempenhamos o papel de uma personagem em que isso não é possível. Às vezes, lemos um personagem, olhamos o papel e falamos “caramba essa personagem está replicando tudo aquilo que abomino”, está sendo, vamos supor, uma empregada que está ali e em momento nenhum tem a possibilidade de usar sua voz, sendo sempre hostilizada pela patroa. É uma personagem que precisa expor isso, mas  não temos abertura como artista para fazer. Acho que essa é a maior dificuldade. 

Acredito muito na necessidade, cada vez mais urgente, de as pessoas que constroem, financiam e escrevem os projetos a serem rodados refletirem e falar “caramba não tem nenhum personagem que é preto”, ou então, “não tem nenhum ator que testei que é preto. Como posso mudar isso? Como posso chegar para esse projeto e falar esse projeto precisa de pessoas pretas?”. E também olhar o que está escrito e falar “calma aí, como é que a personagem preta vai agir de tal forma?”. Gente é 2020, século 21. Ainda estamos produzindo projetos e materiais onde tem uma empregada sendo hostilizada, um policial preto que é assassinado, ou então, o personagem preto que só faz o bandido ou aquele ator que só faz o favelado se ferrando, dando continuidade a imaginar o racista. Sinto que a maior dificuldade de nós artistas pretos em imprimimos no nosso trabalho, o nosso posicionamento antirracista é porque, às vezes, os personagens não permitem isso. Aí parece que estamos travando uma luta com nós mesmos, de tentar dar uma coerência política para aquele personagem, quando na verdade isso deveria ter sido feito na escrita e na revisão de um roteiro, na releitura de uma peça de teatro. Nosso posicionamento é presente e acredito que muitos artistas também gritam na mesma dificuldade, mas é isso, tem que continuar e tem que ser questionado. 

Outra coisa que sinto muita dificuldade, é que, às vezes, até no ambiente profissional o racismo acontece de uma maneira tão sutil que nos sentimos oprimidos até para nos posicionarmos. Aquela grande coisa do medo de perder o emprego porque se posicionou contra uma pessoa do trabalho que foi racista, é desconfortável e desnecessário. Espero muito que com o passar desses tempos e dessas manifestações as pessoas tenham consciência nas suas atitudes, que abram mais olhar para tudo e que existam cada vez menos pessoas racistas no Brasil e no mundo, porque isso é necessário. É sufocante. É opressor. E precisamos tratar isso, estamos a todo momento tendo que lidar com esse tipo de situação e que bom que a hora do basta está se aproximando.

Paula Lima – Foto: Reprodução/Instagram/@paulalima

Paula Lima

Eu sou uma cantora de MPB com uma paixão pela música negra desde sempre. Sendo assim, tenho como base o samba, o jazz, o samba rock, a bossa, o funk e o soul, todos ritmos negros que eu sempre compartilho e apresento. Também sempre tenho profissionais negros trabalhando comigo, sem qualquer tom separatista, mas sim inclusivo. Além disso e talvez seja um dos aspectos mais importantes, divulgo nas minhas redes informação sobre racismo, inclusão, respeito e igualdade. Acredito num mundo melhor para todos incluindo nós negros que sempre estivemos socialmente e financeiramente na base da pirâmide. 

Posso afirmar que transformo minha luta contra o racismo em arte no meu som, através da mensagem, dos arranjos e do programa de rádio em que toco o melhor da música negra.

Ana Flavia Cavalcanti – Foto: Reprodução/Instagram/@anaflaviacavalcanti

Ana Flavia Cavalcanti

Eu sou uma mulher negra e isso me coloca em lugar de militância contra o racismo estrutural, mesmo quando eu não penso nisso. Minha existência é atravessada por esse chamado. Nem tudo é possível de ser transformado em arte, mas eu tenho me movimentado na direção dos meus sonhos, da potência, da alegria, da micropolítica e isso é muito forte e necessário pra mim. Me manter viva, saudável, com saúde mental e sentimentos bons é a maior performance que eu poderia fazer nos tempos de hoje.

Qual a importância de um artista se posicionar diante do cenário atual das manifestações?

Any Gabrielly

Artistas têm o poder de influenciar um número grande de pessoas, têm uma responsabilidade enorme nisso. É preciso entender que em momentos como esses, em que revoluções estão acontecendo, ficar calado já é se posicionar, já é mostrar que você está do lado do opressor. Não dá mais tempo de fingir que não estamos vendo o que está bem na nossa frente. Influencers precisam começar a usar sua voz para mudar o mundo, porque assim como podem vender um produto que muitas vezes nunca nem experimentaram, podemos arrecadar milhões para salvar vidas e espalhar conhecimento!

Se na frente do seus amigos negros você bate no peito e diz que é antirracista, agora chegou a hora de você realmente provar. 

Mariana Sena

É impossível um artista preto não se posicionar. Acredito ainda que é impossível um artista, seja ele preto ou branco, não se posicionar diante de tudo que está acontecendo no mundo. Acredito muito que fazer arte é você colocar à disposição a sua criatividade para mostrar para as pessoas qual é a sua visão de mundo e qual a sua perspectiva. E a partir do momento em que o artista se ausenta de mostrar as suas perspectivas, ele está falhando  não só como artista, mas como cidadão. O que identifico como um grande problema de artistas, tanto os que não se posicionam como os que se posicionam, é que as pessoas elencaram como necessário só artistas da grande mídia se posicionarem, e isso exclui do mapa muitos outros artistas que não são os que estão em foco na televisão, nas revistas, nas entrevistas, que são os artistas que estão cotidianamente se posicionando. Isso que é necessário. A maioria dos artistas pretos que não estão tendo a visibilidade que eles poderiam ter, é porque a grande mídia não se ocupa deles. Se ocupa das outras pessoas que estão no outro patamar. Não excluo a importância desses artistas que estão em grande exposição, muito pelo contrário, acho que é ainda maior a importância dessas pessoas de colocarem a cara a tapa, se posicionando contra um movimento que mata. Não podemos também colocar o racismo como se não fosse esse movimento assassino que cotidianamente tira vidas de jovens, adultos e idosos. Então, é muito importante, sim, todos os artistas, sejam eles grandes mídias ou sejam esses que estão nas ruas, se manifestando em peças de teatro, em ensaios, se colocando, porque essas pessoas inclusive que têm maior visibilidade, elas têm um papel fundamental que é o pedagógico. Acredito muito que temos um papel fundamental de levar informações para outras pessoas, de mostrar para as outras pessoas que talvez as suas atitudes, ações e visões de mundo estão equivocadas, e que elas matam. Enquanto as pessoas não levarem o racismo na seriedade com que deve ser levado e ficarem falando “racismo é você fazer piada racista, é você desconsiderar um preto que está no seu ambiente de trabalho” e não colocarem o racismo como uma pauta que mata, tira a vida das pessoas e permite que pessoas fiquem na miséria cotidianamente, não vai para frente. Tem, sim, que posicionar e seja no seu fazer, no ambiente de trabalho, de estar ali no set, olhando ao seu redor e não ver nenhuma pessoa preta. A minha maior pergunta para esses grandes atores que estão aí há 10, 20, 30 anos fazendo televisão, cinema é como eles não olham ou nunca olharam ao redor e se questionaram “caramba por que tem só branco aqui? Por que sempre contraceno com a mesma pessoa há anos ou com o mesmo núcleo de pessoas há anos e nenhum deles é preto?” e não conseguir identificar um erro nisso, para mim é o pior. Que bom que estão sendo cobrados e que não só se posicionem, mas também apliquem isso no cotidiano com esses questionamentos, esse posicionamento no trabalho e para sempre na vida. 

Paula Lima

Acredito que como agentes culturais e pessoas públicas temos uma missão! Compartilhar pensamentos e buscar transformações. Me sinto responsável pelo que digo, faço, e o contrário também. Tenho a consciência que sou a voz de muitos que não têm. É praticamente uma obrigação, no sentido positivo da palavra, me posicionar. Quem não se posiciona concorda com a realidade vigente. 

Ana Flavia Cavalcanti

Eu acho que o artista é um ser humano antes de mais nada, então a importância dele se manifestar é a mesma que de uma pessoa não artista. Atualmente, temos que nos unir, em todas as áreas, profissões e ciências. É preciso estarmos vigilantes em nome da democracia que vai mal. 

O que você espera que mude?

Any Gabrielly

Espero que as pessoas finalmente consigam sair de suas bolhas e se eduquem, vejam que o racismo é uma coisa que está enraizada! Não é só sobre a escravidão, não é só sobre um caso. É sobre perceber que tudo que conhecemos e que vivemos foi feito e estruturado por pessoas em uma posição de privilégio. Precisamos inserir os pretos em todos os lugares para que a nossa percepção de mundo seja ampliada! 

Mas isso é só o começo da mudança. Realmente espero que as pessoas se importem depois que a #BlackLivesMatter não estiver mais entre os assuntos mais falados do Twitter.

Mariana Sena

O que espero que mude é o que toda população preta quer. Quero poder sair na rua e ser tratada como humana, que humanizem as pessoas pretas, que minha família, minhas tias, minha mãe, meus tios, não sejam tratados apenas como uma ferramenta de trabalho. Quero voltar para casa sem ficar com medo de precisar ligar para minha mãe para saber se está tudo bem com meu irmão, não precisar mais ter medo de algum dia receber uma ligação de que algum tio, algum primo, ou até mesmo meu irmão, sendo assassinado, realmente me sentir segura pela instituição policial, ver a população preta tendo acesso ao saneamento básico, à alimentação, a uma vida e educação de qualidade, que as pessoas racistas consigam se transformar de verdade, não só no discurso, mas consigam entender que a forma como trata a sua assistente, a sua doméstica, como um ser humano, que tem família e necessidade e precisa de tempo para viver. Que a população preta seja vista como a maior parte da população, ligar a TV, entrar em um filme na internet, olhar ao meu redor e ver pessoas pretas sendo de fato representadas, não precisar mais rebater a representatividade como essa miséria que as pessoas acham que já foi alcançada. Uma coisa que acontece muito são pessoas falarem de representatividade, como se tivéssemos alcançado alguma coisa que não alcançamos. Ainda não vejo nenhuma diretora, diretor, roteirista, protagonista pretos com papéis de qualidade. Que mude a forma como as pessoas vêem as pessoas pretas, que meus amigos, eu, ou qualquer outra pessoa preta passe na rua do lado de uma pessoa e não veja ela puxando a bolsa, mudando de calçada, achando que vai ser assaltada, que crianças não sejam mais alvejadas dentro de casa e percam a vida, desestruturando uma família inteira. Quero que mude o mundo. Como o mundo vê e dá oportunidades para uma pessoa preta. Quero ver pessoas pretas trabalhando e recebendo de forma digna pelo seu trabalho, ver oportunidades acontecendo e cada vez mais médicos, engenheiros, chefes de empresas, bancário, banqueiro pretos. Um tribunal que quem esteja sendo julgado não seja uma pessoa preta e ver uma cadeia que não esteja lotada de pessoas pretas. Tem mais pessoas pretas por metro quadrado dentro de uma cadeia, do que em uma escola. Quero andar na rua e não tem que ver tantos corpos pretos deitados no frio, sair e não ver tantas pessoas pretas em situação de rua, sem ter o que comer, que as pessoas tenham um teto e alimento. É isso que quero e acredito que toda população preta espera que mude.

Paula Lima

Eu espero que tenhamos dias melhores e justos. Eu espero que o Estado cuide dos seus de forma digna. Espero que a violência contra jovens negros termine. Não é possível que essa estatística onde um jovem negro é morto a cada 23 minutos permaneça. Que o racismo perca a sua força, que está no ódio. Que a empatia reverbere. Eu acredito e luto por igualdade (isso inclui oportunidades e prosperidade), respeito, justiça.

Ana Flavia Cavalcanti

Eu espero que o racismo acabe, que a desigualdade no nosso País acabe. E e espero muito que sociedade e a classe política e jurídica entendam que esse presidente é um descalabro, um retrocesso e que medidas sejam tomadas. É isso que eu espero.

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